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Sem escola, temor de pais é o peso do estresse nos filhos

Na China, a pandemia causou dependência dos pais, desatenção e problemas de sono entre as crianças

 (Amanda Perobelli/Reuters)

(Amanda Perobelli/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 26 de julho de 2020 às 20h08.

Última atualização em 26 de julho de 2020 às 21h27.

Flávia já não sabe mais como fazer a filha ganhar fluência na leitura. Elaine até tenta recuperar no caçula o gosto pelas aulas e Débora se equilibra entre os chamados de um bebê e a rotina de aulas online da filha mais velha. Já se passaram mais de 120 dias e o que parecia provisório virou regra.

Com as escolas fechadas por causa do isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus, crianças e adolescentes ficaram todo o tempo em casa e os pais relatam prejuízos ao desenvolvimento e a perda de habilidades como fala e leitura.

“Ela simplesmente não quer assistir às aulas online, a professora fala com os outros alunos e ela sai para comer. Fico brava, mas não tem o que fazer”, diz a farmacêutica Flávia Pilon de 44 anos, sobre Clara, de 6, que tem dificuldade para se concentrar.

A menina tem pré-diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), o que agrava as dificuldades. “É um momento superdelicado porque ela está na fase de alfabetização. Vejo que terá diferença desse aprendizado online em relação ao presencial. Se estivesse na escola, estaria mais avançada.” A leitura, diz a mãe, não é rápida como a dos colegas e Flávia contratou aula particular (também online) para tentar diminuir prejuízos. “Ela sabe ler, mas ainda faltam a fluência e velocidade.”

As repercussões do longo tempo sem aulas presenciais não são apenas impressões das mães. Estudos já evidenciam os impactos para o desenvolvimento das crianças. Os prejuízos vão além da perda de conteúdos e ocorrem também na aquisição de habilidades como interação, cooperação e expressão de sentimentos, principal objetivo das escolas para os pequenos nessa fase.

Pesquisa com 320 participantes de 3 a 18 anos em Xianxim (China) na 2ª semana de fevereiro, apontou que 36% delas apresentavam dependência excessiva dos pais, 32% relataram desatenção e 20% apresentaram problemas de sono. No Brasil ainda faltam pesquisas sobre esses efeitos colaterais da pandemia. Especialistas também alertam para o risco de cobranças desnecessárias pelos pais.

Estresse tóxico

“O que mais pode afetar a criança é o estresse tóxico - períodos prolongados de estresse em que a criança fica sem referencial, preocupada, e ativa mecanismos de defesa. Ela tem de ficar em casa com os pais, preocupados com o risco de pegar a doença ou porque perderam o emprego”, adverte Naércio Menezes Filho, coordenador do Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância e professor do Insper. Além disso, aumenta o risco de violência doméstica.

Para Enrico, de 3 anos, que entrou na creche no início do ano, mesmo o pouco tempo na escola foi importante para os primeiros passos rumo à autonomia. “Começou a ser mais independente, comer sozinho e se virar. E a entender que a mãe pode sair de perto e depois volta”, diz a esteticista e massoterapeuta Débora Seiryu, de 39 anos.

Desde o início da quarentena, Enrico e a irmã Letícia, de 8 anos estão confinados com os pais. “A perda foi muito grande. Ele continua a comer sozinho, mas em casa não aceita bem qualquer alimento. Na escola, via amiguinhos comerem juntos e acabava comendo. Em casa, quer mamadeira, doce.” Letícia tem aulas ao vivo, todo dia, de 13h às 16h30. A mãe criou um cantinho de estudos, mas admite ser difícil convencer a menina de que não está de férias.

Insônia

Na casa de Elaine Costa, de 38 anos, estabelecer uma rotina com o filho de 10 anos é um desafio à parte. “Ele tem problema de insônia, o horário para dormir está desregulado. A rotina na escola obriga e lá tem desde o aprendizado à sociabilidade, o bate-papo com a professora, os amigos”, compara.

