Cristina Kirchner, presidente da Argentina: moeda brasileira é boa para o seu país (Chris McGrath/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 3 de novembro de 2010 às 05h20.
Buenos Aires - A valorização do real frente ao dólar é, junto com a alta dos preços das commodities agrícolas, um fator crucial para a expansão da economia argentina, pois compensa parcialmente a perda de competitividade do país.
Economistas locais acompanham de perto as flutuações cambiais no Brasil e as medidas do governo Lula para desvalorizar o real -- que no entanto já se fortaleceu em cerca de 6 por cento desde junho, atingindo seu maior valor em dois anos.
A valorização do real, segundo especialistas, mitiga o problema da competitividade argentina, já que para o Brasil continua sendo atraente importar produtos do país vizinho, especialmente os industriais, como automóveis e autopeças. Cerca de 85 por cento das exportações argentinas de veículos se destinam ao Brasil, graças às facilidades oferecidas pelo Mercosul.
"A única coisa que a economia argentina não pode suportar é uma desvalorização do real", disse o ex-presidente do Banco Central argentino Javier González Fraga. "E não acho que isso vá ocorrer."
A inflação se acelerou na Argentina nos últimos 12 meses e pode fechar 2010 em 27 por cento, segundo economistas, enquanto o peso local se manteve praticamente estável em torno de 4 por dólar.
O câmbio argentino é controlado há anos pelas autoridades, que intervêm quase diariamente no mercado. O real é, depois do dólar, a principal referência na política cambial do país.
Empresários argentinos se mostram preocupados com os crescentes custos em dólares provocados pela inflação elevada e pelo câmbio controlado. Mas a expansão econômica -- que neste ano pode ficar em torno de 9 por cento -- e do consumo mantêm essas queixas em segundo plano.
A consultoria Ecolatina disse em um recente relatório que o real forte permite à Argentina "moderar os efeitos de uma taxa de câmbio real cada vez mais valorizada." Mas advertiu que "em médio prazo, a continuidade do 'super-real' não está garantida, especialmente se a conta corrente continuar se deteriorando e as condições de liquidez mundial se tornarem menos favoráveis."
Um problema real
Na Argentina, a valorização real do peso -- ou seja, sua estabilidade frente ao dólar apesar da forte inflação -- é um problema para as empresas. Mas o governo aposta que, com o superávit comercial e com a força da moeda brasileira, será possível resistir às pressões da indústria pela desvalorização do peso.
Alguns economistas acham mesmo que em 2011, mantendo-se as condições macroeconômicas globais, o governo argentino e as empresas do país poderiam enfrentar o desafio de ter um peso ainda mais forte.
E acrescentam que o governo se aferrará à valorização da moeda como forma de manter certo controle sobre os preços, ao mesmo tempo em que mantém a expansão dos gastos públicas com vistas às eleições de 2011, nas quais a presidente Cristina Fernández de Kirchner deve disputar um segundo mandato.
"A estabilidade da taxa cambial é a única variável que contém o resto dos dois grandes desequilíbrios que a Argentina tem, que é o desequilíbrio fiscal e o desequilíbrio monetário", disse o ex-vice-ministro da Economia Jorge Todesca, diretor da consultoria Finsoport. "A revalorização cambial seguirá seu curso," previu.
A forte expansão econômica na Argentina está sendo garantida pelas safras recordes de soja e milho, e pela grande demanda brasileira por bens industrializados.
O fluxo comercial bilateral em setembro foi de 3,21 bilhões de dólares, maior nível deste ano, com um déficit de 514 milhões de dólares para a Argentina.
Enquanto os produtos brasileiros no exterior se encarecem, o mercado do Brasil foi o principal receptor das exportações argentinas -- 20,6 por cento do total -- entre janeiro e agosto, segundo a consultoria IES.
Produtos industriais (automóveis, autopeças, máquinas e plásticos, principalmente) e matérias-primas como o trigo impulsionaram esse comércio.
"Estamos bem por causa do Brasil... subindo a encosta com a inflação e o consumo, mas não é uma política sustentável com o tempo," disse Raúl Ochoa, economista especializado em comércio.
"O efeito do real a 1,68 ou 1,70 (por dólar) realmente é muito favorável para a competitividade argentina, porque amortiza o efeito de ter a taxa de câmbio fixa com inflação", explicou o economista Mario Blejer, ex-presidente do Banco Central Argentino.