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Reconhecimento de mortos na ditadura pode ser paralisado

A mudança nas gestões municipal e federal traz dúvidas sobre a continuidade do projeto

Cemitério: a descoberta da vala de Perus ocorreu em 1990 (Marcelo Camargo/ABr)

Cemitério: a descoberta da vala de Perus ocorreu em 1990 (Marcelo Camargo/ABr)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 7 de novembro de 2016 às 08h37.

Última atualização em 7 de novembro de 2016 às 08h45.

O trabalho de identificação das ossadas da vala de Perus, do cemitério Dom Bosco, na zona norte de São Paulo, pode ser interrompido por falta de recursos. Hoje, o projeto de reconhecimento dos corpos de desaparecidos do regime militar custa R$ 3 milhões por ano - pagos pela Prefeitura de São Paulo, Ministério da Educação e o Ministério de Justiça e Cidadania.

A mudança nas gestões municipal e federal, no momento em que contratos com parceiros do projeto dependem de renovação, traz dúvidas sobre sua continuidade. "Alguns contratos de profissionais vencem em janeiro, mas para a conclusão do projeto nos precisamos de pelo menos mais dois anos", alerta Carla Borges, coordenadora de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC).

A pasta faz parte do Grupo de Trabalho Perus (FTP), formado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pela Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos,

Hoje, a Prefeitura de São Paulo arca com R$ 440 mil, o Ministério da Justiça tem liberado, via emenda parlamentar, algo em torno de R$ 2 milhões, e o Ministério da Educação também tem liberado, via emenda parlamentar, outros R$ 500 mil. A previsão orçamentária para o próximo ano é de a Prefeitura dobrar seu valor, mas sua aprovação depende de votação na Câmara Municipal, que deve acontecer até o final deste mês.

Das 1.047 caixas de corpos que estão no Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), 530 já foram abertas e analisadas. Com essas análises, o grupo tem avançado na identificação de três desaparecidos políticos: Dimas Antônio Casemiro; Grenaldo de Jesus da Silva e Francisco José de Oliveira.

"Além da abertura das outras caixas e de todo o processo de limpeza e identificação, estamos na fase de coleta de DNA e cruzamento de informações com as amostras ósseas", explica Javier Amadeo, membro do comitê Gestor do GTP.

O atual secretário municipal de Direitos Humanos, Felipe de Paulo, espera que o projeto tenha continuidade com a nova gestão do prefeito João Doria (PSDB). "Ainda não houve nenhum processo de transição, mas tenho certeza que será republicano e estamos prontos para colaborar e garantir esse recurso para uma das ações mais importantes da nossa secretaria", avalia. A assessoria do prefeito eleito informou que Doria deve se pronunciar em breve.

Outro fator que tem colocado em risco o desenrolar dos trabalhos é o contrato, que vence em janeiro de 2017, com um grupo internacional de arqueólogos e antropólogos forenses. Da Argentina e Peru, eles aportam expertise ao projeto ainda não desenvolvida no País.

Famílias

Aos 74 anos, o historiador José Luís Del Roio vive a apreensão pela identificação de sua mulher desaparecida em 1972, a estudante Isis Dias de Oliveira. "Um quarto de século já se passou e ainda existem perguntas básicas que não foram respondidas: Como? Por quê? Quem?", pergunta. "O que o governo faz é uma imensa crueldade com quem tem parentes e amigos vítimas da ditadura militar", acrescenta, classificando o contexto de "tortura institucional". Além dele, outras 41 famílias vivem em situação parecida.

A descoberta da vala de Perus ocorreu durante a gestão da então prefeita Luiza Erundina, em 4 de setembro de 1990. O local, que originalmente foi aberto em 1972 e teria "funcionado" até 1976, também serviria para esconder corpos de indigentes, vítima de violência policial e, possivelmente, outros desaparecidos políticos que não aqueles previamente registrados no cemitério Dom Bosco, onde a vala está situada.

Transferência

A partir da abertura para identificação das ossadas na vala, familiares exigiram a transferência do material para o Departamento de Medicina Legal da Unicamp - já que no Instituto Médico Legal de São Paulo ainda atuavam médicos legistas que assinaram laudos falsos de presos políticos mortos em tortura.

Em 2001, as ossadas foram transferidas para o Cemitério do Araçá, na região central de São Paulo, e ficaram sob os cuidados da USP. No período, as caixas com as ossadas ficaram acondicionadas de forma precária - e passaram até por uma inundação. Só em 2014, já na Prefeitura de Fernando Haddad, foi criada a parceria entre o município, a Comissão Especial de Desaparecidos Políticos e a Unifesp. "O trabalho precisou ser retomado do zero. O que vai acontecer se, agora, o processo de identificação for interrompido, é que serão jogados fora muitos anos de pesquisa", diz Amadeo.

No próximo dia 28 de novembro, o Grupo de Trabalho Perus vai organizar uma audiência pública para prestar contas do que foi realizado até agora e apresentar resultados ao público.

Os ministérios da Educação e da Justiça e Cidadania foram procurados pela reportagem, mas até a conclusão desta edição não haviam se manifestado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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