Brasil

Salvação, no Rio, só entre os políticos

Sérgio Cabral completou um ano na cadeia, mas deputados do partido foram soltos por colegas. Qual a salvação para o estado?

Com a sobrevivência em jogo e a alta contaminação do ambiente político no Rio, classe política deve seguir de costas para a opinião pública.

Com a sobrevivência em jogo e a alta contaminação do ambiente político no Rio, classe política deve seguir de costas para a opinião pública.

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 18 de novembro de 2017 às 08h30.

Última atualização em 21 de novembro de 2017 às 16h09.

Com a semana de recesso parlamentar em Brasília, e com o soterramento das denúncias contra o presidente Michel Temer, o Rio de Janeiro tornou-se o expoente da crise financeira e política que acomete o país. No dia que o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) completou um ano na cadeia, três deputados estaduais do partido, incluindo o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, foram soltos pelos colegas, que revogaram a prisão preventiva determinada um dia antes pela Justiça.

Na quinta-feira, as investigações de corrupção chegaram ao Legislativo, acusando Picciani, seu antecessor Paulo Melo e Edson Albertassi de integrarem o esquema de corrupção da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio, a Fetranspor. O Ministério Público Federal justificou “crime continuado” para prender o trio em flagrante, como determina a Constituição para parlamentares com mandato.

Para os procuradores, Picciani e Melo teriam recebido 112 milhões de reais em propina para favorecer o empresário Jacob Barata Filho, o “rei do ônibus”, em contratos com o governo. É uma extensão do combinado que envolve o ex-governador Cabral.

A Alerj convocou sessão extraordinária nesta sexta-feira para deliberar sobre a prisão. A prerrogativa toma por base a decisão do Supremo que decide que medidas cautelares contra parlamentares devem ser aprovadas pelo Congresso. Em votação aberta, 39 deputados votaram pela soltura, enquanto 19 foram favoráveis a manter a preventiva. Mais uma vez, como no caso Aécio Neves (PSDB-MG), parlamentares optaram pela salvação.

Com a sobrevivência em jogo e a alta contaminação do ambiente político no Rio, a tendência é que a classe política siga acuada e de costas para a opinião pública. O esfacelamento do PMDB é só mais um fator que aumenta a tensão e torna ainda mais incerto o destino político do Rio a partir de 2018.

“O problema é que não houve nenhuma mudança na reforma política que favoreça a renovação. Pelo contrário”, diz Wagner Parente, diretor da consultoria política Barral M Jorge. “Ainda que possa gerar distorções como estamos vendo no Rio de Janeiro, existe embasamento para que as decisões do Judiciário sejam submetidas ao legislativo. A única chance de uma real mudança é maior informação da população e consciência do voto”.

O PSL, que está em processo de renomeação para Livres, promete entrar com ação no Supremo Tribunal Federal para anular a revogação das prisões dos peemedebistas, por entenderem que a jurisprudência criada pelo tribunal para Câmara dos Deputados e o Senado não cabe às Assembleias e Câmaras municipais. “Precisamos ser intransigentes no combate à corrupção e a esta organização criminosa que domina a Alerj e o governo do Rio há muitos anos”, disse em nota o presidente estadual do Livres, Paulo Gontijo.

O mais provável é que a ação não prospere. “A resolução do Supremo é um freio ao poder do Judiciário de impor cautelares, com certeza. Mas que faz sentido por se tratar de intervenção entre poderes. É preciso um sistema de controle recíprocos”, afirma o constitucionalista e professor da Fundação Getúlio Vargas Rubens Glezer. “O fundamento da decisão do Supremo é que o Legislativo tenha o direito de decidir, mas também arque com o custo de tomar essa decisão política”.

Pelo jeito, o custo de manter o chefe em liberdade é menor do que a perda de votos na urna. Afinal, a Lava-Jato mostra que abrir o bico para entregar o passado sombrio dos amigos pouco custa aos poderosos presos.

Cabral e ninguém mais 

O ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) tem três condenações e outras 13 denúncias nas costas, acusado de corrupção nos mais variados setores da administração pública: saúde, transportes e obras públicas, entre tantas outras. É tamanha a gravidade da situação que a força-tarefa da Operação Lava-Jato no Rio supera em quantidade o trabalho da célula de Curitiba.

Pela primeira vez desde o início da força tarefa, em 2014, Curitiba não é a campeã de operações este ano — há três meses, inclusive, não há qualquer operação ali. No total, Curitiba coordenou 46 operações em quatro anos. Foram sete em 2014, 14 em 2015 (com 43 prisões), 16 em 2016 (com 66 prisões), e nove em 2017 (com 18 prisões). No Rio de Janeiro a primeira operação foi em 2015 (com duas prisões). Em 2016, foram três operações (com 16 prisões); em 2017 foram, até aqui, 14 operações (com um recorde anual de 78 prisões). Os números são do Ministério Público Federal.

A última delas foi a Operação Cadeia Velha, que se iniciou na terça-feira. Além dos políticos, o principal alvo foi o empresário Felipe Picciani, filho do presidente da Alerj. Sem foro privilegiado, Felipe foi preso. Na ocasião, Jacob Barata Filho voltou para a prisão, junto com o ex-presidente da Fetranspor Lélis Teixeira. A dupla havia sido libertada por um habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

Não parou por aí. Segundo o marqueteiro do PMDB e novo colaborador do MPF, Renato Pereira, o ministro do Esporte, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), irmão de Felipe e filho de Jorge, teria direcionado uma licitação de publicidade da pasta para favorecer a empresa Prole Propaganda. A Prole foi classificada entre as duas vencedoras em uma conta de 55 milhões de reais com a pasta de Picciani, mas desistiu de prestar os serviços dias depois que Sérgio Cabral foi preso. No lugar ficou a Calia Y2, terceira classificada na licitação e que pertence a outro nome ligado ao PMDB: Gustavo Mouco, irmão do marqueteiro do presidente Michel Temer, Elsinho Mouco.

Na imensa lista de descobertas do MPF ainda estão o envolvimento de superempresários nos esquemas do governo, como Eike Batista, acusado de pagar 16,5 milhões de reais em propinas ao grupo de Cabral, e aparelhamento do Tribunal de Contas do Estado, que teve cinco conselheiros presos na Operação O Quinto do Ouro, por aceitarem suborno para fazer vista grossa nos contratos públicos que envolviam justamente as empreiteiras, empresas de ônibus e licitações das mais diversas pastas da administração peemedebista.

O último bastião do partido dominante do Rio, o ex-prefeito da capital Eduardo Paes, começa também a surgir em cenário sob suspeita. Segundo a delação premiada do marqueteiro Renato Pereira, Paes teria negociado, pessoalmente, repasses de caixa dois durante a campanha eleitoral. O valor chegaria a 20 milhões de reais na disputa de 2012, parte pagos pela Odebrecht.

Cabral é o único do clã peemedebista atrás das grades. O ritmo de condenações, seja no Rio ou em Curitiba, está em quinta marcha apenas na primeira instância. Os tribunais superiores seguem em lentidão e agora padecem de mais um fator de complicação contra a impunidade.

“O que enfraquece o Judiciário é não ter regras claras e transparecer parcialidade. De resto, cumprir a lei às vezes traz resultados indesejados, mas é o preço a se pagar em um Estado Democrático de Direito”, diz Glezer, da FGV. “O problema é quando o Judiciário quer administrar politicamente a crise e esquece do Direito”.

Em 11 meses, os eleitores do Rio vão às urnas e têm uma oportunidade única de terminar de vez com a carreira política de uma geração que levou o estado à lona.

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