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Rodrigo Pimentel: “Intervenção no Rio é política, mas necessária”

O ex-PM que inspirou o personagem do filme Tropa de Elite afirma que o governo precisa investir na criação de espaços urbanos seguros

RODRIGO PIMENTEL: "a ação em favela não deve ser a espinha dorsal da política de segurança pública" (foto/Divulgação)

RODRIGO PIMENTEL: "a ação em favela não deve ser a espinha dorsal da política de segurança pública" (foto/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 10 de março de 2018 às 09h51.

Última atualização em 10 de março de 2018 às 09h52.

Após três semanas de intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, pouca coisa mudou na vida do fluminense. Pessoas continuam sendo atingidas por balas perdidas, como o idoso Valdir Vieira da Silva, de 66 anos, morto no domingo, 4 de março, na Vila Kennedy. A violência segue interrompendo o tráfego das principais avenidas da cidade, como ocorreu na quarta-feira, dia 7, quando a Linha Amarela foi fechada duas vezes, por causa de um tiroteio na Cidade de Deus.

O ex-policial militar Rodrigo Pimentel, que inspirou o personagem Capitão Nascimento, do filme Tropa de Elite, falou a EXAME sobre a crise de segurança no Rio e a intervenção federal, que completa três semanas. Pimentel deixou o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) em 2001, mas continua acompanhando a segurança pública (ou a falta de) no estado.

Depois de sete anos como comentarista do tema em telejornais da Rede Globo, passou a se dedicar a palestras motivacionais e à carreira de cineasta. Atualmente, trabalha em um filme que mostrará as agruras vividas por policiais de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). A cantora Anitta é cotada para estrelar a produção.

Como o senhor avalia a intervenção federal até o momento?

Até a terça-feira 6 de março eu estava muito desanimado, porque quase três semanas após a intervenção ter sido decretada o general Braga Netto ainda não havia nomeado o comando das polícias do estado. Mas a escolha feita por ele, tanto para o comando da Polícia Militar, quanto para o da Polícia Civil, me deixou muito animado. São os melhores nomes das duas corporações. O delegado Rivaldo Barbosa, que dirigia a investigação de homicídios, é responsável por um aumento expressivo do índice de esclarecimento de homicídios no estado do Rio, de 3% para quase 30%. O Luis Cláudio Laviano também é um policial muito completo. Nunca esteve envolvido em corrupção, tem a vivência das operações de confronto direto, porque já comandou o Bope, e também conhece muito bem as áreas mais problemáticas da cidade, porque dirigiu a Coordenadoria de Polícia Pacificadora. Essas escolhas sinalizam que as Forças Armadas adotaram uma postura cautelosa, de quem não quer errar.

O senhor é favorável à intervenção?

Não tenho dúvida de que a intervenção foi uma decisão do governo tomada com interesse político. Ao mesmo tempo, considero a intervenção necessária. As pessoas contrárias à intervenção argumentam que o Rio de Janeiro não é o estado mais violento da federação. Isso é verdade. Mas o Rio tem peculiaridades que nenhum outro lugar do país tem, que são áreas onde não há Estado. Há poucos lugares no mundo onde o Estado não consegue entrar, exercer seu poder, como acontece em certas favelas no Rio de Janeiro. Fora isso, toda a liderança política do estado está presa ou inelegível, passando por ex-presidente da Assembleia, ex-governador e ex-prefeito. Estamos falando de um estado sem comando. Prova disso é que em um dia a cúpula da PM apresenta um estudo recomendando o fechamento de 18 UPPs, mas, no dia seguinte, o governador Pezão afirma à imprensa que todas as UPPs serão mantidas. E o bandido também sabe que não há comando. Essa junção de fatores torna o Rio um caso totalmente sui generis, e isso justifica, sim, uma intervenção federal.

O senhor acha que as UPPs devem acabar?

Fui um dos maiores entusiastas das UPPs, mas, com o tempo, descobri que esse modelo não era sustentável, porque não teria policiais suficientes para cobrir uma favela como a Rocinha. A Rocinha tem 77.000 habitantes e milhares de quilômetros de becos onde a polícia não consegue se deslocar com rapidez. Há becos na Rocinha em que há incidência de luz solar por apenas três horas do dia. De resto é só escuridão. Mesmo que o Beltrame (José Mariano, ex-secretário de Segurança Pública do Rio) colocasse 10.000 homens por lá, o que seria impossível financeiramente para o estado, ele não conseguiria vasculhar toda a favela. Hoje, se apenas as UPPs do Complexo do Lins fossem extintas, teríamos 1.200 policiais patrulhando as ruas do Méier, que é uma das regiões do Rio que mais têm assaltos.

Mas os números da violência melhoraram com as UPPs, certo?

