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Robalinho, do MP: bingos abrem país ao crime

Para José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, legalização dos bingos facilitaria lavagem de dinheiro

ROBALINHO: o Brasil não tem nenhuma condição de fiscalizar os jogos  / Roberto Stuckert Filho/PR

ROBALINHO: o Brasil não tem nenhuma condição de fiscalizar os jogos / Roberto Stuckert Filho/PR

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Gian Kojikovski

Publicado em 4 de agosto de 2016 às 16h06.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h27.

Depois da pressão popular e de um projeto levado ao Congresso com o endosso de 2,5 milhões de assinaturas, senadores e deputados começaram a debater na terça-feira 2 o projeto de lei Dez Medidas Contra a Corrupção. Nesta quinta-feira, foi a vez de ouvir o juiz federal Sergio Moro sobre a proposta. Iniciativa do Ministério Público, as medidas preveem maior prevenção e penas mais duras e prevenção para os corruptos. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, recebeu EXAME Hoje em seu escritório no prédio da Procuradoria Geral da República, em Brasília, para falar sobre esse projeto e outros dois temas sensíveis ao Ministério Público: a polêmica lei que deve tratar sobre o abuso de autoridade no país e a possibilidade de liberação dos jogos de azar no segundo semestre.

O desejo do Ministério Público é que o projeto das Dez Medidas seja aprovado até dia 9 de dezembro, Dia Mundial de Combate a Corrupção. É possível?
Rodrigo Maia deu uma sinalização política muito importante ao fazer sua primeira audiência como presidente da Câmara com os apoiadores do projetos. O relator, Onyx Lorenzoni, não apenas estava presente, como foi convocado pelo presidente a trabalhar durante o mês de julho, que é de recesso, em cima do cronograma de votação. Então, estamos otimistas, até porque eles confirmaram que a intenção é votar até essa data simbólica. Parece algo razoável. A Câmara está mostrando vontade política de debater, a maior parte dos projetos (são 20) que compões as dez medidas.

Existe certo medo na sociedade de que o projeto seja transformado e perca força durante a discussão. Isso pode acontecer?
Pelo que nós estamos sentindo, das dez medidas, umas sete passam com absoluta tranquilidade, mas alguns assuntos são mais polêmicos. Por exemplo, uma das propostas é o teste de integridade sobre funcionários públicos. Isso existe em vários lugares do mundo e permite que os órgãos de controle, como corregedorias internas, possam provocar uma situação de corrupção, como oferecer propina para um funcionário numa encenação. Se for aceito, é razão para um processo disciplinar. Críticos dizem que criminalmente não se pode fazer um flagrante preparado. É algo forte, mas que existe em vários lugares do mundo e tem muita importância para controlar a corrupção. O principal foco são os setores de compra de produtos e serviços. O Congresso está reagindo mal à proposta. Acha que ela é muito forte. Então, vamos debater e esperamos chegar ao melhor resultado.

A ideia é que essa lei seja um marco na administração pública brasileira?Com certeza. As propostas alteram pontos que hoje levam à falta de eficiência no combate a corrupção. E, principalmente, num ponto que é fraco no Brasil e que a Lava-Jato é um ponto fora da curva: a recuperação de ativos. Temos processos que prescrevem depois de 20 anos e o dinheiro acaba sendo liberado nos países onde está. Esse tipo de situação o Brasil não pode permitir que continue.

Quais os outros legados da Lava-Jato?
Principalmente a forma de trabalhar os crimes financeiros; a forma de obter provas no exterior; a forma de saber procurar, dentro daquela massa enorme de dinheiro, o que representa uma anomalia. Tudo isso representam tecnologias de investigação que foram sendo aprendidas pelo ministério público e pela Polícia Federal e que com certeza serão usadas em outros casos. Isso só mostra que o Estado aprendeu a fazer investigação contra crimes financeiros, o que não é uma coisa banal.

