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Um ano após enchentes, falta de moradias dificulta recuperação de vítimas no RS

Embora programas habitacionais federais e estaduais estejam em andamento, eles não conseguem atender ao volume de famílias que perderam suas casas durante a tragédia ocorrida em 2024

Moradias provisórias em Porto Alegre receberam acolhidos em centros humanitários ( Joel Vargas/GVG)

Moradias provisórias em Porto Alegre receberam acolhidos em centros humanitários ( Joel Vargas/GVG)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 29 de abril de 2025 às 07h23.

Um ano após as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, o descompasso entre a oferta de moradias e a demanda das famílias atingidas ainda impede a plena reconstrução das vidas afetadas. Embora programas habitacionais federais e estaduais estejam em andamento, eles não conseguem atender ao volume de famílias desabrigadas. Especialistas alertam que a ausência de uma busca ativa por parte dos governos resultou na subnotificação de milhares de pessoas que perderam suas casas e seguem fora dos cadastros oficiais, agravando a vulnerabilidade social nas áreas atingidas.

O quilombola Rogério Machado, de 43 anos, liderança do Quilombo dos Machado, em Porto Alegre, recorda com pesar os dias de terror vividos no ano passado, quando quase metade dos 4,5 hectares do território — lar de 1.260 pessoas — foi devastada pelas enchentes. Localizado no bairro Sarandi, epicentro do desastre na capital gaúcha, mais de cem famílias perderam tudo, e cerca de 25% delas ainda não conseguiram se reerguer totalmente. Na região, a água atingiu 2,5 metros de altura, deixando apenas os telhados à mostra.

— Ficamos meses debaixo d’água e ainda contamos com doações para nos reestruturarmos. Algumas famílias receberam o Auxílio Reconstrução, no valor de R$ 5,1 mil, mas não foi suficiente. É impossível esquecer o que ocorreu, e é triste saber que na próxima chuva forte pode acontecer tudo de novo, já que os bueiros seguem todos entupidos — lamenta Rogério.

No quilombo, há casos de famílias que demoraram 30 anos para construir suas casas, que acabaram sendo levadas pelas chuvas. Segundo Rogério, nenhuma delas conseguiu benefícios voltados à aquisição de imóveis, realidade esta que não se restringe à comunidade.

Dados divulgados pelo governo do Rio Grande do Sul apontam que, ainda hoje, 383 pessoas vivem em abrigos públicos em oito cidades. Já os Centros Humanitários de Acolhimento (CHAs), chamados popularmente de “cidades provisórias”, em Porto Alegre e em Canoas, abrigam 350 pessoas. Eles terão as atividades encerradas em maio. Os acolhidos serão realocados para moradias temporárias disponibilizadas pelo estado.

Subnotificação de desabrigados

Especialistas ressaltam, contudo, que o número de desabrigados é subnotificado, já que não houve uma busca ativa posterior por parte das prefeituras, a fim de localizar pessoas que haviam perdido suas casas e não estavam em abrigos.

Muitos desses abrigados e pessoas que se refugiaram em casas de familiares e amigos esperam por programas de habitação criados pelos governos federal e estadual, que, por sua vez, enfrentam um descompasso entre oferta e demanda.

De acordo com o professor de planejamento urbano Eber Marzulo, da UFRGS, o problema foi causado pela ausência de dados consolidados e atualizados acerca da situação das residências nas áreas atingidas. Isso, além de afetar a implementação dos projetos, deixou milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade prolongada. Em muitos casos, a ajuda sequer é acessada, especialmente por famílias fora do cadastro de assistência social, feito pelas prefeituras.

— Muitas pessoas foram morar com familiares e seguem sem casa, mas esse deslocamento não foi captado. Muitos não tiveram acesso aos recursos por não se enquadrarem nos critérios socioeconômicos dos programas, por falta de clareza sobre os critérios de seleção, ou por não terem ainda sido incluídos nas listas preparadas pelas prefeituras. Hoje nem temos um número certo de quantas pessoas seguem sem casa — explica Marzulo.

Falta de moradias

O Minha Casa, Minha Vida – Reconstrução, por exemplo, foi uma das principais iniciativas do governo federal. Até o momento, 10.601 unidades habitacionais foram entregues, contratadas ou estão com obras em andamento. A quantidade, contudo, não chega à metade das 24,8 mil unidades previstas inicialmente. Ao todo, foram destinados R$ 3,4 bilhões em créditos extraordinários para a realização do projeto em áreas urbanas e rurais. Em nota, o Ministério das Cidades informou que nos próximos dias lançará editais para a contratação de mais 4 mil unidades voltadas às famílias do programa.

Na esfera estadual, o governo de Eduardo Leite criou o programa A Casa é Sua – Calamidade. Inicialmente focado na disponibilização de casas temporárias, a iniciativa foi expandida para atender à demanda de construção de unidades habitacionais permanentes. Segundo a Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária (Sehab), há a projeção de construir 2.235 unidades habitacionais em 40 municípios, em diversas fases. Até o momento, apenas 422 casas estão sendo erguidas em 11 cidades. A pasta já investiu R$ 58,7 milhões no programa.

— Os programas implementados dependem muito de que as vítimas busquem as melhores soluções, tarefa essa que exige um entendimento sobre financiamento e setor imobiliário que não é acessível a todos os públicos. A primeira medida dos governos deveria ser localizar essas famílias necessitadas fora dos abrigos e ajudá-las no acesso aos programas — completa Marzulo.

O empresário Ivolar Correa, de 37 anos, ajudou a salvar centenas de vidas com botes salva-vidas durante as chuvas, e até hoje vê pessoas da região do Arquipélago de Porto Alegre tentando retornar à normalidade. Segundo ele, muitos aguardam indenização do estado para conseguir comprar suas residências em locais seguros.

— Com ajuda de amigos e empresas consegui recuperar os equipamentos da minha empresa de eventos e reorganizar minha casa em cerca de três meses, mas conheço gente que ainda aguarda indenização. É uma reconstrução diária e muitos ainda temem perder tudo novamente, pois não sabemos se as ações da prefeitura e do estado são eficientes — relata.

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