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Só volto à Síria para visitar, diz refugiado no Brasil

Talal al-Tinawi veio para o Brasil depois de ser confundido com um opositor do ditador Bashar al-Assad. Ele conta a EXAME.com sua saga e a de sua família

O sírio Talal al-Tinawi: "Durante três meses minha família não sabia se eu estava morto ou vivo" (Reprodução/Facebook Talal al-Tinawi/Atados)

O sírio Talal al-Tinawi: "Durante três meses minha família não sabia se eu estava morto ou vivo" (Reprodução/Facebook Talal al-Tinawi/Atados)

Rita Azevedo

Rita Azevedo

Publicado em 12 de setembro de 2015 às 06h00.

São Paulo – O engenheiro mecânico Talal al-Tinawi, de 42 anos, chegou ao Brasil em dezembro de 2013 acompanhado da esposa e dos filhos e sem falar uma palavra em português.

A possibilidade de deixar a Síria, seu país natal, para morar na cidade de São Paulo só surgiu meses antes, depois que Talal foi confundido com um procurado das forças de segurança do ditador Bashar al-Assad.

Já em terras brasileiras, o sírio morou por alguns meses na casa de um brasileiro até que a família conseguiu alugar um modesto apartamento na região central da cidade.

A sala é dividida por toda a família. Enquanto Yara, de 10 anos, lê em voz alta seu poema favorito em português, a pequena Sara, de oito meses, sorri depois que sua mãe, Gazhal, interrompe os afazeres para falar docilmente algumas palavras em árabe.

Na cozinha, o garoto Riad, de 13 anos, ajuda a mãe na preparação de pratos típicos – a forma que encontraram para ganhar a vida por aqui. Nas paredes da casa, trechos do alcorão foram colocados ao lado de um mapa do Brasil.

Talal contou sua saga e a de sua família a EXAME.com na última semana. Confira seu depoimento:

Talal com seus filhos Riad, Sara (no colo) e Yara e sua mulher Gazhal (Reprodução/Facebook)

“A guerra começou no meu país em 2011, na cidade de Daara, mas depois tomou toda a Síria. Em 2012, deixei Damasco, cidade onde morava, e fui ao Líbano com minha família para tirar um certificado da língua inglesa.

Quando voltei de lá, ao chegar à fronteira, fui preso. O governo da Síria me pegou e me enviou à prisão porque meu nome era igual ao de uma pessoa procurada por eles. Fiquei preso por três meses e meio.

Durante esse tempo, minha família não sabia muito bem o que tinha acontecido comigo. Eles não tinham informações. Não sabiam se eu tinha morrido ou se ainda estava vivo. Na prisão, conheci uma pessoa que me falou: ‘Se você sair daqui é melhor deixar a Síria. Viaje para outro país antes que o governo te prenda de novo’.

Depois de 15 dias, fui solto e decidi me mudar para o Líbano. Deixei três lojas que tinha com meu irmão e abandonei meu apartamento e um escritório próprio, onde trabalhava como engenheiro. Saí da Síria com minha mulher Gazhal e meus filhos Riad e Yara.

Fiquei dez meses em Beirute. Como não gostei da cidade, fui às embaixadas de outros países para pedir um visto. Tentei Alemanha, Suíça, Estados Unidos, Canadá. Todos diziam “Não. Você é sírio e não poderá tirar o visto. Precisa de mais documentos”.

Em novembro de 2013, liguei para o embaixador do Brasil. Não sabia muito sobre o seu país. Para mim, Brasil era futebol, São Paulo, Rio de Janeiro, café e Amazonas. Isso não era só pra mim. Os sírios me falavam “não sei qual é a língua deles, não sei o que eles fazem”. Eu só pensava em deixar o Líbano.

Talal com Sara no colo: a caçula da família nasceu no Brasil (Rita Azevedo/Exame.com)

Depois de algumas semanas, levei nossos passaportes. Conversei com uma pessoa da embaixada para saber qual era a melhor cidade para mim. Ele me falou: ‘Vá para São Paulo porque a economia é forte. Fique no Brás, porque tem muitos árabes e uma mesquita’.

Pesquisei na internet o telefone da mesquita e falei com uma pessoa que me recebeu no aeroporto. Fiquei na casa dele por três meses. Ele me ajudou a alugar um apartamento, a colocar as crianças na escola e a trabalhar na feira do Brás vendendo roupas. Estudei português dentro da mesquita.

Em maio de 2014, comecei a trabalhar em uma empresa de engenharia. Saí em março deste ano porque a economia ficou ruim e muita gente foi demitida. Trabalhava lá como engenheiro, mas não recebia o salário da profissão porque meu diploma só é aceito na Síria. Tudo aqui custa muito. Luz, internet, casa. Precisava receber mais.

No dia do aniversário da minha filha, fiz uma festa aqui com pratos típicos. Um dos meus novos amigos brasileiros disse que minha comida era muito boa e me perguntou por que não vendia alguns pratos. Ele me contou que aqui as pessoas gostam muito de experimentar.

Jantar na casa de Talal al-Tinawi: mesa posta com pratos típicos (Rita Azevedo/Exame.com)


Essa pessoa fez uma página no Facebook onde comecei a divulgar meu trabalho. Participei de feiras na mesquita, no Museu da Imigração e em eventos de organizações que recebem refugiados.

Falei com um voluntário de uma organização que precisava de mais dinheiro para abrir uma loja. Ele me perguntou se conhecia sites de financiamento coletivo. Escrevi o texto da página do meu jeito, na minha língua portuguesa, explicando que queria comprar geladeira, forno, tudo para cozinhar. Quero abrir uma loja para vender comida pronta ou abrir um food truck.

Na Síria, ainda tenho meu pai e um irmão. Meus outros irmãos estão em outros países há mais tempo. Falo com todos eles todos os dias pelo WhatsApp. Minha esposa também deixou parte da família lá.

Não acho que vou voltar a morar na Síria. Só para visitar. A guerra deve demorar para acabar. Acho que só daqui três anos. Tenho minha vida aqui. Comecei por aqui e se for para Síria terei que começar do zero lá também”. 

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