Existe um projeto tramitando no Senado que deve atualizar a lei que trata do abuso de autoridade. É um projeto polêmico. Ele pode prejudicar a investigação criminal no Brasil?
A lei atual, de 1965, é horrorosa. E não é ruim só porque é antiga, mas também porque foi feita durante a ditadura militar, com a intenção de deixar os torturadores escaparem. Então, alterá-la está correto. O problema com esse projeto que o presidente do Senado queria aprovar no começo de julho é que ele tramitaria apenas uma semana. Fazer isso sem um debate é péssimo. Outra coisa: o projeto que está sendo levado ao debate tem problemas sérios. Há artigos que parecem querer punir o devido exercício da autoridade e não o abuso. Por exemplo, a lei puniria a interpretação jurídica. Em artigos diferentes, dizia que se o Ministério Público entrasse com um processo indevidamente, ele seria punido. É característica do contraditório, em qualquer processo, que o Ministério Público tenha uma opinião jurídica, mas nada impede que, com o decorrer da análise de provas, se perceba que a acusação não tem base. Esse é o exercício normal da função. Criminalizar essa ação é mais para coagir a investigação do que corrigir os problemas da lei atual.

É errado focar em investigadores?
O grande foco de qualquer lei de abuso de autoridade é a polícia. Não quer dizer que a polícia tenha mais pecados que outras autoridades, mas ela anda armada, não pode desrespeitar os direitos do cidadão, levar uma pessoa presa indevidamente, usar indevidamente a arma. Isso tem que ser atacado. No final das contas, o que não faz sentido é, em pleno contexto de Lava-Jato, tentar punir a investigação com artigos genéricos.

Como o senhor vê o fato de o senador Renan Calheiros, que pode ser beneficiado do projeto, estar à frente dessa tramitação?
Vou ser claro. Eu gostaria muito que, como cidadão, o senador Renan Calheiros tivesse sido mais comedido em suas declarações. Então, queria pegar esse exemplo para dizer que qualquer pessoa que encara medidas como o pedido de prisão feito pelo procurador Rodrigo Janot pode agir de maneira mais impulsiva e fazer as declarações que ele fez. Mas vale ressaltar que ele sempre disse que o Senado vai agir de maneira técnica e imparcial quanto ao projeto e ao voltar atrás na decisão de votar o projeto em uma semana.

O Brasil vive um momento de crise econômica e voltou a se debater a possibilidade da liberação dos jogos de azar no país. Isso pode abrir caminho para novos crimes no sistema financeiro?
Nós somos fortemente contra a aprovação desse projeto, da maneira mais severa possível. No Brasil, há cerca de 15 anos, parte dos jogos, especificamente os bingos, foram legalizados durante algum tempo. Durante essa fase, o bingo foi controlado por membros do crime organizado para servir de base para a lavagem de dinheiro. Figuras que hoje são populares como Carlinhos Cachoeira e o próprio Alberto Yousseff foram proprietários de bingos, e isso não é por acaso. Eles usavam os bingos para lavar dinheiro.

Os defensores do projeto dizem que a Receita Federal seria responsável por fiscalizar. O senhor é contra. É impossível fiscalizar o jogo no Brasil? A Receita Federal já disse várias vezes de maneira oficial que não tem condição de fiscalizar ninguém sobre lavagem de dinheiro. Ela vai fiscalizar se o imposto foi pago. Mas isso é facilmente burlável. Vou dar um exemplo claro. Se um bingo tem capacidade nominal de receber 5.000 pessoas por dia. Caso em um determinado dia o movimento de pessoas seja de 500, o lavador de dinheiro pode colocar 3.000. Ele paga o imposto sobre aqueles 3.000 e fica tudo certo no papel. Esse imposto sobre 2.500 pessoas que não existiam seria o custo para que ele legalize um dinheiro irregular. E do ponto de vista da Receita, estaria tudo certo.

Então é impossível fiscalizar o jogo no Brasil?

O Brasil não tem nenhuma condição de fazer essa fiscalização. Podemos até fazer uma separação entre cassinos e bingos. Na proposta que está tramitando no Senado, se propõe um número reduzido de cassinos. Em tese, seria possível montar uma comissão de jogo no Brasil responsável por alguns poucos cassinos em um modelo rígido parecido com o que ocorre nos Estados Unidos. Agora, bingos não dá. Há quem fale em 70.000 estabelecimentos no país. A Receita Federal vai fiscalizar se o imposto foi pago, o que é facilmente burlável – não dá para saber se o bingo recebe 500 ou 3.000 pessoas por dia. A chance de passar para estados e municípios e acreditar que eles têm essa capacidade, com todo o respeito, é absolutamente zero. A fiscalização dos cassinos é difícil, a dos bingos é impossível. Se o Congresso fizer isso, estará abrindo o país completamente para o crime organizado.

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