Se formos olhar apenas os números, o Rio de Janeiro está melhor hoje do que estava há vinte anos (a cidade chegou a ter 65 mortes violentas por 100.000 habitantes ao ano na década de 1990, e o índice caiu para 24, entre 2012 e 2014, na gestão de Beltrame). Desde 2014, voltou a subir (32,5 homicídios por 100.000 habitantes em 2017). Os bandidos se adaptaram às UPPs. No início, o tráfico recuou porque não conhecia o funcionamento da UPP. Depois, o traficante percebeu que poderia voltar devagarzinho naquele beco mais escuro, naquela esquina em que os policiais não vão com frequência. Ou seja, o traficante, gradativamente, foi voltando para a favela. Um dia, a polícia descobriu o traficante no beco e trocou tiros com os bandidos. O traficante, por sua vez, descobriu que poderia voltar de uma vez por todas, porque compreendeu que a dinâmica do policial da UPP é muito parecida com a do policial que entra na favela para realizar operação. Descobriu que o policial não percorre as áreas mais escuras, e que ele se recolhe para o contêiner (onde geralmente é instalada a base física da UPP) às 10 da noite. É claro que as UPPs têm mais chance de controlar a criminalidade em favelas mais urbanizadas e organizadas, mas não em territórios como o de uma Rocinha.

As operações policiais nas favelas, como tantas que o senhor participou quando atuava no Bope, também não parecem ser a solução.

Exato. A PM realiza pelo menos dez operações de repressão ao tráfico de drogas por dia na capital fluminense. São 200, 300, até 400 policiais mobilizados para entrar de manhã em favelas e apreender cocaína, fuzis e maconha. São operações que quase sempre geram transtornos para a população. É escola fechada, é bala perdida, as pessoas não conseguem ir para o trabalho etc. E tudo isso para quê? Para a polícia contabilizar o número de bandidos presos e de fuzis e drogas apreendidos. Acontece que isso não melhora em nada a vida das pessoas. A população depende do turismo na cidade, depende da Linha Amarela não ser fechada duas vezes por semana, depende de não ter bloqueio da Linha Vermelha, de não ter ônibus queimado na Oscar Niemeyer. Mas a gente continua achando que combater o crime no Rio de Janeiro é realizar grandes operações policiais nos redutos do tráfico. Acontece que a questão não é a intensidade da porrada que a polícia dá.

O senhor quer dizer que a polícia deveria parar de enfrentar os traficantes?

Não estou falando que devemos tornar o Rio de Janeiro uma área livre para o narcotráfico, mas a ação em favela não deve ser a espinha dorsal da política de segurança pública. Nem sempre, entrar na Chatuba, matar 15 bandidos e apreender 15 fuzis vai resultar no aumento de percepção de segurança da população. Pelo contrário, pode causar o efeito inverso, aumentar o medo. E segurança não é só número, é também percepção. O aumento da percepção da violência afeta a atividade econômica, evita que as pessoas saiam à noite, arrasa o turismo, reduz investimentos.

Mas qual seria a saída, então, para reduzir a violência no Rio?

O governo precisa investir na criação de espaços urbanos seguros. Isto é, áreas em que a população tenha convicção de que a violência não acontece. Você faz isso dando visibilidade ao policiamento. O que é melhor para o Rio de Janeiro, 50 policiais por noite na Lapa, tornando a região mais atrativa para a vida noturna, com bares, restaurantes, espetáculos musicais etc, ou aplicar esses mesmos 50 policiais toda noite para realizar operação na Rocinha? A criação de espaços urbanos seguros traz muito mais sensação de bem-estar, sensação de que a cidade não está violenta, aumenta a atividade econômica. A criação dessas ilhas de segurança pode induzir a população a acreditar que esses espaços podem ser reproduzidos em outros bairros. Com isso, você gera a sensação de que o Rio de Janeiro pode ter solução, sim. A iniciativa privada começou a inventar formas de estabelecer essas áreas aqui no Rio. Desde o início da Operação Segurança Presente — criada pela Federação do Comércio depois da morte do médico Jaime Gold (esfaqueado enquanto andava de bicicleta na Lagoa Rodrigo de Freitas, em maio de 2015) – não houve mais registros de lesão corporal praticados na Lagoa. O que faz essa operação? Contrata policiais de folga para patrulhar permanentemente a Lagoa e áreas do Centro e do Méier. Esses policiais usam fardas ostensivas, para mostrar que realmente estão presentes. Veja que os casos de violência vinham crescendo na Lagoa antes da morte do Jaime Gold, e, desde então, não tivemos nenhum.

Mas o que poderia ser feito na Rocinha, uma área muito diferente da Lagoa?

A solução é reurbanizar a favela, abrir avenidas, ruas, servidões, fazer com que as viaturas possam circular por toda a área.

