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Governo Temer fica no cerco das delações

Uma dúvida paira na cabeça dos investigados: e se alguém falar? Com três anos de Lava-Jato, qualquer detalhe do esquema de corrupção é valiosíssimo

Janot: Uma delação de Eduardo Cunha pode dar a prova que colocaria o governo Temer em situação gravíssima (Adriano Machado/Reuters)

Janot: Uma delação de Eduardo Cunha pode dar a prova que colocaria o governo Temer em situação gravíssima (Adriano Machado/Reuters)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 6 de julho de 2017 às 13h19.

Última atualização em 6 de julho de 2017 às 16h52.

Com a prisão do ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) na segunda-feira, mais um dos grandes aliados do presidente Michel Temer caiu nas teias das autoridades. Geddel é mais um nome no rol de pessoas próximas ao presidente que estão presas.

A lista é composta por Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ex-ministro do Turismo, o ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o operador de propinas Lúcio Funaro e o ex-deputado e ex-assessor especial do presidente, Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR).

Há uma dúvida que paira na cabeça de todos os investigados: e se alguém falar? Com três anos de Operação Lava-Jato e quase 160 delatores na praça, qualquer detalhe que arredonde a narrativa do funcionamento do esquema de corrupção do grupo peemedebista é valiosíssimo.

O momento se impõe: a PGR quer arrematar os últimos detalhes de, ao menos, outras duas denúncias contra o presidente Michel Temer.

“Todos estão sendo pressionados ao mesmo tempo para delatar. O MPF tem meia dúzia de presos que podem entregar a história”, diz advogado e professor de Direito Penal da USP Gustavo Badaró. “A ideia do procurador-geral é fechar o cerco muito rápido, para pegar o presidente a tempo. Ele quer uma boa informação, com prova concreta. Quem der primeiro, leva”.

O quarteto Temer, Geddel, Alves e Cunha davam as cartas na Câmara dos Deputados. De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), essas cartas eram marcadas: em troca de contratos com o poder público, a equipe ao lado dos investigados — contudo, soltos — o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS), e o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco (PMDB-RJ), passavam o chapéu da propina. Os inquéritos estão abertos para apurar as condutas.

O noticiário dá conta de que o operador Lúcio Funaro é o mais propenso a fechar uma delação premiada. Pela narrativa de Joesley Batista, o silêncio era condicionado a um recebimento mensal de valores, cuja fonte secou. Os rumores sobre sua confissão rondam Brasília desde o início do ano, mas, há um mês, o operador contratou um dos advogados referência em delação premiada, Antônio Figueiredo Basto. Foi ele quem costurou o acordo do doleiro Alberto Youssef com as autoridades, o primeiro delator oficial da Lava-Jato, e tantos outros, como Ricardo Pessoa, Pedro Barusco, Julio Camargo e mais uma dezena de figurões.

Dois passos foram fundamentais para ligar o alerta vermelho na cúpula peemedebista: Funaro confirmou recentemente os depoimentos de executivos da Odebrecht, colaborações homologadas e que acusam Temer e Cunha de participar do pedido de propina em forma de doações de 40 milhões de reais da empreiteira na campanha de 2010, além do episódio decisivo para a prisão de Geddel: o operador entregou à Polícia Federal provas de que o ex-ministro de Temer teria ligado sucessivas vezes para sua esposa, Raquel, para sondar a disposição em delatar. Tudo aconteceu logo depois que a ida de Joesley Batista ao Ministério Público Federal foi revelada pelo jornal O Globo.

Se há uma corrida, Lúcio Funaro saiu na frente. Seu trajeto, contudo, parece ser maior. Ele é o mais distante na escala de importância e sua principal ligação é com Eduardo Cunha, cujas provas são abundantes. Funaro teria que provar que é operador não só de Cunha, mas de todo o esquema do PMDB. Ao entregar Geddel, deu pistas de que tem cartas na manga. Mas o horizonte de delação de Funaro pode afundar em especial o ex-presidente da Câmara, que está sozinho imerso em provas que o incriminam e já condenado a 15 anos e quatro meses de prisão em apenas um dos diversos inquéritos que responde. Para evitar problemas entre si, a maior chance é que Cunha e ele façam acordos casados.

