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Reparação de danos por petróleo custará bilhões, diz presidente do Ibama

Ibama indicou que foram recolhidas quase 4 mil toneladas de resíduos de óleo das praias

Recuperação: exército retira óleo na praia de Itapuma, em Cabo de Santo Agostinho (Diego Nigro/Reuters)

Recuperação: exército retira óleo na praia de Itapuma, em Cabo de Santo Agostinho (Diego Nigro/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 5 de novembro de 2019 às 08h33.

Última atualização em 5 de novembro de 2019 às 08h35.

São Paulo — O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, disse ontem que a reparação do dano ambiental provocado pelo óleo em praias do Nordeste "com certeza" será na "casa dos bilhões". A responsabilização depende ainda da conclusão das investigações.

De acordo com Bim, mais de uma multa ambiental pode ser aplicada em casos desta proporção. Cada uma delas tem valor máximo de R$ 50 milhões.

Segundo o delegado Franco Perazzoni, chefe do serviço de geointeligência da Polícia Federal, diversas medidas de "descapitalização" do responsável pela tragédia também são possíveis, além da multa, como sequestro de bens e arresto.

Ele disse que os danos pelo derramamento de óleo são de "tal monta" que acabam sendo irreparáveis. A pena para crimes como de poluição, não notificar incidentes ao mar e delito ambiental pode chegar a 10 anos, segundo Perazzoni.

Advogados ouvidos pelo Estado avaliaram que, além da questão ambiental, também poderão ser cobradas indenizações pelo prejuízo causado a trabalhadores, como pescadores e donos de pousadas em áreas turísticas afetadas. No caso da pesca, há relatos de dificuldade em vender os produtos, uma vez que a população teme a contaminação.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai avaliar os riscos do consumo após resultado de análises encomendadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Criação de camarão

No momento crítico que os manguezais estão passando, em meio ao derramamento de óleo no Nordeste, o governo federal fez uma alteração em um plano de proteção que pode vir a fragilizá-los ainda mais.

À revelia de pareceres contrários de seu corpo técnico, o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou no dia 30 uma alteração no Plano de Ação Nacional (PAN), revogando um item que previa ações para a erradicação de carcinicultura (criação de camarão em cativeiro) e a recuperação dos sistemas já afetados.

A mudança foi feita após pedido do secretário da Pesca, Jorge Seif Júnior - o mesmo que afirmou na quinta-feira que os peixes são inteligentes e fogem quando veem óleo e, por isso, não haveria problema em comer pescado no Nordeste. A secretaria é ligada ao Ministério da Agricultura.

De acordo com o ICMBio, os PANs são instrumentos de políticas públicas que identificam e orientam ações prioritárias para combater as ameaças que põem em risco populações de espécies e os ambientes naturais. Existem PANs para mais de 60% das espécies brasileiras ameaçadas de extinção. O dos manguezais foi o primeiro a contemplar todo um ecossistema.

Cada PAN conta com um grupo de assessoramento técnico (GAT), mas todos foram extintos no começo deste ano quando o presidente Jair Bolsonaro decretou um "revogaço". Por isso, precisaram ser reeditados.

Criado em janeiro de 2015, o PAN Manguezal tinha vigência até janeiro do ano que vem. Ele foi republicado por meio de portaria do ICMBio no dia 10 de setembro, nos mesmos termos da versão original. Logo na sequência, conforme apurou o Estado, Seif Júnior entrou em contato com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pedindo a revogação do objetivo 9 do PAN - justamente o que estabelecia ações contra a carcinicultura. No dia 16, ele enviou um ofício formal ao presidente do ICMBio, Homero de Giorge Cerqueira, alegando que o item contraria o Código Florestal.

A lei, reformulada em 2012, considera manguezais como áreas de preservação permanente, mas permite cultivos no chamado apicum, um trecho mais seco e sem árvores. O Estado teve acesso a toda a documentação do processo interno dentro do ICMBio. Houve várias manifestações técnicas das coordenações responsáveis a favor do objetivo 9 e até mesmo um parecer jurídico da Procuradoria Federal especializada.

A carcinicultura, explica a oceanógrafa Yara Schaeffer-Novelli, professora sênior da USP, é considerada danosa para o sensível ambiente dos manguezais, que servem de berçário para diversas espécies, além de serem fonte econômica para diversas comunidades de pescadores e marisqueiras. Yara fez parte do GAT até o começo deste ano, quando foi extinto. Ela estava fazendo justamente um estudo sobre impacto da carcinicultura nos manguezais. "A exclusão desse item acaba fazendo com que esses resultados acabem sendo jogados para debaixo do tapete."

