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Solução de conflitos pela violência diminui nas prisões

Fenômeno que se estendeu às periferias da cidade está relacionado à instauração do conceito de igualdade por membros do PCC, avalia estudo feito na UFSCar


	Cadeia: segundo o estudo, a partir do início dos anos 2000 houve uma valorização da palavra para resolução de conflitos
 (Shad Gross/stock.XCHNG)

Cadeia: segundo o estudo, a partir do início dos anos 2000 houve uma valorização da palavra para resolução de conflitos (Shad Gross/stock.XCHNG)

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Da Redação

Publicado em 15 de outubro de 2013 às 13h51.

São Paulo - Nos últimos anos, os conflitos nas prisões paulistas passaram a ser resolvidos mais por meio do uso da palavra do que pela via da violência física.

O fenômeno, até então restrito ao universo carcerário, começou a extrapolar os muros das prisões e a se disseminar por outros territórios da cidade onde há maior presença e contato com egressos do sistema penitenciário, como nas periferias.

A constatação é de um trabalho de doutorado realizado no Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com apoio da Fapesp.

Alguns resultados preliminares do estudo foram apresentados na 28ª Reunião da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), realizada em julho em São Paulo.

De acordo com Karina Biondi, autora do estudo, a partir do início dos anos 2000 começou a ser observada uma crescente valorização da palavra, em detrimento do uso da força física, para resolução de conflitos no interior das cadeias paulistas, o que fez com que o uso de violência se tornasse o último recurso e seja legitimado apenas após passar por um intenso debate.

A mudança estaria relacionada a um movimento chamado de “revolução interna”, que começou a ocorrer na metade dos anos 2000 no Primeiro Comando da Capital (PCC), quando Biondi começou a estudar a maior e mais organizada facção criminosa existente no Brasil, surgida na década de 1990 em penitenciárias paulistas.


Na época – quando Biondi realizou estudo de mestrado sobre a estrutura política e hierárquica do PCC, que resultou no livro Junto e misturado: uma etnografia do PCC –, a facção criminosa adicionou a palavra “igualdade” ao seu lema, que antes era “paz, justiça e liberdade”, como o do Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro.

Com isso, a questão da igualdade passou a se espalhar por toda a dinâmica de relações entre os “irmãos” – como são chamados os membros batizados do PCC –, eliminou estruturas hierárquicas e postos como o de “generais” e fez com que antigas práticas, como a violência sexual e as agressões físicas, se tornassem menos frequentes no interior das prisões paulistas.

“A adição da ‘igualdade’ ao lema do PCC fez com que surgissem enunciados como ‘é de igual!’ ou ‘cadê a igualdade?’ não só entre os ‘irmãos’, mas também entre toda a população carcerária. Esses enunciados evitam manifestações hierárquicas e de violência física”, disse Biondi.

“É claro que as manifestações hierárquicas aparecem a todo o momento entre eles. Só que existe o enunciado de igualdade para tentar evitar que se cristalizem lideranças ou relações de mando e obediência, porque se ‘é de igual’ ninguém pode mandar em ninguém. E a violência também está sempre no horizonte, mas ela não ocorre mais sem que tenha ocorrido um debate”, disse.

Em função dessa nova dinâmica de relações entre os membros do PCC, um criminoso que manda ou outro que obedece seriam mal vistos pelos outros companheiros.


O criminoso que obedece ao mando de outro acaba por ser considerado como “lagarto”. Já quem manda é visto como “malandrão”, que é uma figura que remete ao período anterior do PCC, quando os presos vendiam celas, papel higiênico e eram comuns os estupros no interior das prisões.

“Essa ideia de igualdade foi aparecendo aos poucos nas situações mais triviais das relações de convívio entre eles, como na decisão de quem poderá dormir em camas e quem terá que dormir no chão em cela com superlotação”, exemplificou Biondi.

“A criação de critérios para solucionar uma situação como essa passa pela questão da igualdade, que é reivindicada por eles sempre que se acha que uma decisão não foi muito justa ou não foi ‘de igual’, que é uma expressão que até alguns estrangeiros encarcerados em unidades prisionais em São Paulo e que não falavam português aprenderam”, disse.

Materialidade pela palavra

Segundo Biondi, essa nova dinâmica nas relações entre os encarcerados em unidades prisionais em São Paulo instaurada pelo PCC, baseada no uso e valorização da palavra – em detrimento da violência física para solucionar os conflitos –, fez com que a capacidade de ser um bom orador se tornasse uma espécie de pré-requisito para um presidiário se tornar membro da facção.


Isso porque, além de ser a única “arma” que os “irmãos” utilizam para negociar situações de conflito entre detentos, com os diretores de presídios e nas comunidades onde estão presentes, a palavra também é a forma pela qual o PCC se materializa no interior e fora das unidades prisionais.

“Como o PCC não existe como uma estrutura com instâncias hierárquicas, não há nenhum símbolo que possibilite identificar quem é ‘irmão’ e quem não é e ostentar essa posição não é bem visto, o Comando só existe e se materializa quando é falado ou chamado”, disse Biondi.

Uma das situações que Biondi presenciou e registrou durante o estudo foi uma briga em uma comunidade em que um membro do PCC foi chamado para apartá-la.

Ao se aproximar do grupo envolvido na briga, uma das pessoas perguntou quem ele era, ao que ele respondeu “aqui é o PCC”. Ao se identificar dessa forma, a briga parou e as pessoas que participavam da confusão se dirigiram até ele para que mediasse o conflito.

“Ali ele era o portador da palavra e falava pelo PCC porque, se não há instâncias hierárquicas às quais se possa recorrer, os ‘irmãos’ têm a responsabilidade de ser o Comando nas palavras que proferem, que precisam ser ditas de forma muito precisa porque, caso contrário, podem ser acusados de não seguir os ideais do PCC e sofrer consequências, como a exclusão”, disse Biondi.

A legitimidade dos ‘irmãos’ estaria justamente em conseguir instaurar o PCC por meio das ideias de igualdade e da centralidade do uso da palavra para solucionar conflitos que hoje também estão bastante dissolvidas na dinâmica das periferias de São Paulo.

“Essa prática do debate extrapolou a dinâmica criminal e se espalhou nas periferias da cidade, conforme outros pesquisadores também vêm registrando. No futebol de várzea, por exemplo, situações que antes geravam brigas são hoje resolvidas por meio de debates”, disse Biondi.

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