“Com o tempo e profundidade das investigações, o poder de barganha do delator diminui. Ainda no caso de um cidadão que foi preso, porque existem indícios de autoria e prova de materialidade de crime, os benefícios são ainda menores”, afirma o procurador da República e especialista em delações premiadas Rodrigo De Grandis. “O MPF foi criticado por dar perdão judicial ao Joesley, mas foi ele quem procurou as autoridades, com fatos novos e graves para apresentar, inclusive uma conversa com o presidente da República. É incomparável em relação a este grupo”

Na tarde desta quarta-feira, segundo o site BuzzFeed, a dupla Funaro-Cunha já fechou um roteiro de colaboração com o MPF, incluídos aí os crimes a serem relatados e nomes envolvidos, e começará em breve a fase de depoimentos às autoridades. Ainda segundo a reportagem, ambos devem confirmar que continuaram a receber vantagens indevidas dos esquemas de corrupção quando já estavam presos, corroborando com a narrativa de Joesley Batista que embasa a denúncia contra o presidente Michel Temer.

A homologação estaria prevista para o início de agosto, possibilitando que o procurador-geral Rodrigo Janot inclua na segunda denúncia contra Temer os fatos narrados, tornando-a possivelmente fatal para o presidente. Nesta quinta, a colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo, acrescentou ainda a informação que o roteiro de Cunha passa de 100 anexos, com provas sólidas para corroborar os crimes relatados. O governo Dilma Rousseff mostrou como o Congresso pode virar rapidamente as costas a um presidente da República.

O certo também se fecha do lado de Henrique Eduardo Alves. O dono da Pratika Locações, empresa apontada como polo de lavagem de dinheiro de doações eleitorais da campanha do ex-ministro do Turismo ao Governo do Rio Grande do Norte, firmou um acordo de delação premiada anunciado ontem. Fred Queiroz é também ex-secretário de Obras de Natal e havia sido preso junto com o peemedebista na Operação Manus, em junho, que apura propinas de Andrade Gutierrez, Carioca Engenharia, OAS e Odebrecht em troca de vantagens com o governo federal.

Geddel, o último a chegar ao cárcere, é um dos mais próximos de Temer. O episódio com Funaro, segundo a PGR, é prova de que o ex-ministro é um “criminoso em série”

e personagem central de um “quadro perturbador de corrupção sistêmica”. O peemedebista sabia que sua hora estava chegando. A coluna Radar, da revista VEJA, trouxe a alguma semanas a informação de que Geddel estava deprimido, abusando da bebida e com medo de ser preso. Interlocutores confirmam essa tese, dizendo que trata-se de alguém com personalidade explosiva. Em uma conjunção de fatores como esta, trata-se de uma bomba-relógio que preocupa o Planalto.

Rocha Loures

Há uma outra possibilidade de uma delação explosiva: Rodrigo Rocha Loures, o homem da mala. O ex-deputado federal e ex-assessor especial de Temer foi flagrado pela Polícia Federal recebendo 500.000 reais em propinas de Ricardo Saud, da J&F, em troca de auxílio à empresa no Cade. O governo espera que ele fique em silêncio em respeito ao chefe, mas, pelos argumentos da defesa do presidente, Rocha Loures foi jogado aos leões da PGR. Temer bate na tecla de que a gravação de Joesley Batista é prova ilegal e que o dinheiro recebido pelo ex-deputado não o tinha como receptor final. Rocha Loures terá que explicar sozinho o que estava fazendo com a mala de dinheiro. O abandono pode gerar represálias.

Enquanto a PGR fecha o cerco e espera o voluntarioso confidente, o governo tenta reagir com sua maioria no Congresso. Os planos de Temer para arquivar o quanto antes a denúncia de Janot, contudo, vem fracassando. Na tarde de quarta-feira foi definido o rito da matéria na Comissão de Constituição e Justiça. O acordo determina que cada membro titular e suplente da CCJ poderá falar por até 15 minutos e 20 não-membros à favor e 20 contra terão até 10 minutos, por ordem de inscrição. Contabilizando uma agenda cheia, são mais de 40 horas de discussão, divisíveis em sessões. Tempo suficiente para Janot manter os trabalhos, correndo o risco de a votação em Plenário acontecer só depois do recesso parlamentar, marcado para 18 de julho.

“As ações planejadas pela PGR e juízes de Brasília só irritam mais o Parlamento”, diz o deputado federal e aliado de Temer Darcísio Perondi (PMDB-RS). “O núcleo de flecheiros e justiceiros só aumenta a reação”. A cada instante a temperatura em Brasília aumenta. Mas é como disse Janot: “enquanto houver bambu, lá vai flecha”.

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