Estátua da Justiça em frente ao STF, em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 8 de dezembro de 2022 às 09h47.
Cercado de expectativas por parte do Congresso e do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade do orçamento secreto foi interrompido ontem e só deve ser retomado na quarta-feira da semana que vem.
Com isso, parlamentares ganharam mais tempo para tentar uma saída que não represente o fim das chamadas emendas de relator, base do mecanismo pelo qual deputados e senadores indicam recursos para seus redutos eleitorais sem serem identificados.
Na Corte, porém, ministros resistem às duas propostas apresentadas até agora pelo Legislativo para resolver a falta de transparência das indicações e de critérios técnicos para a distribuição dos recursos. Integrantes do STF avaliam que as soluções acenadas pelo Congresso não atacam o que consideram ser o principal problema: a falta de critérios objetivos para enviar dinheiro público a prefeituras.
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Em manifestações encaminhadas ontem ao Supremo, a Câmara e o Senado defenderam a legalidade das emendas de relator e disseram que adotaram “sucessivas medidas para ampliar a publicidade, a transparência e os mecanismos de controle institucional e social na indicação das emendas de relator-geral”.
Na prática, porém, o sistema criado pelo Congresso como resposta à determinação da Corte de identificar parlamentares permite manter os autores das indicações oculto. Os pedidos para a destinação de dinheiro público a uma obra ou serviço podem ser inseridos como feitos por um “usuário externo” — geralmente atribuído a um prefeito ou um assessor —, o que acaba por camuflar o real patrocinador da destinação do recurso. Como mostrou ontem O GLOBO, pelo menos um terço dos valores pagos neste ano continuam com a omissão do parlamentar responsável por patrocinar o envio do dinheiro.
Diante da sinalização do Supremo de que vai considerar o sistema insuficiente, a cúpula do Congresso passou a discutir uma nova fórmula de distribuição dos recursos, previstos em R$ 19 bilhões no ano que vem, levando em consideração o tamanho da bancada de cada partido. Atualmente, esses valores são direcionados para deputados e senadores do “alto clero” — os presidentes das Casas e líderes de partidos maiores —, por critérios políticos e de forma desigual.
Ministros do STF ouvidos pelo GLOBO, contudo, afirmam que esse critério matemático para a distribuição das emendas de relator não resolve um dos principais problemas do orçamento secreto, que é a concentração de recursos em pequenos municípios, em geral redutos eleitorais de caciques dos partidos do Centrão, grupo político que há anos dá as cartas no Congresso.
O diagnóstico de líderes do Centrão, por sua vez, é que, mesmo que o Supremo proíba as emendas de relator, haverá alguma forma de manter as indicações sob controle do Congresso. Na véspera do julgamento, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se reuniu com líderes de bancadas para discutir saídas que pudessem evitar que os parlamentares percam o controle sobre essa fatia dos recursos federais no ano que vem.
No encontro, segundo deputados presentes, foram debatidas algumas alternativas. A primeira delas seria inserir uma previsão na PEC da Transição que “constitucionalizasse” o mecanismo. O relator da proposta no Senado, Alexandre Silveira (PSD-MG), chegou a incluir em seu relatório, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma referência às emendas, identificadas pelo código RP-9, mas que foi considerada insuficiente pelo grupo.
Pelo texto, as emendas de relator serão usadas para que a equipe do futuro governo de Lula possa dizer como pretende gastar parte dos recursos previstos para o ano que vem.
— A PEC já traz a previsão de orçamento secreto, mas é o orçamento secreto do PT. Traz a previsão de que a equipe de transição possa indicar emenda de relator. Isso não é RP9? Não é orçamento secreto? — questionou o deputado Cláudio Cajado (PP-BA).
Presidente do partido de Lira, Cajado disse que irá brigar para retirar essa previsão quando o texto passar pela Câmara. Ele criticou o fato de que não foi imposto um limite para esse tipo de emenda.
O julgamento de ontem foi iniciado com a leitura do relatório da ministra Rosa Weber, e contou com oito sustentações orais, além do pronunciamento da Procuradoria-Geral da República (PGR). As ações que estão sendo analisadas foram propostas em 2021 por partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro (PL): Cidadania, Rede, PV e PSOL.
Ao falar em nome do governo Bolsonaro, a Advocacia-Geral da União (AGU) saiu em defesa das emendas de relator e disse que as formas adotadas pelo Congresso para dar publicidade aos autores de indicações do orçamento secreto estão em “constante aperfeiçoamento”.
— É muito importante registrar que casos de malversação de recursos públicos devem ser fiscalizados e punidos — afirmou o advogado-geral da União, Bruno Bianco.
Já os advogados dos partidos autores das ações repetiram os argumentos contrários à emenda de relator, e reafirmaram que a medida é inconstitucional por ferir princípios como transparência e publicidade. Para Daniel Maimoni, que representou o PSOL, o mecanismo criado no governo Bolsonaro gerou um “orçamento paralelo”, que frustra “anseios da população, pela interrupção de obras e serviços”:
— Esse dinheiro é do povo brasileiro, e deve ser usado da forma mais constitucional e clara possível.
Os atritos entre Judiciário e Legislativo
Falta de transparência e de impessoalidade
Instrumento criado a partir de 2020, o orçamento secreto permite que a cúpula do Congresso e o governo manejem a destinação de bilhões em recursos federais sem que os parlamentares autores das indicações sejam conhecidos e sem que seja necessário dividir igualmente a verba. Assim, é possível privilegiar aliados ou barganhar liberação de recursos em troca de votos. Partidos políticos recorreram ao STF contra o mecanismo.
Divergências entre o Congresso e o Supremo
O STF suspendeu, em 2021, o pagamento das emendas. Em resposta, o Congresso prometeu abrir a autoria de todas as emendas em 2022, o que não ocorreu em ao menos 30% dos casos, como O GLOBO mostrou. Agora, o Congresso acena com nova regra, prometendo dividir os recursos seguindo a proporção das bancadas, para resolver a falta de impessoalidade na distribuição. Ao menos uma ala dos ministros do STF considera a medida insuficiente.
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