Educação: ONU deu 60 dias para que o país justifique se há evidência empírica da necessidade da lei (Ryan McVay/Thinkstock)
Estadão Conteúdo
Publicado em 13 de abril de 2017 às 14h03.
Em documento enviado ao governo brasileiro, relatores da ONU denunciam as iniciativas legislativas no País com base no Programa Escola sem Partido e alertam que, se aprovadas, as leis podem representar uma violação ao direito de expressão nas salas de aulas e uma "censura significativa".
A manifestação foi enviada ao governo de Michel Temer pelos relatores da ONU para Liberdade de Expressão, David Kaye, pela relatora para a Educação, Boly Barry, e pelo relator de liberdade religiosa, Ahmed Shaheed.
O centro do alerta são dois projetos de lei que estão no Congresso e que, caso aprovados, os relatores da ONU consideram que representarão uma "restrição indevida ao direito de liberdade de expressão de alunos e professores no Brasil", com um impacto no ensino no País em diversos temas.
Se aplicadas, as leis serão ainda consideradas como uma "censura significativa". Na avaliação dos três especialistas, os projetos vão "restringir o direito do aluno de receber informação" e abrem brechas "arbitrárias" para que autoridades e os pais interfiram nas escolas. Os relatores pedem que os projetos sejam revistos para que atendam aos padrões internacionais de direitos humanos.
Os representantes da ONU ainda deram um prazo de 60 dias para que o governo responda se existe algum tipo de evidência empírica que sugira a necessidade da aplicação da lei da "Escola sem Partido" no Brasil.
O grupo também deixa claro que, se aplicado, o programa representará uma "violação" dos compromissos assumidos pelo País em educação e liberdades.
O princípio do projeto é o de incluir os fundamentos do "Escola sem Partido" nas diretrizes e bases da educação nacional. O intuito é que as leis sejam estabelecidas para impedir que professores promovam suas crenças políticas ou religiosas em sala de aula e mesmo que incitem estudantes a participarem de protestos.
No campo religioso, alguns dos projetos abrem a possibilidade para que os pais possam determinar como outras religiões que não as suas sejam ensinadas.
Cerca de nove Estados brasileiros tinham projetos sendo debatidos em suas câmaras legislativas, além dos dois textos também no Congresso em Brasília.
Outro fato que chamou a atenção da ONU foi a retirada, no dia 6 de abril, do termo "orientação sexual" dos textos dos currículos escolares que foram entregues ao Conselho Nacional de Educação.
Para os relatores ONU, os projetos de lei "geram preocupações com relação à interferência no direito à liberdade de expressão de professores e educadores".
Na avaliação dos relatores, o projeto não traz definições sobre o que seria "neutralidade religiosa e política" e apenas apresenta conceitos, sem qualquer tipo de esclarecimento.
De acordo com os peritos, os textos, portanto, podem impedir qualquer tipo de discussão sobre gênero e diversidade sexual, o que é "fundamental para prevenir estereótipos de gênero e atitudes homofobias por estudantes".
Outro alvo de críticas é a falta de definição sobre o que seria "doutrinação ideológica", que deixa margem para interpretação e permite que "virtualmente qualquer prática educacional de um professor possa ser classificada como doutrinação e fará a escola uma continuação do ambiente doméstico, e não uma instituição de educação".
O documento ressalta que, sem definição, a lei permite que "virtualmente qualquer prática pode ser condenada" e pode "prevenir o desenvolvimento de um pensamento crítico entre estudantes e a habilidade de refletir, concordar ou discordar com o que é exposto em aulas".