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Rio Tietê expõe calamidade do saneamento — que pode estar prestes a mudar

Infraestrutura estatal atende só metade dos 200 milhões de brasileiros, enquanto tramite lei para gerar melhoras com concorrência e setor privado

Poluição no Rio Tietê (Bitenka/Thinkstock)

Poluição no Rio Tietê (Bitenka/Thinkstock)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 11 de dezembro de 2019 às 10h42.

Última atualização em 11 de dezembro de 2019 às 11h09.

A apenas 30 quilômetros do Itaim Bibi, coração financeiro e bairro chique de São Paulo, fica o rio mais poluído do Brasil.

A água do Tietê é cinza. Os peixes não sobrevivem. O cheiro é insuportável. No entanto, é a água que se vê da janela da cozinha da casa de Adriana Santos, 29 anos, seu marido e seus três filhos, e que é usada para tomar banho e cozinhar.

Eles estão entre as centenas de famílias que moram no Chácara Três Meninas, uma área de estradas de terra, casas mal conservadas, crianças doentes e infestações de tudo, de cobras a insetos e ratos - resultado de quase nenhum saneamento básico.

O Tietê e as favelas em suas margens são apenas um retrato do sistema de saneamento do país, considerado um dos piores do mundo. A infraestrutura estatal atende a apenas metade dos 200 milhões de brasileiros, após décadas de investimento insuficientes.

Cerca de 33 milhões de pessoas não têm acesso a água potável, o que prejudica a saúde do país e impede o desenvolvimento social e econômico.

Mas a situação pode estar prestes a mudar. O Congresso, com o apoio do governo Bolsonaro tenta alterar a legislação para privatizar o setor, uma medida que pode abrir US$ 200 bilhões em investimentos. Empresas como a Brookfield Asset Management Inc., China Communications Construction Co. e a Alberta Investment Management Corp. estão prontas para isso.

“São 6.000 piscinas olímpicas de esgoto bruto sendo colocadas nos rios por dia”, disse Teresa Vernaglia, CEO da BRK Ambiental, empresa de saneamento de propriedade majoritária da Brookfield. “Todo real investido em saneamento representa 4 reais em economia em saúde. É uma agenda ganha-ganha.”

O Problema

O saneamento é responsabilidade de duas dúzias de empresas estatais, que fazem a coleta e as obras de tratamento de esgoto de 2.245 das 5.570 cidades do país. Muitas dessas empresas têm orçamento limitado para investimento e suas pesadas folhas de pagamentos se traduzem em recursos escassos para universalizar o saneamento, e ainda, garantir manutenção do sistema existente.

O saneamento é uma atribuição das prefeituras e regulado por dezenas de agências diferentes e não em nível nacional centralizado. Isso desestimula os investidores privados que precisam de estruturas legais estáveis ​​para fazer o tipo de investimentos de longo prazo.

O investimento privado representou apenas US$ 500 milhões dos US$ 2,75 bilhões investidos em saneamento em 2018 e está em apenas 325 cidades. O baixo percentual de adesão do setor privado no saneamento ocorre fundamentalmente por insegurança jurídica.

“Investimos muito pouco e muito mal”, disse Diogo Mac Cord, secretário de Desenvolvimento e Infraestrutura do Ministério da Economia. “É impossível para o modelo estatal universalizar o esgoto e o tratamento de água no Brasil.”

A solução

A legislação que está sendo discutida pelo Congresso tem amplo apoio das equipes econômica e de infraestrutura do governo, que vêm trabalhando para reduzir o tamanho do estado. Com a maior economia da América Latina ainda emergindo lentamente da pior recessão de sua história, os investimentos privados são essenciais para recuperar o crescimento.

“Aprovar esta lei será muito importante porque impulsionará a atividade econômica e irá gerar muitos empregos. Existe demanda e espaço para investimentos relevantes no setor de saneamento”, diz o secretário de Fazenda de São Paulo e ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em entrevista.

