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São Paulo comemora 466 anos marcada por diversidade e desigualdade

Cidade comemora 466 anos neste sábado (25) com contrastes violentos entre suas regiões e também com o resto do país

Cidade de São Paulo tem o segundo metro quadrado médio mais caro do índice (Filipe Frazao/Thinkstock)

Cidade de São Paulo tem o segundo metro quadrado médio mais caro do índice (Filipe Frazao/Thinkstock)

Isabela Rovaroto

Isabela Rovaroto

Publicado em 25 de janeiro de 2020 às 12h00.

Última atualização em 25 de janeiro de 2020 às 15h23.

São Paulo - Mariano Ferreira de Queiroz, de 64 anos, vive em São Paulo há mais de quatro décadas. Ele deixou Ubaí, no norte de Minas, ainda jovem junto com cinco dos seus nove irmãos para "tentar a vida na cidade grande" e fugir da miséria.

A família optou por São Paulo, que completa 466 anos neste sábado (25), pela mesma razão que muitos antes e depois dele: promessa de trabalho. Mariano aprendeu a ser jardineiro, função que exerceu a vida toda, e se aposentou em 2008, mas só parou de trabalhar após ter um acidente vascular cerebral (AVC).

Ele e sua esposa vivem com um salário mínimo e na mesma casa há 28 anos, no Jardim Emburá, no extremo sul da cidade, sem água potável nas torneiras ou coleta de esgoto.

O distrito de Marsilac, onde fica a casa e onde quase metade da população é preta ou parda, está entre os piores da cidade em 18 dos 50 indicadores analisados pelo Mapa da Desigualdade criado pela Rede Nossa São Paulo.

Lá não há nenhum equipamento público de cultura e de esporte. O distrito também é líder em mortalidade infantil. A proporção de óbitos de crianças menores de um ano para cada mil nascidas vivas é de 24,59 contra 10,5 na média da cidade e apenas 1,07 em Perdizes, distrito com o melhor resultado.

Desigualdade

A arquiteta Karina Ieiri, de 30 anos, tem outra experiência da cidade. Ela se mudou há cinco anos com o marido para o Morumbi, na Zona Oeste da cidade, mas ainda não se adaptou: “Não é um bairro que te convida a andar, não tem espaço público", diz ela. "É um bairro murado e com ruas desertas”.

O Morumbi faz fronteira com a favela de Paraisópolis, um contraste que rendeu uma das fotos mais utilizadas no país e no mundo como símbolo da desigualdade extrema.

A arborização também é uma das mais alta da cidade no distrito, com uma proporção de 1.377 árvores por quilômetro quadrado. No outro extremo, novamente Marsilac, com 3,2 árvores na mesma medida.

Vladimir Bartalini, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), diz que a arborização não deve ser encarada como algo supérfluo:

“Interfere de várias maneiras, como na atenuação dos efeitos das poluições atmosférica e sonora, na contenção de deslizamentos e na temperatura, um dos efeitos mais evidentes", diz ele. "A vegetação traz também prazer estético e bem-estar, que não se medem em decibéis ou em graus”, completa.

Oportunidade de trabalho

A diferença entre oportunidades também aparece no Mapa da Desigualdade. Enquanto na Barra Funda, área central, a taxa de emprego formal é de 59,2 por dez habitantes com idade ativa, na Cidade Tiradentes, no extremo leste, o número é de 0,2. A média registrada em São Paulo é de 6,7.

Professor de economia da Fundação Getúlio Vargas, Renan Pieri diz que é esperado que a área central tenha boa parte dos postos de trabalho pois ela concentra comércio e serviços, além de maior renda.

“Nos bairros mais pobres o índice de criminalidade é mais alto, existem inseguranças jurídicas com relação as propriedades dos terrenos e eles em geral não são planejados. Tudo isso afasta investimentos. Aliado a isso não há demanda local, porque a renda das pessoas é mais baixa”, diz.

Ainda assim, São Paulo segue atrativa para pessoas de todo o Brasil em busca de emprego. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados nesta sexta-feira (24), mostram que foram mais de 80 mil novas vagas com carteira assinada na cidade em 2019.

É o equivalente a cerca de um a cada oito empregos novos no país. Enquanto isso, 8 das 27 capitais tiveram saldo negativo de vagas no ano, incluindo o Rio de Janeiro, segunda maior cidade do país.

Cultura e esporte

Em Marsilac, onde mora o jardineiro Mariano, não há equipamentos públicos de cultura – mesma situação de outros 23 distritos da capital. Já no Morumbi, onde mora a arquiteta Karina, a proporção de equipamentos públicos de cultura para cada cem mil habitantes é de 5,83, contra 4 na média da cidade.

De acordo com o secretário municipal de cultura, Alê Youssef, os locais onde não há equipamento público são prioritários para a pasta.

“Existe uma preocupação muito intensa em espalhar cultura por todos os cantos da cidade e estamos satisfeitos com os resultados. Agora no carnaval, por exemplo, nós tivemos inscrições de blocos nas 32 subprefeituras. Na Virada Cultural tivermos shows de grandes artistas nas periferias”, diz.

Mesmo com a desigualdade interna, São Paulo se destaca do resto do país pela vida cultural vibrante e marcada pela diversidade. A parada do orgulho LGBT, por exemplo, é uma das maiores do mundo.

Programação de aniversário

A vocação cultural paulistana será celebrada neste sábado de aniversário com mais de 300 atividades como shows, cinema, dança, teatro e circo, em cerca de 150 pontos.

Na programação, artistas como Elba Ramalho com Bixiga 70, Karol Conka, Rashid, Ney Matogrosso, Skank, Demônios da Garoa e a bateria da escola de samba Vai-Vai. Entre os destaques fora do centro estão Emicida na Praça Brasil na Zona Leste, Falamansa na Freguesia do Ó e Marcelo Jeneci na Lapa.

A administração paulistana também quer mostrar contraste com o obscurantismo do governo Bolsonaro com o Festival Verão Sem Censura, com obras censuradas recentemente por órgãos do governo federal.

Serão mais 45 atividades abertas e gratuitas nas cinco regiões da cidade. O festival começou no dia 17 com show de Arnaldo Antunes, que teve um videoclipe censurado na TV, e apresentação do DJ Rennan da Penha, funkeiro idealizador do Baile da Gaiola preso em março e libertado em novembro.

O evento também exibiu o filme Bruna Surfistinha, atacado pelo presidente Jair Bolsonaro como mau uso de dinheiro público, e será encerrado no Theatro Municipal com apresentação da peça “Roda Viva”.

O espetáculo, escrito por Chico Buarque e com direção de José Celso Martinez, foi censurado durante a ditadura militar. A programação completa está disponível no site da secretaria de cultura.

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