Lula: governo atual enfrenta muitos desafios em diversos setores (Ricardo Stuckert / PR/Flickr)
Colunista
Publicado em 26 de dezembro de 2023 às 12h32.
Última atualização em 26 de dezembro de 2023 às 17h27.
Ainda durante as eleições de 2022, escrevi alguns artigos sobre a percepção estrangeira em caso de vitória do presidente Lula. Havia acabado de voltar de uma rodada de conversas com investidores internacionais. Era uma fotografia do momento, mas que capturou bem a sensação térmica que permeou a relação entre governo e investidores estrangeiros no primeiro ano de mandato. Um otimismo moderado e uma certeza de que o figurino institucional do país seguraria ímpetos mais à esquerda, um temor do mercado financeiro. Ainda assim, havia receio sobre retrocessos recém-aprovados pelo Congresso, pouco apego ao fiscal e intervencionismo excessivo.
Não existe um caso de amor entre o governo Lula e o mercado, mas a realidade acabou sendo melhor do que a expectativa, principalmente em relação ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Isso refletiu na bolsa brasileiro e no câmbio.
Investidores internacionais são frios e não ancoram suas decisões apenas em gostar ou não de um político. O fator primordial é olhar se o país está barato e se há um spread entre expectativa e realidade. A percepção em janeiro era de que o Brasil estava barato. Agora, em dezembro, é quase consenso entre os investidores de que a realidade acabou sendo melhor do que a expectativa. Mesmo com o governo, em muitos momentos, se esforçando para tentar parecer pior do que é, escorregando em narrativas velhinhas e que ninguém mais dá bola.
Se o fluxo estrangeiro na bolsa foi alto, investidores que olham a economia real, com investimentos diretos estrangeiros (IED), preferiram esperar um pouco mais. Afinal, são recursos que precisam de mais tempo para amadurecer. Existia um temor de que o governo poderia alterar marcos regulatórios vistos com bons olhos lá fora. O governo chegou a tentar mudar o Marco do Saneamento, mas a tentativa foi pessimamente recebida pelo Congresso Nacional, forçando o governo a recuar.
Está cada vez mais claro que a autonomia do Congresso Nacional continuará crescendo. A Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada nesta semana, traz mais um capítulo deste movimento imparável. O relator, Danilo Forte (União/CE), apresentou uma novidade importantíssima que foi pouco comentada. As emendas agora têm cronograma para serem liberadas. A mudança acaba com uma importante ferramenta do governo: timing na liberação de emendas impositivas, principalmente em semanas de votações decisivas. Prelúdio de um 2024 onde o governo continuará no banco do passageiro em pautas que precisam do Parlamento.
A relação entre o Executivo e o Legislativo continuará volátil. O governo terá dificuldade em medidas provisórias, principalmente em assuntos complexos. Vetos continuarão sendo derrubados. O hiper-presidencialismo dos anos 1990 e 2000 acabou. Vitórias terão de ser construídas a partir da boa vontade de líderes partidários e principalmente dos presidentes legislativos, Arthur Lira (PP/AL) e Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Se no passado a maioria era construída pelo governo, hoje é por Lira e Pacheco. E em muitos assuntos, principalmente econômicos e regulatórios, eles pensam diferente do PT.
As principais tentativas do governo de aprovar projetos continuarão vindo do Ministério da Fazenda, sempre diluídas por um Congresso de centro e com mais boa vontade em escutar o mercado. Foi assim com os principais projetos de Fernando Haddad: Carf, Fundos Exclusivos, Fundos Offshore, Arcabouço Fiscal e Subvenção do ICMS. Em todas essas votações, relatores de partidos do Centrão alteraram o texto, deixando-os mais palatáveis ao mercado financeiro.
Conversando com assessores do presidente Lula e ministros do PT fica claro que a percepção dentro do Palácio do Planalto é de conforto. O aumento de arrecadação garante robustez aos programas sociais. A maior aceitação de Haddad garante que não haverá um cancelamento do governo pelo mercado, como ocorreu com Dilma. No meio ambiente, tema caro ao mundo, a postura do governo é percebida como suficiente para não gerar dramas. A soma dessas variáveis resulta em uma popularidade confortável. Longe de ser uma “Brastemp” do governo Lula I e II, mas confortável.
Ainda que o governo não apresente grandes novidades estruturais com potencial de mudar o Brasil, a percepção palaciana é que no médio prazo e com olho em 2026, jogar meio parado não traz grandes riscos, pelo menos eleitoralmente.
Com a oposição ainda sem nome definido, inflação entrando nos eixos, desemprego baixo, crescimento acima do esperado, um presidente que segura um terço do eleitorado no gogó, e um centrão que pode apoiar a reeleição, o governo acredita que chegarão fortes em 2026.
Não é uma avaliação errada, mas é arriscada. O PT ainda carrega uma grande rejeição na sociedade e um segundo turno em 2026 contra qualquer candidato pode se transformar em uma dramática decisão de campeonato.
O otimismo moderado do mercado é ancorado nesse cenário de curto e médio prazo sem chacoalhões excessivamente intervencionistas. Já o setor produtivo e fundos que investem no mais longo prazo continuam ansiosos por um país que discuta de maneira mais profunda grandes temas estruturais: infraestrutura, educação, produtividade e segurança jurídica. Até lá, continuam buscando ilhas de oportunidades em um país gigante, que consome e que ainda é mais organizado que nossos pares emergentes mundo afora.
A política não é binária. Nada na vida é. Não é sobre o Congresso ser ou não ser fiscalista ou gastador. Ou sobre Haddad ser ou não ser pragmático. A percepção hoje é que o Congresso é mais fiscalmente responsável do que no passado. E que Haddad é mais pragmático do que a maioria do mercado esperava em janeiro de 2023.
Em um cenário de um Congresso mais fiscalmente responsável modulando as pautas econômicas de um Haddad mais pragmático do que o esperado, o otimismo internacional continuará existindo, ainda que com cautela.