Brasil

Racismo na Copa do Mundo mina campanha “Somos iguais”

Incidentes racistas contra os personagens em campo provaram que o Brasil ainda tem muito a evoluir sobre o tema


	O jogador brasileiro do Barcelona, Daniel Alves, come uma banana
 (Reprodução TV)

O jogador brasileiro do Barcelona, Daniel Alves, come uma banana (Reprodução TV)

DR

Da Redação

Publicado em 30 de maio de 2014 às 13h27.

Rio de Janeiro e Brasília - Foi apenas uma noite normal de barulhos de macaco e insultos raciais para o árbitro brasileiro de futebol Márcio Chagas. Depois, ele foi para casa.

Quando entrou no estacionamento, em 6 de março, após apitar uma partida pelo Campeonato Gaúcho, o professor de educação física negro descobriu que seus algozes haviam vandalizado seu carro e empilhado bananas no para-brisas. Outra foi colocada no cano de escapamento.

“Eu me senti ofendido, como se tivesse sido vítima de violência”, disse Chagas, 37, por telefone, de sua casa em Porto Alegre. “Foi uma ação covarde porque eu não pude me defender. A zombaria é normal. Esse tipo de ação foi novidade para mim”.

O racismo no futebol veio à tona nesse último mês quando o lateral brasileiro Daniel Alves comeu uma banana que um torcedor atirou para ele quando jogava pelo Barcelona na Liga Espanhola.

Embora o incidente tenha causado um alvoroço no Brasil, as manifestações de apoio mascararam quão longe o país organizador da Copa do Mundo precisa ir para eliminar o preconceito no país com a maior população negra do mundo depois da Nigéria.

Atos de racismo nos estádios de futebol têm manchado a imagem de tolerância que o governo está tentando retratar, segundo Jorge da Silva, professor de Ciências Políticas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

“Os brasileiros costumam dizer que o Brasil é uma democracia racial. Isso não passa de mito”, disse Silva.

“Se você vai em um shopping chique, não encontra negros lá, nem mesmo trabalhando. Se você entra a bordo de um avião no Brasil, você não verá negros trabalhando, ou quando muito um ou dois, e menos entre os passageiros”.

Mensagem antirracismo

Em um país cuja pessoa mais famosa é o ícone negro do futebol, Pelé, a presidente Dilma Rousseff planeja usar a Copa do Mundo, no mês que vem, disputada em 12 estádios novos ou reformados espalhados pelo país, para promover a mensagem antirracismo.

Uma publicidade que atualmente é transmitida na televisão brasileira tem o seguinte slogan: “A Copa das Copas sem racismo”.

“Um país tão multicultural, onde todas as raças do mundo são encontradas, abre uma possibilidade para uma ação contra o racismo e a discriminação”, disse ela, em janeiro, após uma reunião com o presidente da Fifa, Sepp Blatter.

Em 2011, o censo brasileiro mostrou pela primeira vez que sua população era de maioria negra e mestiça, com 51 por cento dos consultados se declarando como tal.

Não há nenhum CEO de uma companhia listada na Bovespa que seja negro. Os trabalhadores negros ganham cerca de metade da média de R$ 1.914 (US$ 862) por mês que seus colegas brancos recebem, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE.

Arouca, volante do Santos, foi chamado de macaco por torcedores enquanto concedia uma entrevista na lateral do campo, em março. Um mês antes, Tinga, meio-campista do Cruzeiro, sofreu preconceito racial enquanto jogava uma partida no Peru.

O caso ganhou manchetes nacionalmente, com os jornais brasileiros expressando choque e raiva no tratamento. A resposta de Tinga foi apontar os problemas no país.

Falsa igualdade

“Falamos de igualdade no Brasil, mas escondemos nosso preconceito”, disse ele. “A gente fica fingindo que todos são iguais”.

Desde os incidentes, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) iniciou uma campanha contra o racismo chamada “Somos Iguais”. Dilma disse que queria transformar a Copa do Mundo em “um marco mundial contra o racismo”.

Um jogador da Seleção Brasileira lerá uma mensagem antirracismo antes da abertura do torneio, em 12 de junho, contra a Croácia. Em competições anteriores, essas mensagens eram lidas por capitães das seleções depois que eles entravam em campo.

Chagas, o agora ex-árbitro de Rio Grande do Sul, espera que o torneio possa ser um ponto de inflexão, embora seja tarde demais para ele. Por causa do abuso que sofreu, Chagas desistiu da arbitragem.

“Espero que durante a Copa do Mundo as pessoas tenham um controle melhor para não agirem de uma forma agressiva e preconceituosa”, disse Chagas. “Os olhos do mundo estarão no Brasil e seria uma vergonha se algo assim acontecesse”.

Acompanhe tudo sobre:Copa do MundoEsportesFutebolPreconceitosRacismo

Mais de Brasil

Emmanuel Macron é visto caminhando por Copacabana após chegar ao RJ para o G20

Congresso deve finalizar até esta terça votação de projeto que muda regras de emendas parlamentares

Secretário-geral da ONU pede "espírito de consenso" para G20 avançar