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STF encerra mais uma fase da trama golpista e deve analisar ação contra Bolsonaro daqui a um mês

Ministros avaliam que agravamento da crise após as determinações do presidente dos EUA não terá interferência no julgamento

Agência o Globo
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Publicado em 1 de agosto de 2025 às 07h24.

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Com a apresentação das alegações finais do tenente-coronel Mauro Cid e o final da fase de interrogatórios de mais uma leva de réus da trama golpista, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu novos passos na tentativa de terminar até o fim do ano o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos demais alvos do processo que apura a tentativa de golpe em 2022.

A meta na Corte é que até o final do ano seja concluída pelo menos a maior parte das análises envolvendo os cinco núcleos que englobam os 33 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Isso porque, além do chamado "núcleo crucial" da trama golpista estar praticamente na fase final de instrução, os demais núcleos também avançaram e estão prestes a entrar em alegações finais. Os ministros abrem nesta sexta-feira o ano Judiciário, em uma sessão que será marcada por declarações em defesa da Corte e do ministro Alexandre de Moraes, alvo de sanções financeiras impostas pelo governo dos Estados Unidos.

Ministros do STF e integrantes da Procuradoria-Geral da República (PGR) consultados reservadamente pelo GLOBO avaliam que o julgamento da ação penal do "núcleo crucial" da tentativa de golpe deve ocorrer entre no início de setembro, caso não haja intercorrências. Os magistrados ressaltam que o agravamento da crise após as determinações do presidente dos EUA, Donald Trump, não terá interferência no julgamento. Há a possibilidade de o tema ser pincelado nos votos, destacando a defesa da soberania. A atuação de Bolsonaro e do filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP) junto aos EUA para pressionar o Judiciário está sendo investigada em outro caso em andamento na Corte.

A temática da soberania já foi abordada em votos dos ministros da Primeira Turma no julgamento das cautelares de Bolsonaro. Foi o caso do ministro Flávio Dino, para quem o ex-presidente teria articulado com autoridades dos Estados Unidos para impor sanções econômicas ao Brasil, com o objetivo de interferir nas investigações conduzidas pelo STF.

“A coação assume uma forma inédita: o ‘sequestro’ da economia de uma Nação, ameaçando empresas e empregos, visando exigir que o Supremo Tribunal Federal pague o ‘resgate’, arquivando um processo judicial”, escreveu o ministro. Dino ainda classificou o episódio como um caso “absolutamente esdrúxulo”, que deve ser objeto de estudos acadêmicos, inclusive em universidades norte-americanas.

Ainda de acordo com Dino, "é explícito que se cuida de intolerável estratégia de retaliação política, que afronta a soberania nacional ao constranger as instituições públicas brasileiras – incluindo este Supremo Tribunal –, a fim de que suas decisões sejam subalternas à vontade pessoal de líder político de Estado estrangeiro".

Na introdução do voto de cinco páginas depositado no plenário virtual, Fux frisou a "importância da soberania nacional" e ressaltou que o Supremo tem "demonstrado de forma inequívoca a sua independência e a sua impermeabilidade às pressões dos setores que manifestam desagrado com as suas decisões.

“Os juízes devem obediência unicamente à Constituição e às leis de seu país. No exercício de seu mister, devem arbitrar conflitos tanto quanto possível em prol de sua pacificação, calcados nos consensos morais mínimos de uma sociedade plural e complexa. Na seara política, contextos e pessoas são transitórios. Na seara jurídica, os fundamentos da República Federativa do Brasil e suas normas constitucionais devem ser permanentes”, escreveu o ministro.

Fase de alegações finais e andamento do julgamento

A análise do mérito da ação penal que tem Bolsonaro entre os réus ocorrerá na Primeira Turma da Corte, e somente será marcada quando Moraes, que é o relator do caso, pedir a inclusão na pauta de julgamentos ao presidente do colegiado, ministro Cristiano Zanin. Caberá a ele a definição da data, assim como a opção por sessões extraordinárias, levando em consideração os demais processos que tramitam na Turma.

O julgamento é apontado como um dos mais relevantes do segundo semestre e pode não ser concluído em uma única sessão, dada a complexidade das questões jurídicas envolvidas.

