Michel Temer: presidente coloca em prática plano para permanecer na presidência (Ueslei Marcelino/Reuters)
Gian Kojikovski
Publicado em 20 de maio de 2017 às 17h46.
Brasília -- A crise causada pela delação dos executivos do Grupo J&F ainda está em evolução, mas o governo de Michel Temer já definiu sua estratégia para tentar se manter no posto. Os próximos passos consistem em atacar o inquérito contra o presidente, que é investigado pelo Supremo Tribunal Federal, e juntar os cacos da base aliada para tentar transparecer normalidade no Congresso. Nenhuma das duas opções, claro, será de fácil execução, mas Temer está decidido a permanecer na presidência.
No pronunciamento que fez às 14h50 deste sábado (20)--seu segundo desde que as denúncias surgiram--, o presidente afirmou que pedirá ao Supremo que suspenda o inquérito aberto contra ele por corrupção, obstrução de justiça e formação de organização criminosa. A ideia é que isso reduziria o peso político e facilitaria o trabalho no Congresso. “Estamos entrando com petição no Supremo Tribunal Federal para suspender o inquérito contra mim proposto até que seja verificada a autenticidade desse áudio”, disse Temer no pronunciamento.
Não faltam frentes para ataque às gravações de Joesley Batista, presidente do grupo que reúne JBS, Eldorado Celulose, banco Original, Alpargatas, entre outras empresas. A primeira delas, que surgiu logo que ela se tornou pública, foi a ideia de desqualificar o conteúdo. “Essa gravação clandestina foi manipulada e adulterada com objetivos nitidamente subterrâneos e, incluída no inquérito sem a devida e adequada averiguação, levou muitas pessoas ao engano induzido e trouxe grave crise ao Brasil”, disse Temer.
Seguindo a tática traçada logo após o pronunciamento, o amigo do presidente e advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira peticionou ao Supremo que o ministro Edson Fachin escolha um perito de confiança para que analise os áudios. Em análises preliminares de peritos chamados pelos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, os resultados apontaram que houve edições, mas não nos momentos cruciais, quando Temer conversa sobre o pagamento para silenciar o ex-deputado Eduardo Cunha e sobre a compra, por parte de Joesley, de procuradores e juízes que trabalhavam em processos que o investigam.
De acordo com a rádio CBN, que era ouvida por Joesley no carro na entrada e na saída da conversa com o presidente, os programas que estavam no ar correspondem exatamente ao intervalo de 38 minutos do áudio, o que indicaria que não há edições que tenham cortado seu tamanho.
“Isso é muito forte. Há cortes nos áudios, apontados por mais de um perito nos jornais. A procuradoria havia atestado a veracidade em um laudo que não é técnico e foi assinado por um analista financeiro e um técnico sem especificação”, disse a EXAME o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos principais aliados de Temer, que estava no Planalto durante a fala do presidente. “O que está acontecendo é uma conspiração”, afirma, repetindo outro discurso que ecoa no governo.
Ainda na tentativa de atacar e desqualificar os áudios, o presidente disse que Joesley é um “conhecido falastrão exagerado” e que não acreditou no que foi dito durante a conversa entre ambos. O governo vai insistir na tese, mas tanto aliados como opositores concordam que esse é um dos pontos frágeis do discurso. A atitude correta a ser tomada, dizem juristas, teria sido interromper a conversa e informar o Ministério Público sobre os fatos. Temer não o fez. Se os áudios não são conclusivos, como insiste o governo, as respostas dadas até aqui também não.
Do ponto de vista político, enquanto o Supremo não define sobre a suspensão do inquérito, a cúpula do governo deve continuar insistindo em remontar sua base de parlamentares apoiadores. “Vamos continuar trabalhando no final de semana e na segunda-feira para que, na terça, quando os trabalhos forem retomados no Congresso, os partidos estejam reagrupados novamente”, diz Perondi.
