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Se Biden ganhar, relação diplomática com Brasil deve esfriar

Se houver troca de governo, Brasil pode ficar isolado em questões ideológicas, mas sem impacto do ponto de vista econômico

Eleições americanas: Donald Trump e Joe Biden (montagem/Exame)

Eleições americanas: Donald Trump e Joe Biden (montagem/Exame)

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Alessandra Azevedo

Publicado em 3 de novembro de 2020 às 19h02.

O impacto do resultado da disputa entre Joe Biden e Donald Trump para a Casa Branca, a ser divulgado nesta quarta-feira, 4, deve ir além das fronteiras dos Estados Unidos. A definição do nome que ocupará o posto mais alto do país tem potencial de afetar dinâmicas diplomáticas, econômicas e políticas, inclusive, no Brasil. Caso o candidato democrata vença o pleito, especialistas esperam algum grau de isolamento brasileiro em questões ideológicas, com a perda da política de camaradagem entre Trump e o presidente Jair Bolsonaro. Mas, do ponto de vista econômico, há poucas mudanças à vista.

Uma eventual troca de comando nos EUA não deve ter impacto significativo no comércio exterior ou no rumo de acordos e negociações em andamento. “A mudança será mais ideológica. Em termos estruturais profundos e comerciais, não deve mudar muita coisa”, acredita o professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Carlos Poggio, especialista em política americana. “O democrata vem com agendas que não são prioritárias para o governo brasileiro, como direitos humanos e meio ambiente, o que gera um isolamento inicial. Mas, a longo prazo, não interfere em políticas importantes", diz Poggio.

O afastamento de questões ideológicas, embora possa enfraquecer discursos governistas no Brasil, não deve influenciar nas relações econômicas entre os países, no caso de uma vitória de Biden. “A relação entre Brasil e EUA deve esfriar, mas não quebra”, resume o diretor da consultoria Eurasia no Brasil, Silvio Cascione. Na visão dele, caso Biden assuma a presidência, alguns temas podem desacelerar, como a negociação para que o Brasil entre na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas não parar. “Já não é algo rápido, que viria agora. Mas, se a relação ficar mais distante, deve caminhar mais devagar”, considera Cascione.

Mesmo com as discordâncias, Biden não deve assumir um papel de antagonista do governo brasileiro ou impedir qualquer avanço na agenda bilateral, se for eleito, como apontam as pesquisas. “A relação é mais profunda do que isso”, avalia o especialista da Eurasia. Afinal, hoje, os Estados Unidos são o segundo principal parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. De janeiro a setembro deste ano, as exportações e importações com o país norte-americano somaram 33,4 bilhões de dólares, de acordo com o Monitor do Comércio Brasil-EUA, da Câmara de Comércio Americana (Amcham).

A troca entre os dois países já é, portanto, consolidada. Nesse contexto, o analista político Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice, também não acredita que o resultado das eleições fará diferença na ampliação de acordos. “Já era difícil acontecer, por exemplo, um acordo de livre comércio entre os países. O Brasil é mais concorrente dos EUA do que convergente em muitos pontos, como na produção agrícola”, lembra. Em vários produtos, como soja, milho e etanol, os dois países disputam os mesmos mercados. “Não existe muita abertura nessa área”, acredita Aragão.

O que pode acontecer, caso haja uma relação boa entre os dois governos, é uma sinalização positiva para os negócios, aponta o CEO da consultoria BMJ, Wagner Parente. Até mesmo a parte agrícola pode ser beneficiada por uma postura respeitosa e pragmática, se houver troca de presidente. “Existe espaço para que possamos cooperar, em vez de competir. Por exemplo, no etanol, hoje foco de grande concorrência. Talvez pudesse ter cooperação para aumento do uso desse combustível, com viés, inclusive, ambiental”, avalia, lembrando que Biden defende uma política mais ambientalista.

Meio ambiente

O cenário com Biden no poder, apontado como mais provável, aumentará a pressão por políticas rigorosas ligadas ao meio ambiente — o que pode, inclusive, ser uma exigência para que o Brasil entre na OCDE, dizem especialistas. A cobrança por foco em ações de combate ao desmatamento e às queimadas é a principal mudança esperada com uma eventual troca na Presidência dos Estados Unidos. Se o democrata assumir o posto, será grande o risco de sanções econômicas por descumprimento de metas de redução do desmatamento na Amazônia, por exemplo, como já antecipou o próprio candidato.

Sob novo comando, os EUA podem se unir à pressão já feita, atualmente, pela União Europeia, que ainda não ratificou o acordo de livre comércio com o Mercosul, realizado no ano passado, por discordar das políticas ambientais adotadas pelo Brasil. “Algo parecido pode acontecer, agora, por parte dos Estados Unidos. Se eleito, Biden pode condicionar a ratificação de acordos firmados recentemente com o Brasil à efetivação de uma agenda ambiental mais séria”, acredita Parente.

