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Da Redação
Publicado em 30 de janeiro de 2013 às 17h52.
Santa Maria - A tragédia que matou 235 pessoas em Santa Maria servirá deve estabelecer um novo paradigma no planejamento de segurança de locais públicos, acredita o delegado que chefia a investigação, Marcelo Arigony, que também aponta responsabilidade "escancarada" do poder público no desastre.
Para ele, as irregularidades identificadas até aqui na boate Kiss foram consequência de leniência e falha na fiscalização. Por isso, diz que a responsabilidade do poder público está "escancarada" e chega a falar na possibilidade de a Câmara de Vereadores de Santa Maria destituir o prefeito Cezar Schirmer (PMDB).
"Este vai ser um 'leading case', um paradigma novo. Porque se nós temos uma porta de segurança, ela tem que ter a possibilidade de ser aberta. E, se tem 1.600 pessoas lá dentro --talvez tivesse-- elas têm que sair em dois minutos, se a fumaça mata em dois minutos", disse Arigony em entrevista à Reuters nesta quarta-feira.
"Se nós temos uma boate que não tem como fazer essas pessoas saírem em dois minutos, ela não pode funcionar." Entre os indícios de irregularidades que a polícia busca comprovar documentalmente estão alvarás vencidos, reforma não documentada e falta de fiscalização regular. Elementos que também serão investigados pelo Ministério Público.
"Provavelmente a gente termine (o inquérito) determinando as responsabilidades, dizendo que não havia fiscalização lá há muito tempo, que talvez o bombeiro tenha fornecido o alvará para aquela porta que tinha que ser maior, ou tinha que ter duas portas", disse.
Precisa ser apurada também, segundo Arigony, a responsabilidade política da prefeitura. "Daqui a pouco a Câmara de Vereadores pode fazer o impeachment do prefeito", disse, deixando claro que esse papel é dos vereadores.
"(O que precisamos pensar é) Será que estes órgãos estão fazendo a fiscalização? Será que estão expedindo os alvarás concretamente, ou só formalmente, de faz de conta?", questionou.
"Tem que se apurar a inoperância, leniência e falta de aptidão do poder público. Tenho certeza que as coisas vão mudar", acrescenta.
O incêndio na boate começou, segundo a polícia, quando um integrante da banda Gurizada Fandangueira, que tocava no local, acendeu um sinalizador. Uma faísca do artefato entrou em contato com o revestimento acústico que estava no teto, dando início a chamas e liberando uma fumaça tóxica que matou a maioria das vítimas por asfixia.
O delegado disse que a polícia não tem dúvidas sobre a causa do incêndio e disse também ter certeza que a casa estava superlotada e que o sistema de escape foi falho. O número máximo de pessoas permitido era de 690, segundo os bombeiros, e Arigony acredita que havia obstáculos em frente às portas.
O delegado disse ainda que seu conhecimento empírico o faz acreditar que as irregularidades que comprometeram a segurança na boate Kiss é algo que ocorre em todo o país.
"Pedimos que bombeiros e fiscais imediatamente fizessem fiscalizações e suspendessem atividades de todos os estabelecimentos da cidade. Por quê? Porque pelo que conhecemos empiricamente, é tudo irregular. E isso não é daqui (Santa Maria), é de Brasil", disse.
O delegado afirma que tem sofrido pressão da população para que sejam punidos também agentes públicos, depois que a polícia prendeu preventivamente os dois donos da boate e dois integrantes da banda.
"Eu não posso, ao apurar um homicídio, prender quem fez a arma. A não ser que se descubra alguma coisa a mais. As pessoas estão nos cobrando ‘por que prendeu os empresários e não prendeu o secretário, o prefeito, o bombeiro?' Porque a prisão temporária é de investigação, preciso deles separados para ouvi-los, fazer acareação", disse.
NOITE TRÁGICA
Além dos mortos, jovens em sua maioria, há ainda 142 pessoas internadas em hospitais por conta do incêndio, sendo 82 em estado grave e respirando com a ajuda de aparelhos.
Arigony, que chegou ao local ainda na madrugada de domingo, afirma que o cenário era devastador.
Ele acredita que muitos corpos foram encontrados no banheiro porque as pessoas confundiram a luz do local com a claridade do dia, apesar de ser ainda noite.
"Muita gente correu para lá. Eram corpos empilhados como gado", disse.