Brasil

Reforma da Previdência: um ano de batalha

Os debates para mudança no regime de aposentadoria continuam focados no Congresso, e não nos dados

INSS: passados 365 dias, houve uma suavização enorme da proposta original da reforma (INSS/Agência Brasil)

INSS: passados 365 dias, houve uma suavização enorme da proposta original da reforma (INSS/Agência Brasil)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 9 de dezembro de 2017 às 08h12.

Última atualização em 15 de dezembro de 2017 às 18h16.

Já faz um ano desde que a reforma da Previdência foi apresentada pelo governo de Michel Temer. O marco foi completado na última quarta-feira, mesmo dia em que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), esperava votar em Plenário o texto. Passados 365 dias, uma delação premiada que quase arruinou o Planalto e uma suavização enorme da proposta original, o governo segue em busca dos votos para alterar as regras de aposentadorias. A última tacada veio na sexta-feira, quando o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) foi escolhido como ministro da Secretaria de Governo, num esforço final de articulação com deputados aliados.

As estimativas ficaram entre 260 e 280 votos favoráveis, quando o governo queria 320 para manter alguma margem de certeza na aprovação. Pior que demorar um ano para avançar a reforma é levar esse tempo para perder. A parcela de deputados e partidos certos de que aprovar uma reforma é essencial para as contas do país deveria, na teoria, garantir uma vitória tranquila para o projeto. O problema é que as eleições de 2018 se aproximam, as verbas de campanha são escassas e as realizações com emendas parlamentares e cargos no governo são preciosas.

Desmarcada na última quarta-feira, o governo também sinalizou de que não a colocará em pauta na semana que vem. Restaria uma semana para votar ao menos em primeiro turno ainda este ano. A reforma foi corroída, mas nem assim adiantou. Em busca de uma economia de 678 bilhões de reais aos cofres públicos para os próximos dez anos, sendo 4,6 bilhões em 2018, o texto original, que determinava idade mínima de 65 anos para todos, com valores proporcionais ao tempo de contribuição mínimo de 25 anos, foi modificado.

Antes, o valor do benefício partia de 76% da média salarial e somava-se um ponto percentual a cada ano trabalhado, atingindo o máximo apenas com 49 anos de tributos em dia. Além de criar um regime geral de Previdência — isto é, incluindo o funcionalismo público — considerava desvincular o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e portadores de deficiência de famílias pobres, do salário mínimo e com idade mínima de 70 anos, versus 65. Mais longe ainda, o governo queria modificar a aposentadoria rural para enquadrá-la no regime geral.

Ainda que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tenha insistido no início que o texto não teria modificações, houve uma intensa fragmentação dos termos da reforma de lá para cá. Excluiu-se o BPC e a reforma rural da conta e, hoje, o texto se resume a tentar uma idade mínima e um ajuste no tempo de contribuição. Ainda assim, seria melhor que nada. Muito melhor, na visão de analistas e economistas que analisam a fundo as contas públicas.

Em artigo cedido exclusivamente a EXAME, os economistas Gustavo Marcos Szniter Mentlik, Naercio Menezes Filho e Bruno Kawaoka Komatsu, do Centro de Políticas Públicas do Insper, avaliaram o impacto do texto nas aposentadorias e suas consequências no mercado de trabalho. Com base nos dados da Pnad 2014 cruzados com o Anuário Estatístico da Previdência Social, descobriu-se que apenas 44% dos homens e 60% das mulheres aposentados efetivamente param de trabalhar.

Os demais, portanto, poderiam continuar ativos economicamente, arrecadando recursos e gerando menos desembolso no rombo previdenciário. Em 2014, apenas 17,4% dos beneficiários tinham mais de 65 anos e poderiam aplicar para a aposentadoria. Seriam 800.000 aposentados a menos, desconsiderando as concessões por invalidez.

Estabelecer uma idade limite, portanto, faria uma diferença abissal para a economia. Um exemplo concreto pode ser visto, segundo o estudo, na aposentadoria rural, que já prevê idade mínima. Como mostra o gráfico abaixo, o trabalhador apto a aposentar tende a fazer o pedido do benefício quase imediatamente ao chegar à idade mínima, de 55 anos para mulheres e 60 para homens. A proporção de aposentadas aos 54 é de 10%, mas salta para 45% aos 55. Entre os homens, a escalada é de 16% para 51% entre 59 e 60 anos.

