O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad: "Recuperei 600 milhões de reais desviados de administrações anteriores. Discutir ética me interessa" (Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 16 de setembro de 2016 às 06h00.
São Paulo — O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), tenta a reeleição no meio da maior turbulência pela qual seu partido já passou.
Enquanto concedia essa entrevista para EXAME.com, seu padrinho político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, era denunciado pelos procuradores da Operação Lava Jato. Treze dias antes, o impeachment de Dilma Rousseff colocava fim a 13 anos de governo do PT na esfera federal.
Haddad admite que a crise da legenda afeta sua campanha e pode impactar o resultado das eleições. Mas espera que o resultado de 2012, quando o placar virou às vésperas do pleito, se repita neste ano. Vale lembrar que, na últimas pesquisas do Datafolha e Ibope, ele está em quarto lugar, atrás de Celso Russomanno (PRB), Marta Suplicy (PMDB) e João Doria (PSDB).
O prefeito culpa a crise econômica e a falta de repasses federais pelo atraso em obras fundamentais na educação e em outros setores. No entanto, diz que a capital enfrenta bem a crise econômica. “Nós navegamos na maior turbulência da história da cidade e conseguimos chegar do outro lado com as coisas em ordem”, diz.
Veja trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.com:
EXAME.com: O Ministério Público apresentou a primeira denúncia contra o Lula na Lava Jato. Em que medida essa crise pela qual seu partido passa afeta sua campanha?
Fernando Haddad: Claro que acaba atrapalhando. Ainda não sabemos o quanto, mas tudo tem efeito na eleição. Eu não sou atacado na honra por nenhum dos meus adversários. E isso porque eu fiz um governo reconhecidamente probo e que combateu a corrupção como nenhum outro governo combateu. Recuperei 600 milhões de reais desviados de administrações anteriores -- que ou estão em caixa ou são bens bloqueados de servidores demitidos. Discutir ética me interessa.
A Controladoria Geral do Município era uma das grandes bandeiras da sua gestão, mas ela acabou sendo esvaziada por falta de verba.
Isso não é verdade. Nós criamos a controladoria, fizemos o primeiro concurso e chamamos um terço dos que passaram no exame. Foram 30 auditores. A estrutura da Controladoria está em ordem e tanto é verdade que, com essa estrutura, ela recuperou 600 milhões de reais. Me diz, no planeta, uma cidade que tenha recuperado tanto dinheiro em tão pouco tempo. É porque era um descalabro também do ponto de vista da corrupção. São Paulo era terra de ninguém.
Muito se dizia que, com a sua chegada à prefeitura, a interlocução com o governo federal seria facilitada porque era a mesma legenda. Agora com o governo de Michel Temer, que o seu partido considera ilegítimo, como o senhor imagina que será essa interlocução?
Olha, não é o meu partido que acha que o governo é ilegítimo. O Brasil acha isso. Se você fizer uma pesquisa, 70% ou 80% da população quer reeleger o presidente. As pesquisas é que estão dizendo que esse governo não é reconhecido como legítimo. Agora, o interesse de São Paulo vem na frente de todo e qualquer outro interesse para o prefeito. Você tem que interagir, independentemente de quem é o presidente.
O que eu quero dizer é que você não pode, em função de uma instabilidade, ficar refém desse quadro. Eu não fiquei. Quando eu tive que entrar com uma ação judicial contra o governo federal para fazer valer a lei que eu tinha aprovado de renegociação da dívida, eu entrei. Ganhei na Justiça o direito de reduzir a menos da metade a dívida da cidade. Então não adianta ficar olhando turbulências. Tem que fazer o seu trabalho.
Na última pesquisa Datafolha (de 9 de setembro), o senhor aparece atrás de Celso Russomanno (PRB), Marta Suplicy (PMDB) e João Doria (PSDB). Em julho, apenas 14% da população avaliava sua gestão como ótima ou boa. A que se deve essa baixa popularidade da sua gestão e da sua candidatura?
Olha, eu respeito pesquisa, acho legal fazer, mas a quatro dias do primeiro turno em 2012 eu estava em terceiro lugar com 19% e eu terminei a eleição com 29% dos votos. Eu sei que tem gente torcendo, mas vamos aguardar...
Por que o senhor acredita que deve ir para o segundo turno?
Conseguimos atravessar a pior crise política e econômica da história do país com muita eficiência, batendo recorde de investimento, reduzindo a dívida, abrindo canteiro de obra, valorizando o servidor. Compare com o que está acontecendo com o Brasil e com o estado de São Paulo, que está entrando em moratória porque não vai ter dinheiro para pagar a União.
Nós navegamos na maior turbulência da história da cidade e conseguimos chegar do outro lado com as coisas em ordem, as finanças resolvidas, os investimentos sendo feitos. Serviço público não tem limite para melhorar, sempre tem espaço para melhorar. Do que era, está melhor. Como diz o Mujica [ex-presidente do Uruguai], “falta muito, mas falta menos”.
Sua gestão conseguiu uma redução da dívida com o governo federal: de 74 bilhões de reais foi para 27,5 bilhões. Que efeitos isso já teve para aumento de investimentos na cidade?
Nós batemos recorde de investimentos, apesar da pior crise econômica da história da cidade. Isso, em parte, é fruto da renegociação. Em parte é renegociação de contratos privados também. A renegociação da dívida representa mais da metade dos ganhos que nós tivemos.
