Carnaval do Rio: Escolas se recusaram a pisar na Sapucaí no ano que vem depois da prefeitura reduzir repasses (Tata Barreto/ Riotur/Fotos Públicas)
Estadão Conteúdo
Publicado em 17 de junho de 2017 às 16h36.
Rio - Depois de reduzir de R$ 2 milhões para R$ 1 milhão o repasse às escolas de samba do Grupo Especial, levando-as a se recusar a pisar na Sapucaí no carnaval do ano que vem, a prefeitura do Rio anunciou que estuda a criação de um modelo de financiamento privado para as agremiações, como é feito com os desfiles dos blocos de rua. A ideia seria criar regras para que empresas patrocinem as agremiações.
Neste sábado (17)no período da tarde, integrantes de escolas farão um protesto ao som de samba em frente à prefeitura, com caminhada até o sambódromo.
Na ausência do prefeito, Marcelo Crivella (PRB), que cancelou uma reunião que teria com a Liga Independente das Escolas de samba (Liesa) esta semana (pouco antes do horário combinado, segundo dirigentes), e viajou para um evento sobre ciclismo na Holanda, a Riotur se manifestou sobre o imbróglio na sexta-feira, garantindo que "não existe motivo para polêmica".
Em nota, o órgão municipal, responsável pela realização dos desfiles, informou que "já estuda o desenvolvimento de mecanismos para que sejam captados investimentos da iniciativa privada", e que poderá lançar um caderno de encargos para as empresas - documento com as diretrizes que devem ser seguidas pelos patrocinadores e suas contrapartidas. "O carnaval do Rio está garantido. E vai continuar sendo o maior espetáculo do planeta", diz o comunicado.
A alegação do prefeito é que os R$ 13 milhões que iriam para as escolas (R$ 1 milhão para cada) será agora destinado a creches municipais. A nota da Riotur diz que "diante da crise, deve-se priorizar o que é essencial, e, nesse momento, aplicar recursos na educação e na alimentação das crianças nas creches é primordial".
O argumento é considerado demagógico por integrantes de escolas ouvidos pela reportagem do Estado. Eles acreditam que o comportamento do prefeito está contaminado pelo fato de ele ser bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, que repudia o carnaval.
"Opor carnaval e creche é demagogia total", critica o carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira. "O prefeito tem extrema má vontade com o carnaval. Não visitou a Cidade do Samba (onde ficam os barracões), não entregou as chaves da cidade ao Rei Momo, não foi aos desfiles. Ele representa a ideologia evangélica. Carnaval não gera despesa para os cofres públicos, e sim receita".
A soma da subvenção da prefeitura, dos valores recebidos da TV Globo pelos direitos de transmissão dos desfiles e da venda de ingressos da Sapucaí dá cerca de R$ 5 milhões para cada escola. Por conta da crise, as agremiações perderam nos últimos anos verbas do governo do Estado e da Petrobrás e patrocínios de empresas, de modo que a redução do subsídio do município terá grande impacto na produção do carnaval, argumentam.
Dirigentes se sentem traídos por Crivella, que contou com o apoio deles na campanha do ano passado, inclusive com pedidos de votos nas quadras, e alegam que a festa atraiu mais de 1 milhão de turistas este ano, e movimentou a economia em R$ 3 bilhões.
"O discurso do prefeito não tem cabimento, carnaval é cultura, educação é educação. É uma decepção, vai afetar diretamente 10 mil empregos diretos e indiretos. Quero ouvir isso dele", disse o presidente da Mangueira, Chiquinho da Mangueira. "Não é um prefeito ligado ao carnaval. As escolas são cobradas cada vez mais, não podem retroagir. É preciso dialogar", opinou Junior Schall, ex-diretor da Vila Isabel, hoje na Vai-Vai.
"O prefeito prometeu que não ia mexer na subvenção e ainda ia ajudar mais; por exemplo, com o fim da cobrança do Imposto Sobre Serviços das escolas. Ele não tem a dimensão da importância dos desfiles. Os barracões empregam funcionários o ano inteiro, são 40 pessoas por uns 9 meses e 300 perto do carnaval", afirmou o diretor de carnaval da Grande Rio, Dudu Azevedo.
Para a pesquisadora de carnaval Rachel Valença, integrante da Velha Guarda do Império Serrano, Crivella erra não ao reduzir o repasse, e sim por não aproveitar o momento para cobrar transparência das escolas nas prestações de contas à prefeitura. Ela não acredita que os patrocínios privados sejam a solução. "Até hoje as empresas só procuraram as escolas para serem enredo. Não acredito em patrocínio desinteressado."