O senhor quer dizer que segurança não é só um problema de polícia, mas depende de outras áreas do Estado, como dizia o secretário Beltrame?

Acho que segurança, além de polícia é, sim, esporte, educação, saneamento, mas também acho que é uma questão de Justiça. Hoje, o componente Justiça atrapalha, em vez de ajudar. O bandido tem de ter certeza de que vai ser punido se for pego com arma de fogo. Hoje, o tempo médio de prisão de alguém que porta um fuzil é de onze meses, segundo um levantamento feito por policiais no Rio. Outro exemplo: não acontece nada com o receptador de carga roubada no Rio de Janeiro. O cidadão responde em liberdade. Desse jeito, nem chamando a Scotland Yard diminuiremos a criminalidade.

A Justiça é branda na sua opinião?

Em muitos casos, os juízes se mostram desconectados da realidade. Basta saber que o Rogério 157 (que entrou em guerra pelo comando do tráfico na Rocinha em 2017) foi solto por um desembargador que alegou que o prazo de prisão preventiva (81 dias) havia vencido, sem que ele tivesse sido julgado. Ocorre que o Rogério 157 era um notório traficante da Rocinha e havia sido preso em 2010, depois de invadir um hotel e fazer reféns na Zona Sul do Rio, quando foi flagrado pela polícia voltando de uma festa fora da favela.

Há leis que precisam ser mudadas?

Sem dúvida. O porte de fuzil deveria ser considerado crime de alto potencial ofensivo, com pena mínima de 12 anos. Assim, o cidadão passaria pelo menos quatro anos na cadeia. Quem usa fuzil quer matar. É preciso aumentar a pena de receptador de carga roubada. Esse é um crime considerado de baixo potencial ofensivo, e a lei diz que ninguém poderá ser preso por crime de baixo potencial ofensivo. Hoje, sob o ponto de vista econômico, o roubo de carga é mais danoso ao Rio de Janeiro do que a venda de cocaína.

Que resultados o senhor espera da intervenção?

O Exército não tem um histórico de sucesso em intervenções no Rio. Vamos lembrar que os militares ficaram um ano no Complexo da Maré, e, no final, os traficantes continuaram vendendo cocaína, aterrorizando moradores, assassinando lideranças comunitárias. Desta vez, acho que a intervenção pode ter um outro resultado, que é apresentar uma solução para a gestão da Segurança Pública do Rio, que vive um caos administrativo gerencial. Veja que as polícias fluminenses têm 3.111 policiais cedidos a diversos órgãos. São policiais servindo de segurança e motorista para deputados, promotores e juízes.

O General Braga Neto já pediu a volta desses policiais, inclusive.

Sim. Foi uma das primeiras coisas que ele fez ao assumir. Até agora ele não só não conseguiu a volta dos policiais, como ainda perdeu outros 54 para o Tribunal Regional Eleitoral. Quero acreditar que ele ainda não conseguiu reincorporar os policiais cedidos por causa da confusão do governo Temer, que até poucos dias atrás não tinha oficializado os atos administrativos que dão poder, de fato, ao interventor. Imagino que ele ainda vá tentar trazer esse contingente de volta para as polícias. É claro que vai haver choradeira de juiz, de deputado, mas é aí que vamos saber o tamanho da caneta do general, se ele tem mesmo poder. De qualquer forma, acho que, apesar de não conseguirem reduzir a criminalidade, os generais da intervenção podem contribuir muito com a gestão da estrutura de segurança do estado.

O senhor acredita que as Forças Armadas não vão ajudar a reduzir a violência, então?

Se os militares continuarem contando com as mesmas ferramentas que os policiais já usam, e que comprovadamente não funcionam, não vai mudar nada. É inexequível, por exemplo, realizar uma busca e apreensão numa favela para apreender fuzis sem mandado de busca e apreensão coletivo. Uma favela é um emaranhado de casas sobrepostas, quase sempre sem numeração, endereço, relógio de luz. É impossível dar um endereço certo para conseguir um mandado de um juiz de plantão. Para agir da mesma forma que a Polícia, será só desgaste da imagem da instituição. Eu concordo que o lar seja inviolável, mas se o governo chama o Exército Brasileiro, é porque estamos em uma situação de extremo desespero. A França, que é uma democracia reconhecida, adotou medidas extraordinárias após os atentados terroristas. O policial francês passou a poder entrar em qualquer casa para realizar busca e apreensão, quando houver suspeita de terrorismo. Por que a democracia brasileira não pode adotar medidas duras para enfrentar um problema que mata mais que o terrorismo? Para enfrentar o crime, mesmo com inteligência, é preciso ter instrumentos jurídicos que permitam que o criminoso seja capturado e que ele permaneça preso.

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