Mas, se Trump se mantiver na cadeira mais alta dos EUA, a pressão por mudanças ambientais continuará sendo preocupação apenas da União Europeia. Menos chances, portanto, de que o Brasil sofra sanções ainda maiores por negligência nesse setor. A expectativa, se o republicano vencer as eleições, é de continuidade nos discursos ideológicos e políticas ainda mais protecionistas por parte dos EUA, dois pontos que podem influenciar o Brasil. “Se Trump voltar, vem muito mais forte”, diz o CEO da BMJ.

Guerra comercial

Nesse caso, o republicano "virá com uma retórica mais aguerrida, contra acordo climático e cooperação multilateral", acredita Parente. "E é provável que Bolsonaro vá na mesma esteira”, acrescenta. Se houver vitória de Trump, o esperado é acirramento de disputas comerciais com a China e alinhamento maior do Brasil com os Estados Unidos em matérias estratégicas. Uma delas é a implementação do 5G, disputada por chineses e norte-americanos. Enquanto Trump atua pela exclusão da China na nova tecnologia, com Biden, a conversa tende a ser mais pragmática.

“Não acho que o governo Biden vai pressionar o Brasil para que flexibilize a utilização do padrão chinês. É muito provável que não haja pressão nem para um lado nem para o outro”, acredita Parente. Já Trump vê a América Latina como um dos principais campos de batalha de influência contra a China. O Brasil, aliado, será o primeiro a sofrer pressão por adotar o 5G norte-americano. "Trump quer aproveitar a dita amizade com Bolsonaro para que se converta em ações práticas em relação à China, a começar pela exclusão da disputa do 5G", diz Thiago de Aragão.

Para Silvio Cascione, da Eurasia, a tensão entre EUA e China continuará, ainda que Biden seja eleito, mas não terá a mesma dinâmica imprevisível. “A guerra comercial não vai embora com Trump. Mas a forma de atuação muda. Trump anuncia no Twitter mudança de tarifa para o aço, por exemplo. Biden vai ser mais previsível e mais pragmático para dobrar os chineses na disputa comercial”, acredita. “Isso diminui um pouco a tensão comercial. Para alguns países, como o Brasil, a guerra comercial, em alguns momentos, estava sendo uma oportunidade para exportar. Isso vai ser menos claro se Biden vencer”, acrescenta.

Diplomacia

O perfil de Biden é, em geral, mais pragmático, sendo essa a expectativa principal também em relação ao presidente brasileiro, principalmente caso o democrata ganhe. Caberá a Bolsonaro fazer uma transição diplomática, caso seja eleito Biden, ou manter um tom ameno, caso Trump continue no poder. Isso porque, mesmo que perca a Presidência, o Partido Democrata deve ter grande poder no Congresso americano. “Espera-se que Bolsonaro parabenize Biden, caso ele ganhe. E, se Trump vencer, não deve fazer provocações em relação ao adversário, porque a chance de uma das duas casas legislativas ficar com os democratas é boa. No mínimo, a Câmara”, afirma Thiago de Aragão.

O analista da Arko Advice lembra que Biden é mais envolvido com a política partidária do que Trump. Em junho deste ano, a Comissão de Orçamento e Tributos da Câmara dos Estados Unidos, de maioria democrata, foi contra ampliar acordos comerciais com o Brasil por discordar da política ambiental adotada. “Como Biden é mais de partido, a tendência dele validar e fazer comentários sobre os assuntos é alta. Nisso, entra a importância da resposta do Brasil. É preciso desenvolver uma relação boa, honesta e amigável com os democratas”, diz Aragão.

Para o analista da Arko Advice, o problema não será o apoio atual do presidente brasileiro a Trump, mas a forma com que ele vai lidar com uma eventual derrota do republicano. “Biden não teria problema com o que ele já falou. O determinante é a forma como Bolsonaro agirá a partir do dia um", diz. Segundo Aragão, "o pragmatismo é a chave”, inclusive por parte do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que “precisa evitar a cultura dos pequenos comentários e provocações”.

O posicionamento de Bolsonaro deve ser observado assim que começar a apuração dos votos e depois, se houver disputa judicial após o resultado das urnas. A diferença de votos entre Trump e Biden, ao que tudo indica, não deve ser tão grande a ponto de permitir vitória folgada do democrata. “Vai abrir espaço para discussões estaduais, onde ocorreram votos maciços pelo correio, e depois na Suprema Corte. O posicionamento brasileiro nesse cenário pode determinar a relação com o próximo governo. Se Bolsonaro tomar partido pelo Trump e depois for derrotado, a relação com Biden pode ser afetada”, acredita Parente.

 

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