Nos centros urbanos, como mostra o segundo gráfico, a ausência de uma idade mínima para se aposentar tende a espalhar mais o momento em que os trabalhadores pedem o benefício. Não se sabe o quanto essa dinâmica será alterada, em virtude da diferença de natureza de trabalho entre o campo e a cidade. Ainda assim, o gráfico escancara uma realidade que precisa mudar: uma enorme parcela dos trabalhadores urbanos acaba se aposentando antes dos 65 anos.

Gráfico 1. Aposentadoria rural. Fonte: CPP/Insper: Elaboração a partir de dados da PNAD 2014.

Gráfico 2. Aposentadoria urbana. Fonte: CPP/Insper: Elaboração a partir de dados da PNAD 2014.

“Na zona rural, há trabalhos muito duros, desde cedo e com baixa qualificação de estudo, então aumentar idade não é recomendado. Ficou melhor no texto atual do que era antes”, diz Naercio Menezes Filho, do Insper. “Mas nas áreas urbanas, mesmo as profissões mais difíceis serão compensadas pela expectativa de vida e barreiras para trabalho abusivo. As condições de saúde e bem-estar vai fazer com que, após a regra de transição, 65 anos não seja muito tarde para a aposentadoria”.

“O governo vendeu muito mal os avanços da reforma. A primeira versão transmitia a ideia de que prejudicaria a população mais vulnerável — e ia mesmo. Misturou uma questão justa, de igualar o serviço público com privado, com pontos que não precisavam ter existido”, diz o pesquisador.

Por que travou?

No fim de outubro, EXAME publicou uma lista de 11 vezes em que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, errou sobre a votação da Previdência. Sua primeira previsão era de que o texto poderia ser aprovado na Câmara dos Deputados em abril. Foi o palpite mais realista, considerando que um mês depois o governo quase seria derrubado pela delação de Joesley Batista, que pegou o presidente Michel Temer em conversas suspeitas que indicavam Rodrigo Rocha Loures para tratar os assuntos com o governo. Dias depois, o ex-deputado foi flagrado com uma mala de 500.000 reais em dinheiro vivo, até hoje mal justificada pelos peemedebistas.

As duas denúncias contra Temer deixaram a Previdência em segundo plano, enquanto a prioridade número um de 2017, que era a reforma, passou a ser a sobrevivência do governo. Voltou à pauta no início de novembro, após o arquivamento dos dois processos criminais. A liberação de emendas e distribuição de cargos foi mandatório para que parlamentares sentassem à mesa com o presidente. No saldo, duas trocas ministeriais, tirando dos tucanos Bruno Araújo e Antonio Imbassahy o Ministério das Cidades e a Secretaria de Governo. Entraram Alexandre Baldy, indicado pelo centrão, e Carlos Marun, o líder das tropas de choque de Temer e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a quem defendeu até a cassação do mandato em 2016.

“A parte técnica foi toda esgotada. Apresentamos tudo, demos os efeitos e fizemos as contas. Mas o loteamento político tem mais força. Ninguém se mexe sem ser beneficiado”, diz um membro da equipe econômica. Meirelles, por sua vez, voltou a fazer previsões e tentou garantir que será votada a reforma ainda neste ano.

Três consultores políticos disseram a EXAME que as chances de que o calendário do governo ser cumprido são quase nulas. A Arko Advice enviou comunicado aos clientes com uma enquete feita com 218 deputados federais, de 24 partidos, mostrando que 57,8% não acreditam que a reforma da Previdência saia na gestão do presidente Michel Temer. No geral, a consultoria vê 45% de chances de que a reforma seja aprovada antes de 2019.

Os debates, até o fim do ano, deveriam se pautar mais por números como da pesquisa do Insper, e menos pelo toma lá dá cá de Brasília. Mas essa batalha, todos sabemos, está perdida.

Acompanhe tudo sobre:Exame HojeMichel TemerReforma da Previdência

Mais de Brasil

Semáforo que usa IA e se abre para os ônibus: a aposta de Goiânia para atrair mais passageiros

Governador gaúcho pede que populações deixem áreas de risco

Defesa Civil alerta para ventos fortes na faixa leste de São Paulo

AGU vai definir estratégia para contestação de derrubada do IOF