Eu fui o prefeito que mais abriu creches na história da cidade. Eu abri duas por semana. Um mandato tem 208 semanas, eu já abri 410 creches. Se eu continuar nesse ritmo, em dois anos a gente elimina um problema que era gravíssimo quatro anos atrás e não é mais.
Esse número que o senhor menciona inclui as creches conveniadas. No seu Plano de Metas foram prometidas as construções de 243 creches, mas somente 39 obras foram entregues. Por que essa meta não foi atingida?
Quando o governo federal parou de mandar dinheiro para São Paulo, eu não podia deixar a criança na rua, né. Então, comecei a alugar equipamentos. Sem o dinheiro federal para construir, eu posso alugar também. E os equipamentos alugados são muito bons.
O senhor vai continuar o sistema de parcerias?
Sim. Nós vamos continuar abrindo duas creches por semana, que é um recorde histórico da cidade.
E a fila seria zerada até quando?
Em dois anos.
A promessa era entregar 150 mil vagas. Segundo os últimos dados liberados pela secretaria municipal de educação (junho/2016), apenas 75 mil vagas foram criadas. Por que a prefeitura não atingiu essa meta?
150 mil era para toda a educação infantil. Das 150 mil, vamos bater 100 mil.
Por que 50 mil a menos?
Porque faltou repasse do governo federal e porque eu sou o prefeito que enfrentou uma recessão de 7% em dois anos, de queda do PIB. Por que o Rodoanel não está pronto até hoje quando foi prometido pelo Mário Covas? Faz 20 anos. Eu não acho que nada esteja atrasado que não possa ser justificado pela queda brusca de atividade econômica do país. Tudo que foi prometido está em andamento. Tudo, rigorosamente.
O plano de metas para seu mandato previa a construção de 3 hospitais. No entanto, apenas o hospital de Parelheiros está para ser entregue. Por que essas obras não foram concluídas?
O do Jabaquara já foi entregue.
Mas ele já tinha uma estrutura, que era do Hospital Santa Marina e não fazia parte do plano.
Que era privado e estava fechado havia 4 anos. Não posso ser condenado por ter tido a inteligência de desapropriar um hospital fechado ao invés de construir. Vai penalizar um gestor por ter sido esperto?
Por que os outros três que estavam previstos no plano de metas não foram entregues?
Um já foi entregue. Um já está quase pronto. E um atrasou um pouquinho por causa do metrô. O metrô requisitou a mesma área municipal onde ia ser feito o hospital, então nós tivemos que rever o projeto. Nós gastamos 8, 9 meses revendo o projeto. Mas o hospital da Brasilândia está lá sendo feito.
O de Parelheiros vai ser entregue até o final do mandato?
Eu não sei se consigo equipar até o final do ano. No começo de 2017 ele vai estar funcionando.
Havia uma promessa de entregar 150 km de corredores de ônibus. A Prefeitura construiu ou requalificou 42 km. Por que a meta não foi cumprida?
Acho que nós vamos chegar a 56 km. E tem mais de 60 km licitados, mas o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] deixou de passar recursos. Na falta de corredores, eu fiz faixas exclusivas. A diferença entre faixa exclusiva e corredor, do ponto de vista da mobilidade, é pequena. No corredor, a média de velocidade dos ônibus é 23 km/h. Na faixa exclusiva é 21 km/h. Por que o corredor é bacana? Por uma questão urbanística, não é por causa da mobilidade propriamente. O transporte é o que mais evoluiu na cidade de São Paulo nos últimos três anos.
O Tribunal de Contas do Município apontou e o Ministério Público entrou com uma ação contra a prefeitura por supostas irregularidades na questão das ciclovias. Houve falta de planejamento?
Nós estamos ganhando as ações, então a resposta é não. No último acórdão do tribunal, o juiz diz: "Houve planejamento". Se o juiz está dizendo... O Ministério Público tem todo o direito de entrar com a ação que ele quiser, mas nós estamos ganhando as ações. A OAB entrou contra a redução de velocidade, o MP entrou contra a ciclovia, nós tivemos dezenas de ações judiciais contra o plano de mobilidade. E, até aqui, ganhamos todas.
O senhor deu declarações de que vai corrigir distorções do serviço do Uber. Que distorções são essas e que correções serão feitas?
A aplicação do decreto que eu editei, que foi celebrado no mundo inteiro como o mais avançando de todas as grandes metrópoles, tem artigo do Banco Mundial dizendo “olhem para São Paulo”. Isso está público. Das universidades que discutiram, todas aprovaram a regulação de São Paulo. Qual o problema? O Uber tem uma liminar que precisa ser cassada para que a gente possa colocar todo o nosso plano de regulação em funcionamento.
O plano de regulação tem duas etapas: a primeira, é que o Uber pague impostos porque os taxistas pagam e não é justo eles terem um ônus que o Uber não tem. Isso já foi feito. O Uber está pagando outorga e ISS. O que falta fazer: regular o tamanho da frota, para que o Uber não faça um dumping que amanhã venha a representar um monopólio na cidade. Isso já aconteceu em outras cidades do mundo e nós não queremos, porque o consumidor vai ter um ganho de curto prazo, mas no longo prazo ele vai pagar a conta do monopólio. O Uber pode ser bom, mas o monopólio certamente não é. Nós precisamos encontrar um equilíbrio para impedir que o Uber se transforme pela força econômica que tem. Isso é o que precisa ser corrigido.