Segundo ela, um dos problemas é que os manguezais são ecossistemas de usos múltiplos. "A carcinicultura acaba tirando isso. Além disso, é introduzida uma espécie exótica naquele ambiente e os despejos da água dos tanques, com alimentação dos camarões, com antibióticos, vão parar no estuário", explica Yara. A pesquisadora lembra ainda que a maior parte dessas fazendas de camarão está justamente no Rio Grande do Norte e no Ceará, alguns dos Estados mais afetados pelas manchas de óleo. Ela pondera também que, apesar da permissão do Código Florestal, boa parte do cultivo é ilegal e escapa dos apicuns, atingindo outras áreas dos manguezais. O ICMBio, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura foram procurados, mas não se manifestaram.

Previsões

O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, disse ontem que não sabe a quantidade de óleo derramado que ainda poderá atingir o litoral brasileiro. Até anteontem, 321 localidades, de 125 municípios, haviam sido afetadas. "É uma situação inédita. Esse desastre nunca aconteceu no Brasil ou no mundo. Esse tipo de óleo não é perceptível pelo radar, pelo satélite. Não sabemos a quantidade de (óleo) derramado que está por vir", afirmou Azevedo e Silva.

A declaração do ministro foi uma resposta a uma fala do presidente Jair Bolsonaro, no domingo, sobre o derramamento de óleo. O presidente disse que o "pior está por vir" e que uma "catástrofe ainda maior está para acontecer", sem, no entanto, dar detalhes. Ontem, o porta-voz da presidência, general Otávio Rêgo Barros, disse que as declarações de Bolsonaro foram feitas antes de ele receber informações da Defesa.

O governo federal anunciou ontem o início da segunda etapa da Operação Amazônia Azul - Mar Limpo é Vida, para conter o avanço do óleo. As Forças Armadas devem realizar "ações humanitárias relacionadas ao meio ambiente, cooperação na recuperação de áreas marítimas atingidas e monitoramento das águas jurisdicionais do Brasil", informou a Defesa.

Azevedo e Silva disse que as ações da pasta ocorrem em três frentes: apuração sobre responsáveis, identificação das manchas de óleo no mar e contenção de danos nas praias. Ainda não foi determinada a causa e a responsabilidade pelo derramamento do poluente. A Polícia Federal apontou o navio Bouboulina, de bandeira grega, como o principal suspeito pelo vazamento, mas a empresa Delta Tankers, dona da embarcação, nega irregularidades.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indicou que foram recolhidas quase 4 mil toneladas de resíduos de óleo das praias, mas manchas voltaram a aparecer ontem em algumas regiões.

Comandante de Operações Navais da Marinha, Leonardo Puntel afirmou que diminuiu a quantidade de óleo que chega às praias. Mas, assim como Azevedo e Silva, disse que não é possível estimar um prazo para o fim do problema. "Como o óleo navega submerso, é muito difícil detectá-lo", afirmou.

Bolsonaro esteve na Defesa, ontem, para receber informações sobre as investigações. Já o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi ao Parque Nacional de Abrolhos, no sul da Bahia.

No fim de semana, o poluente chegou a uma ilha do Arquipélago de Abrolhos, uma das áreas mais ricas em biodiversidade da América do Sul, e a visitação no parque foi suspensa para não atrapalhar atividades de remoção dos fragmentos de óleo e minimizar "possíveis danos à saúde dos visitantes", informou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Investigação

O governo brasileiro pediu, por meio da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), informações à Delta Tankers sobre o navio Bouboulina. "Ela vai tomar conhecimento da investigação toda e vai ter oportunidade de apresentar estes documentos que alega ter", disse ontem o delegado Franco Perazzoni, chefe do serviço de geointeligência da Polícia Federal (PF).

No fim de semana, a empresa afirmou que uma investigação em material de câmeras e sensores de suas embarcações não encontrou evidências de que o navio "tenha parado para fazer qualquer tipo de operação entre dois navios, vazado óleo, desacelerado e desviado do seu curso, na passagem da Venezuela para Malaca, na Malásia".

Segundo a PF, a embarcação partiu dos Estados Unidos em maio, atracou e abasteceu na Venezuela em meados de julho e, em seguida, passou pela costa brasileira, a 730 quilômetros da Paraíba, com destino a Cingapura. Perazzoni ponderou que a empresa é suspeita, mas não foi indiciada. "A gente vai reunir todos estes elementos e avaliar."

Segundo Puntel, foram abertos ainda dois inquéritos administrativos sobre o caso, por crime ambiental e para apurar fatos de navegação. A PF informou que o Brasil aguarda informações sobre o navio pedidas via cooperação internacional a Cingapura, Venezuela, África do Sul, Nigéria e Grécia.

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