Um dos principais avanços da lei é garantir maior concorrência. Os municípios passarão a estar obrigados a fazer licitações para contratar empresas de coleta e tratamento do esgoto. Atualmente, as empresas estatais detêm o monopólio efetivo dos contratos oferecidos pelos municípios.

O projeto também estabelece condições iguais para empresas públicas e privadas e um órgão regulador forte e centralizado, para evitar abusos relacionados à cobrança de impostos e ajudar a equilibrar os preços, evitando altos custos para as comunidades pobres.

Além de estimular as privatizações e parcerias público privadas, a nova lei deverá estabelecer metas para as empresas públicas, que se não forem cumpridas poderão levar à perda do direito de exploração.

A Oportunidade

Vários investidores estão de olho neste mercado, porque são projetos de infraestrutura que oferecem fluxos de receita constantes de clientes que pagam suas contas - exatamente como Adriana e sua família.

As empresas estatais que lidam com o saneamento, se privatizadas integralmente, podem valer cerca de US$ 35 bilhões, segundo estimativas do governo. Este valor varia se governos estaduais preferirem fazer parcerias público-privadas, concessões ou IPOs.

A Brookfield tem planos de expandir seus investimentos, seja por meio de aquisições ou concessões, disse David Aiken, diretor de Investimentos da empresa. Mesmo sem a legislação ainda aprovada, a BRK investirá cerca de R$ 1 bilhão por ano nos próximos 10 anos, afirmou Aiken.

“Em nenhum lugar do mundo desenvolvido você poderia comprar uma empresa de abastecimento de água e ter em qualquer lugar perto do potencial de crescimento que você tem no Brasil”, disse. “Se as pessoas estão procurando uma exposição de longo prazo protegida pela inflação no Brasil, essa é uma maneira fenomenal.”

AIMCO e GIC

Outras empresas estão fazendo o mesmo. A Alberta Investment Management comprou parte da Iguá Saneamento no ano passado de olho no mercado nacional. Em viagem ao Brasil em novembro passado para a Cúpula dos Brics, o presidente da China Communications Construction Co., Liu Qitao, anunciou interesse na despoluição das águas do Tietê, mas para isso quer garantia de estabilidade política. “A palavra chave é estabilidade política, porque só isso garante o retorno que a empresa espera ao fazer esse investimento.”

O fundo soberano de Cingapura, GIC, fez investimentos na Aegea, assim como a BRK Ambiental, uma das poucas empresas privadas que investem em saneamento no Brasil.

”A grande transformação para o capital privado é ter metas”, diz o CFO da Aegea Saneamento, Flavio Crivellari. Ele prevê um boom de investimentos neste setor nos próximos cinco anos. “Investir em saneamento é rápido, barato, rentável e estável.”

A Casa de Adriana

De volta à Chácara Três Meninas, os moradores encontram maneiras de contornar suas dificuldades de saneamento.

Ademir de Oliveira, 65 anos, 24 deles morando na comunidade, é dono de uma mercearia local. Ele construiu o encanamento de sua casa e de sua loja com a ajuda dos vizinhos. Joana dos Santos, aposentada de 74 anos, toma banho o mais cedo possível todos os dias porque a água escassa se esgota.

Na casa de Adriana, o sistema de esgoto alimenta diretamente o rio. Há três canos na casa: um conecta a pia da cozinha ao Tietê; outro, o chuveiro; e o terceiro joga todos os resíduos do banheiro no rio sem nenhum tratamento.

A esperança é que os investimentos privados resolvam situações como a de Adriana e tenham repercussões sociais de longo alcance para alguns dos mais pobres do Brasil.

Estudos vincularam a epidemia do vírus Zika ao mau saneamento. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a melhora no saneamento poderia evitar 6.000 mortes de crianças a cada ano no Brasil.

“O tamanho da oportunidade que temos diante de nós é incrível”, disse Vernaglia. “As empresas estatais estão tendo dificuldades financeiras para atingir o nível de investimento necessário em um país tão considerável quanto o Brasil.”

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