As etapas anteriores do processo já anteciparam nuances do debate que podem ocorrer durante a análise de mérito. Desde o julgamento do recebimento da denúncia da trama golpista, o ministro Luiz Fux vem fazendo observações em relação à acusação apresentada pela PGR. Na ocasião, Fux chegou a divergir com relação à competência da Primeira Turma para a análise do caso, firmando o seu posicionamento pessoal de que o foro adequado seria o plenário da Corte.

Mais recentemente, coube ao ministro divergir de Moraes sobre as restrições impostas a Bolsonaro — como o uso de tornozeleira eletrônica — após pedido da Polícia Federal, rompendo com a maioria de quatro votos que já havia se formado. As medidas foram confirmadas pela Primeira Turma por 4 votos a 1.

Testemunhos e revelações durante os interrogatórios dos réus

Com a conclusão da fase de interrogatórios dos réus que integram outros núcleos, como militares e ex-assessores de Bolsonaro, Moraes deve abrir em breve o prazo para que as alegações finais sejam apresentadas. Primeiro, com as considerações da PGR. Na sequência, será a vez dos acusados.

Ao longo dos interrogatórios dos demais núcleos, admissões e confissões foram feitos por parte dos militares ouvidos. É o caso do general da reserva Mário Fernandes, que admitiu, na última quinta-feira, ser o autor do documento que ficou conhecido como “Plano Punhal Verde e Amarelo” — texto que, segundo a Polícia Federal, traçava cenários para o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal da trama golpista.

— Esse arquivo digital, que retrata um pensamento meu que foi digitalizado, é um estudo de situação. Uma análise de riscos que fiz e, por costume próprio, resolvi digitalizar. Esse pensamento digitalizado não foi compartilhado com ninguém — afirmou o general.

Ao longo do depoimento, Fernandes tentou afastar a ideia de que o plano tivesse objetivo prático. Disse que o material foi impresso apenas para leitura pessoal e que logo em seguida o rasgou.

— Imprimi por um costume pessoal de evitar ler documentos na tela. Imprimi para mim. Logo depois, rasguei — disse.

A avaliação nos bastidores é que as falas de militares admitindo a existência de um plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocam o processo em um grau avançado de robustez, tendo em vista que os próprios réus admitem a existência dos fatos apurados.

Na segunda-feira, quando os interrogatórios do "núcleo 3" ocorreram, mais uma fala deu conta da existência de um plano para a prisão de ministros do STF. O tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, também réu, admitiu ter arquitetado a prisão de ministros do Supremo quando estava na Divisão de Inteligência do Exército.

Pauta cheia e novos processos no STF

A presença dos casos da trama golpista na Primeira Turma e a atual composição do colegiado fazem com que, atualmente, os principais casos criminais estejam no órgão — papel que até então cabia à Segunda Turma, onde a Lava-Jato foi e ainda é julgada. Isto porque, além de Moraes, o grupo conta com Flávio Dino e Zanin, ministros à frente de investigações sobre emendas e vendas de sentenças.

Além das ações penais da trama golpista, há outros processos na fila dos ministros. O caso mais adiantado é o dos oficiais da PM-DF. O julgamento está agendado para ocorrer no plenário virtual entre os dias 8 e 18 de agosto e é visto internamente como um primeiro teste da Corte em relação às responsabilidades institucionais pelas falhas na segurança durante os atos golpistas.

Na sequência, a tendência é que o processo envolvendo os mandantes do assassinato de Marielle Franco — crime que completou seis anos sem solução definitiva — seja liberado para análise. A ação deve entrar na pauta ainda em agosto, com expectativa de julgamento no início de setembro, a depender da conclusão do voto do relator, ministro Alexandre de Moraes. São réus o ex-deputado federal Chiquinho Brazão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE) Domingos Brazão e o ex-chefe da Polícia Civil Rivaldo Barbosa, além de mais duas pessoas. Eles negaram as acusações e pediram para serem absolvidos.

Já outro processo que pode chegar à turma ainda neste ano envolve suspeitas de desvios em emendas parlamentares. São réus os deputados federais Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e o suplente Bosco Costa (PL-SE), acusados de integrar um esquema de desvio de verbas públicas. As defesas negam qualquer irregularidade. O caso, no entanto, ainda está em fase de instrução, com depoimentos de testemunhas em andamento.

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