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Raiva do brasileiro fica evidente na crise, diz jornalista

Maria Faguaga é jornalista, antropóloga e historiadora. Sempre trabalhou com temas relacionados aos direitos humanos, imigrações, racismo e cultura afro-cubana

Maria Faguaga, jornalista cubana refugiada no Brasil desde 2014 (Divulgação/vidasrefugiadas.com.br)

Maria Faguaga, jornalista cubana refugiada no Brasil desde 2014 (Divulgação/vidasrefugiadas.com.br)

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Da Redação

Publicado em 20 de junho de 2016 às 21h34.

"Eu era considerada uma traidora da minha pátria, uma antirrevolucionária", diz Maria Faguaga, uma cubana refugiada no Brasil desde 2014.

Faguaga sempre gostou de pensar fora da caixinha, de expressar seus pensamentos e de dividir novas ideias. Todos essas qualidades não eram apreciadas por uma revolução que começou pregando liberdade.

"É exatamente ao contrário. Em Cuba, liberdade é palavra proibida", comenta Faguaga. "Mas o problema é que eu não calo a minha boca."

Faguaga é jornalista, antropóloga e historiadora. Sempre trabalhou com temas relacionados aos direitos humanos, imigrações, racismo e cultura afro-cubana. "Todas as pesquisas que eu realizava tinham um conteúdo político, que tentava expressar um pouco da realidade cubana e que era desconhecida pelo mundo", explica Faguaga. "Todas elas foram censuradas pelo governo do meu país sem nenhuma justificativa."

A jornalista era referência para veículos estrangeiros que buscavam informações sobre Cuba nos últimos anos. Apurava matérias, fazia análises políticas e participações especiais em canais de televisão internacionais. Durante dois anos, trabalhou de forma ilegal para uma rádio americana conhecida como Rádio Única, que tinha sede em Miami, na Flórida. "A cada participação, a cada matéria que divulgava, minha situação [em Cuba] ficava cada vez mais desconfortável."

A gota d'água na relação entre Faguaga e a ditadura cubana foi a tentativa de remontar o movimento negro que existia em Cuba no começo da década de 50, antes de o Movimento 26 de Julho — liderado por Fidel Castro — destituir o ditador Fulgencio Batista. "A partir desse dia, misteriosamente alguém conseguiu entrar na minha casa e levar meu computador", conta.

Faguaga começou a ser monitorada dentro de Havana pela polícia política de Cuba. Foi impedida de trabalhar, não podia dar mais aulas ou palestras e todos os telefones foram grampeados. "A polícia me dizia que não iria me matar, mas me deixariam em uma cadeira de rodas. Nunca tinha pensado que a revolução poderia ser tão sinistra", lamenta.

Faguaga conseguiu sua última liberação para sair do país por motivos acadêmicos. O destino era o Brasil, e ela não desperdiçou aquela oportunidade. "Eu cheguei ao Brasil destruída psicológica e emocionalmente", diz a jornalista. Ela estava disposta a ficar os seis meses em São Paulo e tentar recomeçar sua carreira de pesquisadora em solo brasileiro.

O governo brasileiro decidiu não estender o visto de turista, e a jornalista optou pelo pedido de refúgio político. "Senti que minha conexão com Cuba acabava nesse momento. Enquanto os Castros estiverem no poder, não posso mais pisar o meu país", afirma.

No Brasil, Faguaga continua inquieta e sem travas na língua. Escreve como uma forma de catarse, mas ainda não teve oportunidade de publicar seus artigos. Recentemente participou do projeto Vidas Refugiadas, que conta a história de mulheres migrantes aqui no Brasil. Para sobreviver, ela é professora de espanhol em uma escola de professores refugiados em São Paulo. "Tento passar aos meus alunos o quão importante é ser livre, o quão importante é se expressar. Aprender línguas é uma forma de você ampliar esse leque de pensamentos", diz.

Fora da sala de aula e do círculo de amizades, Faguaga conhece o Brasil sem máscaras e sem proteção e enfrenta o preconceito na pele: "Quando escutam meu sotaque em português, a raiva do brasileiro em tempos de crise fica evidenciada", afirma. "Me atacaram, dizendo coisas como 'estrangeira, vocês roubam nossos trabalhos'."

A xenofobia, no entanto, não surge apenas do desconhecido. Para Faguaga, ela está presente até mesmo de quem se diz "disposto a ajudar". É o preconceito velado, introduzido pela frase "não foi isso que quis dizer". "Algumas pessoas que se diziam amigas chegaram a afirmar que eu deveria esquecer minha carreira porque aqui no Brasil só servia para trabalhar como faxineira", conta. "Isso dói muito mais, isso fica marcado", desabafa.

Assim como fez em Cuba, Faguaga quer quebrar paradigmas. Ela quer ser ouvida, como mulher e como refugiada. "Sou uma mulher e sou uma mulher negra, com uma carreira e história. O imaginário do brasileiro não espera isso", afirma. "Cabe a mim e aos meus semelhantes quebrar essa imposição."

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