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Segurança na Olimpíada é como circo, diz estrategista do Pan

Em entrevista a EXAME.com, responsável pela estratégia de segurança dos Jogos Panamericanos afirma que projeto olímpico não deixará legado

Membro da Guarda Nacional de guarda durante prova da Marcha Atlética durante os Jogos do Rio 12/08/2015 (REUTERS/Damir Sagolj)

Membro da Guarda Nacional de guarda durante prova da Marcha Atlética durante os Jogos do Rio 12/08/2015 (REUTERS/Damir Sagolj)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 16 de agosto de 2016 às 20h01.

São Paulo — Um efetivo policial duas vezes maior do que o dos Jogos de  Londres não será suficiente para legar um Rio de Janeiro mais seguro após a Olimpíada 2016. Essa é a conclusão do professor Newton de Oliveira, um dos responsáveis pela estratégia de segurança dos Jogos Panamericanos do Rio.

Em entrevista a EXAME.com, ele elevou o tom das críticas ao modelo de gestão da segurança dos Jogos e arrematou: apesar das promessas durante a candidatura, a violência urbana está pior no estado.

 “A Rio-2016 é como um circo que chega na cidade, faz o espetáculo, vai embora e não deixa legado algum”, afirma.

Especialista em segurança pública e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rio, Oliveira foi o consultor líder da equipe ONU que elaborou o plano de segurança dos Jogos Panamericanos em 2007.

Veja trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.com por telefone.

EXAME.com: Uma das promessas do governo para a Rio-2016 era tornar a cidade mais segura, ou como disse o prefeito na época, “pacificar” a cidade. Qual é o saldo?

Newton de Oliveira: O saldo é ruim. Na verdade, nós tivemos até uma regressão na medida em que o programa das UPPs, que seria o centro desse processo de construção de paz no Rio de Janeiro, fracassou.

Unidades foram implantadas sem o planejamento adequado e, hoje, elas são meramente decorativas – uma ou outra comunidade é exceção.

O que temos é o domínio, novamente, desses territórios pelas gangues armadas que disputam o controle do comércio de drogas. Isso levou, inclusive, a esse trágico episódio de dois soldados da Força Nacional que foram baleados no Complexo da Maré.

A que se deve esse fracasso das UPPs?

A ideia da UPP implica em ter uma saturação inicial de policiais para retomar o controle do território de modo que depois possa ser implantado o processo da polícia de proximidade. Isso aconteceu em comunidades menores como a do Pavãozinho e a da Dona Marta.

Agora, fazer isso em lugares como o Complexo do Alemão e da Maré é um projeto de marketing eleitoreiro que não deixa resultado algum. Ao contrário. Esses locais hoje estão ingovernáveis.

O senhor foi responsável pelo planejamento da segurança dos Jogos Panamericanos. Qual é o desafio de elaborar um plano desse tipo para um megaevento em uma cidade com um histórico de violência como o Rio de Janeiro?

Você tem que criar uma cultura — isso é um conceito da ONU — de segurança cidadã que está baseado na ideia de uma polícia que a se aproxima da população e em quem a população possa confiar. Infelizmente, o que acontece no Rio de Janeiro é que a polícia e as comunidades têm uma relação de estranhamento. Uma mudança de paradigma tem que acontecer.

Nesse sentido, o que deu certo nos Jogos Panamericanos?

Obviamente não dá para comparar os Jogos Panamericanos com as Olimpíadas. O que deu certo naquela época foram as apostas voltadas para integrar as comunidades no processo de transição de paz na cidade. Por exemplo, nós levamos para Brasília lideranças comunitárias para apresentar o projeto de segurança e treiná-las para que pudessem atuar como agentes comunitários.

Isso, infelizmente, não aconteceu agora. A Rio-2016 é como como um circo que chega na cidade, faz o espetáculo e vai embora e não deixa legado algum.

Por que não haverá legado?

A minha crítica é ao fato de ter colocado o comando da segurança das Olimpíadas na mão das Forças Armadas, que não tem inteligência, capacidade, preparo e perfil para fazer segurança pública.

Quem deveria estar, no mínimo, ao lado das forças de defesa seriam os policiais militares que sabem como funciona a dinâmica criminal da cidade e, portanto, poderiam evitar problemas como esse que nós estamos vivenciando.

Daí vem a ideia de circo: faz a segurança para a Olimpíada, mas as Forças Armadas vão embora e o que fica de legado de segurança para a cidade? Nada.

Os casos de violência relatados nos últimos dias são sinais de falhas na gestão de segurança ou são inevitáveis?

Problemas certamente existiriam e vão existir. Agora, eu me foco fundamentalmente nesse episódio que acometeu os dois integrantes da Força Nacional que entraram em uma comunidade supostamente pacificada e foram fuzilados. Isso mostra o seguinte: que essas pessoas não foram orientadas que ali não podia entrar e, mais do que isso, se é uma comunidade pacificada como ocorre isso?

Antes das Olimpíadas, havia uma grande preocupação com possíveis ataques terroristas. Estamos preparados para lidar com esse tipo de ação?

Obviamente que é impossível impedir um ataque terrorista. As vulnerabilidades são todas. Estamos na mão da sorte para que nada possa acontecer.

Por que dependemos de sorte? 

Em condições normais, o Brasil não é um palco para atentado terrorista. A nossa população não tem tradição de enfrentar esse problema. Deveria ter feito um projeto para criar, sem pânico, uma cultura de segurança. O que acontece hoje: qualquer mochila abandonada é transformada em uma potencial ameaça terrorista. As pessoas vão do 8 ao 80 porque não há essa cultura. Há falta de planejamento, falta de ação e, no limite, falta de conhecimento.

Veja também: Este é o plano do Brasil para manter a Rio-2016 segura

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