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‘Sextou do metanol’: em São Paulo, bares ficam vazios com temor sobre intoxicação

O número crescente de intoxicações por metanol foi apontado por frequentadores e proprietários como o principal motivo para o baixo movimento em endereços tradicionais na cena noturna paulistana

Na noite de sexta-feira na 'Borba', o 'copão' foi consumido por menos pessoas (Julio Gomes/Exame)

Na noite de sexta-feira na 'Borba', o 'copão' foi consumido por menos pessoas (Julio Gomes/Exame)

Paloma Lazzaro
Paloma Lazzaro

Estagiária de jornalismo

Publicado em 6 de outubro de 2025 às 19h02.

Última atualização em 6 de outubro de 2025 às 19h08.

Neste último sábado, 4, muitos jovens paulistanos acordaram sem a ressaca de costume.

A noite de sexta-feira é responsável por encher as calçadas e ruas de diversos endereços na capital semanalmente, mas na última semana era visível um esvaziamento relativo — e o principal motivo para isso era o metanol.

Além de menos frequentadores, os hábitos de consumo dos que estavam no local também foram alterados na última semana.

Para se prevenir da intoxicação por metanol, cujos casos foram majoritariamente ligados a bebidas destiladas, muitos optaram por beber exclusivamente cerveja e bebidas enlatadas. 

“Eu gosto de um gin, com energético e um gelo de coco. Isso numa sexta-feira vai bem. Mas, dessa vez, preferi não tomar e evitar qualquer risco, como perder minha visão”, diz Rian, de 23 anos.

Segundo o jovem, o bar próximo ao seu trabalho, na Zona Sul de São Paulo, estava mais vazio do que o usual na sexta-feira. “É o ‘sextou’ do metanol”, afirma. 

O metanol tem se tornado uma fonte de preocupação na última semana. Desde a terça-feira, 30, o governo de São Paulo criou um gabinete de crise para intensificar as medidas de combate e monitoramento.

Até o momento, 16 casos de intoxicação por metanol foram confirmados pelo Ministério da Saúde, dos quais, duas mortes já foram confirmadas. Há também 209 notificações suspeitas, que ainda aguardam o resultado de exames.

O estado de São Paulo é o epicentro do surto, concentra 14 dos 16 casos confirmados e 178 dos 209 casos suspeitos, segundo os dados do governo estadual.

Regiões mais conhecidas entre os jovens adultos, como o "Beco", no Butantã, e "Borba", no Centro de São Paulo, estavam mais vazios do que de costume na sexta-feira, 3, após a confirmação dos casos de intoxicação.

Rua Maria Borba e Rua Dr Cesário Mota Júnior, a 'Borba'

Na região da Santa Cecília, no Centro, a Rua Maria Borba e a Rua Cesário Mota Júnior integram uma das áreas de maior fluxo de consumidores aos finais de semana.

Mas, seguindo o esvaziamento que parece tendência, naquela sexta a "Borba" tinha movimento reduzido.

Thay, de 28 anos, afirmou que alguns amigos que normalmente a acompanhariam na Borba, decidiram ficar em casa. Mas mesmo quem foi apresentou um comportamento diferente. "Tem até uma galera, mas menos do que o normal. E a maioria está só na cerveja. Eu mesma tomo muito destilado, mas não hoje. Todo mundo está meio receoso", afirmou.

Para Diego, proprietário do Dubaii Bar, o movimento em si não era o principal problema daquela noite. "A cerveja não dá lucro, é como trabalhar de graça, só serve para chamar cliente", disse.

Diego conta que a vigilância sanitária havia passado lá no mesmo dia. "Pediram as notas fiscais. Mesmo com tudo certo, hoje só conseguimos vender cinco caipirinhas a noite inteira. Gin? Nada. Só saíram 15 'copões' [tipo de bebida preparada com destilados, gelo saborizado e energético, vendida em copo plástico] hoje. E normalmente vendemos de 250 a 300 em uma noite", disse.

Ele relata que cerca de duas semanas antes, alguns episódios suspeitos já geraram preocupação na Borba.

"Vieram pessoalmente oferecer para nós bebidas mais baratas do que em adegas. Menos de R$ 20 por algumas garrafas e eu achei que devia ter alguma coisa errada", afirmou. "Quando pedimos a nota fiscal da bebida, eles não tinham. Falaram que eram fornecedores novos e estavam começando a procurar clientes. Temos um grupo de WhatsApp de donos de bar da Borba, vários outros também foram abordados com essa proposta."

Júlio César, proprietário do bar El Kabron, não vê sentido em comprar produtos mais baratos.

"Não existe jantar de graça. Ou está com data de validade chegando, ou é de procedência duvidosa, então eu 'nem entro nesse rolê'", disse. Ele afirma que o bar tem os mesmos fornecedores há anos, além usarem grandes atacadistas e parceiros industriais diretos.