O esforço vai para um lado, mas, até aqui, a maré segue para outro. O empenho que evitou a debandada em massa já na quinta-feira segue sendo necessário. Se, na manhã de sexta, parecia que as coisas estavam tranquilas, a divulgação dos vídeos dos depoimentos dos executivos do J&F tornou o cenário turvo novamente. Na quinta, PPS, com 12 deputados e um senador, e PTN, com 13 deputados e, em breve, dois senadores (Álvaro Dias, atualmente do PV, e Romário, do PSB, devem ir para o partido no próximo mês) anunciaram sua saída da base. O governo diz que ambos se comprometeram a continuar favoráveis às reformas, mas as legendas já estavam divididas quanto ao assunto antes mesmo das denúncias contra o presidente.
Na tarde de sábado, o PSB, sexta maior bancada da Câmara, com 35 deputados e sete senadores (seis após a saída de Romário), que também fazia parte da base aliada, anunciou que vai pedir a renúncia de Temer “o mais rápido possível”. Foi o maior baque, em termos de tamanho de bancada, que os aliados do governo tiveram até aqui. O ministro do partido, Fernando Bezerra Filho, de Minas e Energia, ainda não decidiu se vai entregar o cargo. Além das três siglas, ainda existem dissidentes do PHS, PSD, PROS, PP, PV, PTB, Solidariedade e até do PMDB. A maioria dos partidos deve se reunir no início da semana para decidir o futuro.
Se perder algumas dessas legendas, o governo deve sangrar, mas ainda não estará ferido de morte. O golpe de misericórdia, dizem articulistas, viria caso o PSDB, principal aliado de Temer desde o início, decida debandar. “Toda a força do Temer se concentra no Congresso Nacional, pois tem baixa popularidade junto à população. Se ele perder apoio do Congresso, perde sua base de sustentação e a capacidade de se manter no poder”, diz Juliano Griebeler, diretor de relações governamentais da consultoria Barral M Jorge.
O ministro Bruno Araújo (PE), de Cidades, chegou a avisar aliados que entregaria o cargo na quinta, mas foi aconselhado pela cúpula do partido a permanecer até que o partido tomasse uma posição oficial. Caso os tucanos, com 47 deputados e 11 senadores, façam sua revoada, o efeito cascata tende a ser irrecuperável. Na esteira, o Democratas, com 29 parlamentares na Câmara e quatro no Senado, pode anunciar sua saída.
“Temer ficou refém dos fatos e assim não consegue caminhar na agenda reformista. O compromisso do partido tem que ser com as reformas, não com o governo”, diz um deputado do partido, que defende a saída da base. “O governo vai cair, a agenda tem que ficar.” A reunião para a decisão do do futuro da sigla está marcada para terça-feira.
O líder da bancada do PSDB na Câmara, deputado Ricardo Tripoli (SP), diz que é preciso tempo para que se compreenda o que está acontecendo. “É necessário que se tenha um período para o presidente se explicar”, diz. Perguntado sobre quanto tempo, visto que o país está em uma crise institucional grave, responde que “não muito”. “Não é coisa de meses, mas é preciso ter prudência”, ressalta, apontando que novos direcionamentos somente após a reunião de terça.
Um grupo de 12 deputados da sigla, liderados por João Gualberto (PSDB-BA), vai pedir a saída do partido da base já na reunião. "Vamos pressionar, claro. Não tem como ficar neste governo. Qual é a diferença para o PT?", questionou Gualberto, em entrevista ao Estado de S. Paulo. Outro deputado tucano disse a EXAME que acredita que o posicionamento deve ser majoritário, pelo menos na bancada da Câmara.
O governo tenta pressionar, minimizando os dissidentes e dizendo que ainda é cedo para que o PSDB saia. “Claro que, diante da situação, existem dois ou três deputados que querem sair, mas o partido está firme conosco. Esses dissidentes são, principalmente, os novos, que não tem a consciência da gravidade econômica do país”, diz o deputado Perondi. “Perondi minimiza quem quer sair porque fala pelo governo. Políticos novos são menos apegados a cargos do que eles”, diz um tucano. O governo definiu suas táticas para a batalha, mas a guerra, como visto, está longe de estar definida. A semana vai começar imprevisível em Brasília.