Bairro União das Vilas, Uruguaina: A marca da desigualdade no saneamento básico é muito clara (Germano Lüders/Exame)
Agência O Globo
Publicado em 1 de março de 2020 às 10h41.
RIO, DUQUE DE CAIXAS E SÃO JOÃO DE MERITI - O mapa do saneamento no Brasil reflete e aprofunda a desigualdade do país. Dados do Instituto Trata Brasil mostram que trabalhadores que vivem em áreas sem acesso aos serviços básicos têm salários médios menores do que os que vivem em áreas com atendimento.
O mesmo acontece na educação, seja em anos de estudo ou até mesmo no resultado do Enem. Para especialistas, o aporte em saneamento pode melhorar o desempenho escolar de crianças e jovens e, na ponta, ampliar a produtividade e a renda do trabalhador.
"A marca da desigualdade no saneamento básico é muito clara. Talvez seja a política pública com distribuição mais desigual no país. As diferenças são nítidas se analisamos o serviço por região, por níveis de renda ou raça. Se o Brasil reiniciar os investimentos adequados no setor e olhar para essa população mais vulnerável, vai reduzir a pobreza e a desigualdade", diz Léo Heller, pesquisador da Fiocruz Minas e relator especial da ONU para o direito humano à água e ao esgotamento sanitário.
Pouco mais da metade da população (53,2%) tem coleta de esgoto. Um recorte regional, no entanto, mostra que a cobertura acompanha a variação de renda. No Sudeste, a taxa chega a 79,2%, enquanto é de apenas 10,5% no Norte e 28% no Nordeste.
Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, destaca que o problema é mais grave do que pode ser percebido:
"O sistema atual, como está, vai resultar em mais duas gerações de brasileiros vivendo no esgoto. Dados oficiais falam em mais de 83% da população em moradias ligadas à rede de água. Não quer dizer água regularmente na torneira. Há gente que recebe água um dia da semana ou nem recebe. É um prejuízo enorme."
Especialista em infraestrutura, Frischtak vê no saneamento uma ferramenta para melhorar os resultados em educação e no trabalho:
"O crescimento do país acontece com base em duas variáveis. Uma é a produtividade do trabalho, em que avançamos 0,65% ao ano. A outra é o crescimento da população em idade ativa, que, com a transição demográfica, vai começar a encolher. Ou seja, nosso potencial de crescimento é baixo e será decrescente. Para melhorar a produtividade, precisamos de saneamento e educação."
A escolaridade média das pessoas que vivem em áreas com serviços de saneamento é de 9,73 anos, já a daquelas que não têm acesso a água e esgoto fica em 5,63. O efeito pode ser visto também no desempenho no Enem. Em 2018, a nota média dos estudantes com banheiro em casa foi 531,73. A dos que não têm, 482,09.
O Censo Escolar 2018, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostra que, das 181,9 mil escolas da educação básica (que vão do ensino infantil ao médio), 16% não dispõem de banheiro dentro do prédio; uma em cada quatro (26%) não possui acesso a água encanada e perto da metade (49%) não está ligada à rede de esgoto.
Para Juciara Palma, de 23 anos, moradora do Pilar, em Duque de Caxias, chuvas torrenciais são sinônimo de perda de aula. A mistura de água pluvial e esgoto que toma as ruas do bairro impede que ela, que voltou a estudar em um supletivo, e seus filhos, de 7 e 3 anos, saiam de casa em meio ao risco de doenças.
"Qualquer chuva mais forte alaga e fica difícil sair de casa, fica tudo preto de esgoto. Prejudica ir à escola e o aprendizado (dela e das crianças). São dois dias para baixar a água e até peixe tem na porta quando baixa", lamenta a moradora, que vive numa rua com várias placas de “vende-se”, devido às más condições do bairro.
A falta do saneamento desvaloriza imóveis e dificulta a expansão do mercado imobiliário. O aluguel médio das moradias com saneamento no país é de R$ 795,58 ao mês, nas que não dispõem de água e esgoto, o valor cai a R$ 178,42.