"A situação é muito preocupante", escrevia representante da ONU em junho do ano passado (MICHAEL DANTAS/AFP/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 11 de fevereiro de 2023 às 13h41.
Última atualização em 12 de fevereiro de 2023 às 09h34.
Seis meses antes da crise humanitária Yanomami ganhar repercussão internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) mandou um ofício para o governo de Jair Bolsonaro cobrando a retirada de garimpeiros do território indígena e uma “resposta à crítica situação da saúde e da subnutrição infantil”.
Conforme o GLOBO mostrou, denúncias enviadas à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) durante o último ano de mandato de Jair Bolsonaro revelam que a grave crise humanitária que assola os Povos Yanomamis era uma tragédia anunciada. O órgão recebeu 36 alertas sobre as más condições enfrentadas pela etnia entre abril e novembro do ano passado, equivalente a cinco por mês.
Em documento ao qual O GLOBO teve acesso, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos classificava, já naquela época, em 13 de julho de 2022, o caso dos indígenas de Roraima como uma “grave crise humanitária e de direitos humanos”.
O documento foi elaborado após a ONU enviar o alto comissariado Jan Jarab para colher relatos in loco de 22 a 26 de maio. Ao fim da missão, encaminhou um relatório à Defensoria Pública da União, que o remeteu à Funai, Ministério da Justiça e Segurança Pública e outros órgãos do governo.
O comissariado cobrou, no documento, que o governo brasileiro tomasse cinco medidas para conter a crise humanitária. Uma delas é que o governo fortalecesse “equipes interdisciplinares, formadas por médicos, nutricionistas, antropólogos e outros profissionais, como resposta à crítica situação da saúde e da subnutrição infantil”.
Na ocasião, a ONU também solicitou que fossem realizadas “ações de desintrusão dos garimpeiros ilegais da terra indígena Yanomami”, além investigações sobre os delitos cometidos por garimpeiros e possivelmente por empresas que se beneficiem do garimpo ilegal”. Também cobrou que fossem “realizados estudos urgentes sobre a presença de mercúrio nas pessoas e comunidades yanomamis expostas ao garimpo, bem como nas águas e peixes”. E que que fossem fortalecidas as bases de proteção, além do controle do comércio ilegal de ouro.
O comissariado reporta, no documento, ter presenciado na terra indígena casos de desnutrição infantil, que agora ganharam o mundo com a propagação de imagens de crianças visivelmente subnutridas. Ele também cita introdução do álcool e drogas, além de “abusos sexuais contra mulheres e meninas por garimpeiros".
“Dentre inúmeros relatos que tive a oportunidade de acompanhar sobre a situação dos povos indígenas Yanomami, a situação é muito preocupante. Envolve a massiva presença de garimpo ilegal em seu território – a presença que traz consigo a contaminação por mercúrio nas águas, aumento dos casos de malária e outras doenças contagiosas”, escreveu Jarab.
Na ocasião, o representante da ONU lembrou o ato de demarcação do território Yanomâmi em 1992. “Naquele período, houve uma forte atuação do Estado Brasileiro pela desintrusão de milhares de invasores e pelo fim do garimpo ilegal em terras indígenas Yanomami. O desafio atual é grande, mas também urgente. Faço um apelo às autoridades brasileiras para que repitam o fato histórico, possibilitando que os povos indígenas voltem a contar com a necessária proteção estatal”, disse.
Dois meses após a manifestação da ONU, o governo brasileiro não havia tomado qualquer providência, o que fez com que a DPU passasse a cobrar da Funai uma manifestação sobre quais medidas teria adotado para atender aos pedidos da ONU. no sentido de contribuir para o combate aos efeitos deletérios da invasão de garimpeiros à terra indígena Yanomami, com a apresentação dos documentos comprobatórios das referidas atuações. A Funai, por sua vez, não informou quais medidas tomou.
Em entrevista à BBC, Jarab se queixou de não ter os pedidos atendidos e disse que, apesar dos alertas, "as medidas tomadas foram claramente insuficientes". A atual gestão da Funai também reconhece que os alertas não foram atendidos. Questionada sobre a situação, a presidente da Funai, Joenia Wapichana, disse ao GLOBO, na última quinta-feira (9), que estava se deslocando até o território indígenas para “atender a esses alertas”.