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Senado aprova projeto contra abuso de autoridade por juízes e procuradores

Proposta, que vai voltar à Câmara, ganhou destaque após vazamento de supostas mensagens de Sergio Moro com procuradores da Operação Lava Jato

Senado: projeto foi aprovado no plenário da Casa Legislativa (Waldemir Barreto/Agência Senado)

Senado: projeto foi aprovado no plenário da Casa Legislativa (Waldemir Barreto/Agência Senado)

BC

Beatriz Correia

Publicado em 26 de junho de 2019 às 20h42.

Última atualização em 26 de junho de 2019 às 21h12.

São Paulo - O plenário do Senado Federal aprovou na noite desta quarta-feira (26) o projeto de lei que define como crime o abuso de autoridades por magistrados e integrantes do Ministério Público. A medida terá que passar novamente pelo plenário da Câmara dos Deputados porque foi modificada pelos senadores. A votação foi simbólica.

O projeto de iniciativa popular é conhecido como "Dez Medidas Contra a Corrupção" e ganhou destaque após a divulgação pelo site The Intercept Brasil de supostas mensagens do ministro da Justiça, Sergio Moro - quando atuava como juiz federal - com procuradores da operação Lava Jato. A proposta (PLC 27/2017) é de 2017, mas estava parada na Câmara desde então. Depois da reportagem do site, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pediu à presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS), que colocasse a proposta em votação. Alcolumbre criticou publicamente o conteúdo do suposto diálogo de Moro com Dallagnol. A medida também passou nesta quarta pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

O projeto define como abuso de autoridade para juízes "expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais". O entendimento não vale, porém, para promotores e procuradores, para os quais fica determinado como crime "expressar, por qualquer meio de comunicação, juízo de valor indevido sobre procedimento ou processo pendente de atuação do Ministério Público ou sobre manifestações funcionais extrapolando o dever de informação e publicidade".

Além disso, a medida também define que o abuso de autoridade só é assim entendido quando ocorrer com a finalidade específica de prejudicar alguém ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

O relator da proposta, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), fez mudanças no parecer até minutos antes da sessão, após reuniões com representantes da magistratura e do Ministério Público. Juízes e procuradores fizeram pressão sobre os parlamentares em relação ao texto do projeto. A medida foi suavizada e integrou 30 emendas das 50 propostas por senadores.

"O que fizemos aqui foi um amadurecimento do texto para torná-lo o mais equilibrado possível. O que não se pode é deixar de punir o abuso de autoridade", disse Pacheco, defendendo que "excessos" na atuação do Ministério Público e da magistratura sejam punidos. Ele negou que a votação seja uma reação à divulgação do caso envolvendo o ministro Sergio Moro.

Pontuando que o endurecimento na lei não pode retroagir para casos anteriores, Pacheco admitiu que episódios semelhantes aos de Moro e Dallagnol podem ser punidos após a lei. "Não há essa perspectiva, não há essa possibilidade. Evidentemente que, quando se fala de abuso de autoridade, se fala de relação de juiz e promotor, podem as pessoas quererem considerar que há uma conexão e, eventualmente, há mesmo", declarou.

Parlamentares favoráveis ao projeto ressaltaram que o foco é punir excessos. "O foco do crime de abuso de poder é o mau juiz, o mau integrante do Ministério Público, aqueles que abusam do poder, que diminuem a instituição a que pertencem, que cometem crime", discursou Marcos Rogério (DEM-RO).

Polêmicas

Um dos pontos polêmicos é o item que foi batizado como "lei da mordaça". De acordo com a proposta, juízes não podem expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.

No caso dos membros do Ministério Público, a regra foi suavizada para, no lugar de "opinião", "juízo de valor indevido sobre procedimento ou processo em andamento". Os procuradores, neste caso, teriam de se restringir a se manifestar com o "dever de informação e publicidade", além de se limitar a fazer críticas nos autos, em obras técnicas ou em aulas.

Além disso, o projeto classifica como abuso de autoridade atitudes de juízes e procuradores "com evidente motivação político-partidária". A palavra "evidente" foi incluída nesta quarta, na CCJ. Outra flexibilização feita pelo relator foi retirar da previsão de crime de abuso para as duas categorias "ser patentemente desidioso no cumprimento de suas atribuições" e "proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo".

Pacheco também retirou da proposta a possibilidade de a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou organizações da sociedade civil constituídas há mais de um ano, que contenham em seus estatutos a finalidade defesa de direitos humanos ou liberdades civis, entrarem com queixa subsidiária na Justiça no caso de o Ministério Público não intentar a ação.

O relator decidiu deixar de fora autoridades dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos de Contas, como queriam alguns senadores. Pacheco justificou que esses são órgãos administrativos desprovidos de jurisdição, o que não justificaria o enquadramento proposto no projeto. O líder do Podemos no Senado, Alvaro Dias (PR), criticou o relatório. "Por que oferecemos munição para atirarem contra nós numa hora em que se invertem, sim, prioridades?", questionou.

Anticorrupção

No mesmo projeto também é definida a criminalização do caixa dois eleitoral e da compra de votos.

O texto pune com reclusão, de dois a cinco anos, e multa "arrecadar, receber ou gastar o candidato, o administrador financeiro ou quem de fato exerça essa função, ou quem atuar em nome do candidato ou partido, recursos, valores, bens ou serviços estimáveis em dinheiro, paralelamente à contabilidade exigida pela lei eleitoral". A mudança não valeria para crimes eventualmente cometidos antes da lei entrar em vigor.

Nos casos em que o caixa dois seja proveniente de crime (como corrupção, narcotráfico ou contrabando), a pena aumentaria de um a dois terços. Da mesma forma, a mudança não valeria para crimes eventualmente cometidos antes da lei entrar em vigor. Além disso, o projeto pune com reclusão, de um a quadro anos, e multa "negociar ou propor a negociação o eleitor, com candidato ou seu representante, em troca de dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para dar voto.

O texto inclui ainda no rol dos crimes hediondos vantagem ou o prejuízo para a administração pública igual ou superior a dez mil salários mínimos vigentes à época do fato.

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