LGBT (Sarah Rice/Getty Images)
Clara Cerioni
Publicado em 6 de janeiro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 15 de janeiro de 2019 às 18h05.
São Paulo — Era noite de sexta-feira, 21 de dezembro do ano passado, quando o cabeleireiro Plínio Henrique de Almeida Lima, 30 anos, foi morto com uma facada na avenida Paulista, em São Paulo. Investigações apontam que o motivo do ataque foi homofobia. Em depoimento, testemunhas disseram que Plínio, seu marido e um casal de amigos gays foram xingados por um homem de “viadinho, menininha”, além de “seus gays, merecem morrer”.
A morte de Plínio faz parte de uma estatística assustadora para a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis) no Brasil. Dados mais recentes do Ministério dos Direitos Humanos (que agora se chama Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) mostram que, em 2018, até julho, o governo recebeu 85 denúncias de assassinatos de LGBT. Durante todo o ano de 2017, foram 193 comunicações que chegaram ao Disque 100. Ainda não há um balanço consolidado das vítimas do ano passado inteiro.
Apesar dos números, o novo governo de Jair Bolsonaro (PSL) retirou a população LGBT das diretrizes de políticas públicas do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, como constava anteriormente. A Medida Provisória 870 foi assinada no dia da posse presidencial, 1º de janeiro.
O próprio presidente eleito já afirmou em entrevistas que é “homofóbico, com muito orgulho” e que preferia ter um filho morto a um filho homossexual, entre outras declarações ao longo dos anos.
Entre as políticas e diretrizes da nova pasta constam "mulheres, crianças e adolescentes, juventude, idosos, pessoas com deficiência, população negra, minorias étnicas e sociais e índios".
Segundo informou o governo, após a decisão repercutir negativamente nas redes sociais e na imprensa, a promoção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais ficará a cargo de uma diretoria subordinada à Secretaria Nacional de Proteção Global do Ministério, que está sob a responsabilidade da pastora Damares Alves.
Para ativistas, a mudança representa uma perda de status dos LGBT dentro do sistema de proteção dos direitos humanos. A própria ministra negou, na quarta-feira (2), que a comunidade LGBT terá seu espaço diminuído durante o novo governo. Damares disse que seu ministério será o "mais extraordinário e lindo da nova gestão" e afirmou que tudo que ela fala ou faz "vira ruído".
Com receio da falta de direcionamento institucional no novo governo, alguns LGBT relatam que estão amedrontados com o futuro. Para o iluminador Jackson Simão, 25 anos, o maior dos medos é não ter a quem recorrer em caso de agressão na rua ou em casa. "Se não há uma política clara de combate à homofobia ficará ainda mais complexo o processo de denúncia e de punição. Para quem eu peço ajuda se eu sofrer violência?", questiona.
Toni Harrad Reis, diretor presidente da Aliança LGBTI, organização de defesa dos direitos dos homossexuais no Brasil, reconhece que durante o governo Bolsonaro é provável que não haja nenhum avanço nas políticas para essa população. Ele, no entanto, é mais ameno em relação aos retrocessos: "O judiciário sempre esteve a nosso favor e acredito que continue. Além disso também temos a Constituição, que diz que todos são iguais perante a lei", afirma.
Perguntado sobre o risco de violência, o ativista, que milita há mais de 30 anos por essa causa, diz que o caminho será de resistência e diálogo. "O governo é um grande formador de opinião e de informação, por isso não podemos admitir que ele incentive algum tipo de violência ou discriminação. Teremos que combater, sempre com serenidade e racionalidade", relatou.
Na quarta-feira, o Ministério da Saúde tirou do ar uma cartilha dirigida a homens trans, seis meses depois de ter sido lançada. Produzido pela pasta em parceria com organizações não-governamentais, o material trazia dicas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis. A justificativa é de que o material precisa de correções.
Para Samara Cunha, gestora de projetos sociais e lésbica, o rebaixamento do status no novo governo é uma concretização de um posicionamento que já vinha se desenhando na esfera política, com o argumento de que isso deve ser tratado no âmbito privado.
"Não há políticas públicas sendo pensadas, mas eles garantem que nenhum direito será retirado e que esse assunto deve ser tratado dentro de casa", diz. "É triste, porque agora é uma questão de sobrevivência. Nós votamos, pagamos impostos e estamos inseridos na sociedade", completa.
O historiador Abner Rubens, que também é gay, explica que a pauta LGBT nunca foi prioridade, mas nos últimos governos começou a ganhar algum espaço. "Saímos dos anos 1980 em que LGBT morriam de Aids sem saber direito o que estava acontecendo. De lá para cá, começamos a ver políticas sobre o HIV e uma discussão sobre o tema", diz.
Para ele, o termômetro para medir a solidez das pautas identitárias é quando elas vão parar nas novelas e no mainstream. "Nunca fomos destaque, mas tivemos mais voz. Existia um lugar, que agora deve ser cimentado", conclui.
Todos, no entanto, concordam de que a saída está na articulação e de retorno dos movimentos sociais para impedir que os direitos já conquistados não sejam perdidos.