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Reabertura precoce transforma Brasília em epicentro da covid-19

Brasília registra 2.133 casos de coronavírus por 100.000 habitantes, mais que o dobro da região metropolitana de São Paulo ou Rio de Janeiro

Coronavírus: Pessoas em hospital em Brasília (Andre Coelho/Getty Images)

Coronavírus: Pessoas em hospital em Brasília (Andre Coelho/Getty Images)

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Reuters

Publicado em 10 de julho de 2020 às 13h40.

Uma mulher de 80 anos desabou na rua na semana passada acometida pela covid-19, disseram vizinhos no subúrbio mais pobre e populoso de Brasília. Ela foi levada ao hospital e colocada em um ventilador.

Maria Aparecida Ferreira é avó da primeira-dama Michelle Bolsonaro, que cresceu em Ceilândia, uma cidade-satélite que se tornou um epicentro do contágio de coronavírus em Brasília.

A capital modernista foi a primeira cidade brasileira a adotar medidas de distanciamento social para conter a pandemia em março e estava indo bem até que a retirada prematura das restrições de quarentena provocou um aumento nos casos, dizem especialistas em saúde.

Entre os pacientes de elevados cargos da cidade está o próprio presidente Jair Bolsonaro, que afirmou na terça-feira ter resultado positivo para o novo coronavírus após sentir febre.

Sob pressão de Bolsonaro, prefeitos e governadores de todo o país estão afrouxando as ordens de isolamento, mesmo quando as infecções confirmadas ultrapassam 1,7 milhão de casos, com quase 70.000 mortos --o pior surto do mundo fora dos Estados Unidos.

Hoje, Brasília é a grande cidade mais infectada per capita no país, com 2.133 casos confirmados por 100.000 habitantes, mais que o dobro da região metropolitana de São Paulo ou Rio de Janeiro, segundo estatísticas do Ministério da Saúde.

Parte das confirmações pode ser resultado da realização de mais testes na capital, que possui a maior renda per capita do país, mas especialistas apontam que a recente explosão de casos foi claramente motivada por uma reabertura prematura.

Academias e salões de beleza reabriram na terça-feira. Bares e restaurantes retomarão os negócios na próxima semana, de acordo com decreto do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

"Essa medida está condenando milhares de brasilienses à morte", disse o sanitarista Rubens Bias, membro do conselho de saúde do Distrito Federal.

Com o aumento do número de mortes e o sistema hospitalar em colapso por falta de unidades de terapia intensiva gratuitas, Brasília deveria estar em total confinamento, afirmou. Ele disse que o governador de Brasília, assim como outros no país, estava sob pressão de Bolsonaro para reabrir a cidade. O presidente afirmou que o impacto econômico da quarentena é pior do que os riscos sanitários que a própria doença oferece.

Na quarta-feira, um juiz suspendeu o decreto de reabertua de Brasília e a cidade recorreu da decisão. O governador, então, declarou suspensão de todas as atividades, exceto as essenciais, nas regiões administrativas de Ceilândia e Sol Nascente.

O gabinete do governador se recusou a comentar.

No entanto, a agência de desenvolvimento da cidade informou que o Distrito Federal realizou mais testes em proporção à sua população do que os Estados Unidos, a Suíça ou a Áustria.

A agência acrescentou que o novo coronavírus ainda está se espalhando na cidade, embora a transmissão tenha diminuído para 1,2 pessoas infectadas por casos confirmado, abaixo dos 2,1 registrados no início de abril.

"UM INFERNO"

A capital de 3 milhões de habitantes, a terceira maior cidade do Brasil, registrou o primeiro caso de Covid-19 em 5 de março, uma mulher de 52 anos que retornara de Reino Unido e Suíça.

Nos primeiros dois meses após a primeira morte em 24 de março, o número de vítimas fatais em Brasília subiu lentamente para 100. Mas, um mês depois da reabertura de shoppings em 27 de maio, os casos confirmados e as mortes aceleraram em cinco vezes.

Na segunda-feira, o número de mortos chegou a 726 e a cidade registrou um novo recorde de 2.529 casos adicionais em 24 horas.

"É um caos, um inferno. Não param de aumentar os casos", disse uma enfermeira que trabalha na ala de emergência do principal hospital de Ceilândia, exausta dos turnos de 12 horas.

Ela contou que o hospital estava com falta de médicos e enfermeiros, e de ambulâncias para levar pacientes graves aos poucos leitos disponíveis na UTI, embora a escassez inicial de máscaras N95, luvas, aventais e outros equipamentos de proteção tivesse sido resolvida.

A enfermeira, que pediu para não ser identificada por temer represálias de autoridades do governo local, disse que os habitantes de Brasília, principalmente em bairros de baixa renda, não respeitam as regras de distanciamento social e que os inspetores não estavam multando ninguém por não usar máscaras.

A pandemia mudou da parte mais rica de Brasília para os subúrbios mais afastados, onde os trabalhadores passam uma hora em transporte público lotado para chegar ao trabalho no centro, e o contágio está se espalhando como fogo, disse Bias.

"É bem trágica mesmo essa Covid. Aqui no setor está crescendo muito o número de casos nos últimos dias", afirmou Cilede Nogueira, que vive em Sol Nascente, uma grande favela adjacente a Ceilândia.

Nogueira, que trabalha como empregada doméstica no centro de Brasília, disse que os bares em seu bairro estão cheios de pessoas sem máscaras, e os vizinhos festejam despreocupadamente nos finais de semana.

Segundo ela, as filas dos bancos também estavam perigosamente atoladas de pessoas que buscam auxílio emergencial do governo para complementar a renda durante a pandemia.

“Há interesses eleitorais e de empresários que não estão preocupados com a vida das pessoas. Estão preocupados com o lucro próprio”, declarou o sanitarista Bias.

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