Samuel, um dos atendentes do bar, fala os hábitos dos clientes não mudaram, apesar da noite ter com pouco movimento.

"Realmente, está muito abaixo da média. Mesmo assim, saiu bastante destilado, porque as pessoas têm muita confiança na gente. Deixamos todas as notas fiscais expostas em uma pasta, que os clientes podem ver."

Rua Valdemar Ferreira, o 'Beco'

Os três bares que compõem o "Beco" costumam estar lotados nas sextas-feiras.  Com o desenrolar da noite, alguns grupos ficam de pé, sem terem conseguido uma mesa. Mas, na semana passada, a situação era diferente.

"O bar está 'fraquinho' hoje por causa do metanol. O movimento caiu uns 80%. Vamos ver se, passando essa fase, as coisas voltam ao normal", diz o proprietário do Boa Ideia Bar, um dos principais do Beco, que não quis se identificar.

"Já veio a fiscalização da Saúde Pública aqui hoje, viu que está tudo certinho. Temos nota de tudo, temos procedência”, afirma.

Segundo ele, o bar tinha vendido apenas cerca de meia dúzia de caipirinhas até às 23h de sexta, no horário de Brasília. Normalmente, o fundador afirma que as vendas giram em torno de 40 e 80 unidades.

Juan e Orianne, ambos de 19 anos, são alunos franceses fazendo intercâmbio na Universidade de São Paulo (USP).

Naquele horário, eles eram as únicas pessoas no Boa Ideia que tomavam caipirinha. “Sabemos das notícias do metanol, mas não estamos muito preocupados. Aqui são bares muito conhecidos, com muita gente. Pensamos que o risco é mínimo por isso”, diz Juan.

Rua Edson Dias, o 'Meretriz' ou 'Meretrevas'

Do outro lado da Ponte Bernardo Goldfarb, em Pinheiros, a Rua Edson Dias é tomada por jovens e música alta da noite de quinta-feira até a manhã do domingo.

Conhecida como "Meretriz" (ou sua variação "Meretrevas"), ela cruza a Rua Cunha Gago, também repleta de bares, vendedores ambulantes de bebidas e clientes.

A região é tão lotada que alguns taxistas e motoristas de aplicativo chegam a se negar a entrar lá. Na sexta, no entanto, os carros passavam com tranquilidade nas ruas — e os lugares vazios superavam o número de clientes.

"O movimento da rua está fraco. Não vendi nenhum 'copão'. Nesse horário, eu já deveria ter vendido bastante, uns 20 a cada hora. Era o item que mais saia aqui, hoje só foi cerveja", diz Jeferson, vendedor ambulante. Segundo ele, todas as suas bebidas são compradas em um supermercado de Barretos.

Jeferson afirmou que já vendeu parte da sua mercadoria para bares da rua, sem citar nomes. Segundo ele, a venda é um acontecimento raro. Para ele, se a crise do metanol continuar, a solução será continuar tentando vender seus produtos.

No Meretriz, a maioria dos clientes toma apenas cerveja (Julio Gomes/Exame)

A maioria dos clientes por lá também tomava cerveja na sexta. “Não quero pagar para ver”, diz Vitor, de 21 anos.

No Board Bar, o movimento da noite estava bem mais fraco que de costume, segundo o atendente Michel. "Estamos pedindo tudo no ritmo de sempre aos fornecedores. Acho que, daqui para frente, o policiamento pega essas bebidas batizadas e depois disso o pessoal perde o medo", afirma Michel.

O barman Giovanni diz que cerveja é o item com maior saída da noite no Board Bar, mas alguns clientes ainda pedem caipirinha. "O pessoal está tomando só caipirinha de cachaça, então acho que estão confiando mais. Caipirosca e saqueirinha eu ainda não fiz nenhuma".

Como evitar a intoxicação

Até o momento, a recomendação oficial é evitar o consumo de bebidas alcoólicas sem procedência conhecida.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, recomendou na quinta-feira, 2, que as pessoas evitem consumir bebidas alcoólicas destiladas caso não tenham a "absoluta certeza" da sua origem.

De acordo com Padilha, o cuidado deve ocorrer principalmente com as bebidas destiladas transparentes.

O que fazer em caso de intoxicação

Em caso de suspeita de intoxicação por metanol, é recomendado buscar ajuda médica.

Ministério da Saúde anunciou no sábado, 5, que iniciou a distribuição do antídoto contra intoxicação por metanol — o etanol farmacêutico — para quatro estados e o Distrito Federal.

Na primeira remessa do antídoto, serão enviadas 580 ampolas para cinco estados, sendo 240 para Pernambuco, 100 para o Paraná, 90 para a Bahia, 90 para o Distrito Federal e 60 para o Mato Grosso do Sul.

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