No 4.º ano do fundamental, Caio tenta se entender com os problemas de multiplicação e divisão, adjetivos, verbos e pronomes. “Ele tinha pegado o gosto pelas aulas, conseguia fazer sem tanto estresse e agora, online, é como se não existisse. Ele não suporta, já tentei várias técnicas”, diz a mãe do menino, diagnosticado com TDAH.

Eduardo Marino, diretor de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, diz que os reflexos podem ser diferentes segundo a condição social. “Para uma criança no último ano da pré-escola, com noções de letramento e família letrada que a estimula, a perda deve ter sido mínima.” Em situação de pobreza, isso muda. “Em uma família em que os pais estão em situação de muito estresse, a pandemia gera impacto para as crianças, de estresse prolongado, que deixa marcas no desenvolvimento mais difíceis de recuperar.”

Uniforme também tem utilidade em casa

Aldenice Melo, de 16 anos, veste o uniforme todos os dias, mesmo sem ir à escola, para se motivar a estudar. De uma comunidade quilombola em Bequimão (MA), ela está matriculada no ensino médio de uma escola federal, fechada por causa da pandemia. A rede de wi-fi chegou à comunidade há pouco tempo e a internet não é das melhores.

“Às vezes, tenho de me deslocar até a casa de amigos, para fazer pesquisas e baixar vídeos. Acordo de madrugada para baixar aulas e vídeos, porque nesse horário a internet fica melhor”, explica a jovem, que já pensou até em desistir dos estudos. “Senti pressão para abandonar. Mas os planos que tenho para meu futuro e da minha comunidade são muito maiores que os desafios.” Aldenice sonha em se formar em alguma área que a ajude a contribuir com a sua comunidade.

O ensino médio já tinha altas as taxas de evasão mesmo antes da pandemia. Na quarentena, as dificuldades de acesso a plataformas digitais e a crise econômica afastam ainda mais jovens vulneráveis da rotina escolar.

Na casa onde mora Isabela Vale, de 19 anos, em uma comunidade da Vila Prudente, zona leste de São Paulo, a internet até chega, mas só a madrasta e o pai têm celular. O aparelho da jovem estragou e falta dinheiro para consertar. Ela já concluiu o ensino médio, mas o pai a estimulou a não parar. “É muito difícil, porque em casa só tem três cômodos e moram cinco pessoas. Não tem espaço para parar, sentar e estudar.”

No início do ano, ela se inscreveu para um cursinho gratuito. Quer fazer o Enem marcado para janeiro de 2021, e seu sonho é estudar Design. Com o isolamento social, porém, as aulas do cursinho foram suspensas.

“Corremos o risco de perder uma geração inteira de adolescentes e jovens”, diz Italo Dutra, chefe de Educação do Unicef no Brasil. “Temos de priorizar o acesso desses meninos e meninas à internet e a construção de currículos para o retorno que tenham comunicação com as necessidades deles.”

Família

O período prolongado em casa com as crianças também tem sido didático para as famílias, que veem a oportunidade de conhecer melhor os filhos e estreitar laços. “Estou acompanhando o desenvolvimento dele e aprendendo a lidar com questões que eu não tinha o domínio pleno”, diz Amanda Torres, de 31 anos, mãe de João Victor, de 4 anos, diagnosticado com autismo.

Antes, ela só estava com o filho à noite. Para Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, um bom legado pode ser o vínculo das escolas com a família. “Se mantivermos proximidade maior com a família e parceria para avançar no que se trabalha na escola, a qualidade do estudo em casa será maior.”

Para lembrar

O Ministério da Saúde estuda protocolo de volta às aulas em escolas públicas - só houve até agora retomada em algumas escolas privadas - com orientações para evitar a circulação do novo coronavírus.

A ideia é orientar uso de máscaras, distanciamento social com marcações feitas no chão, criar escala de entrada e saída das turmas, evitar circulação em espaços comuns e realizar refeições dentro das salas de aula. Além disso, reforçar a limpeza e ventilar ambientes.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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