Ministro de Estado da Saúde, Marcelo Queiroga, na CPI da Covid-19 (Jefferson Rudy/Agência Senado/Flickr)
Alessandra Azevedo
Publicado em 6 de maio de 2021 às 17h15.
Apesar de ter afirmado várias vezes que tem autonomia à frente do Ministério da Saúde, o ministro da pasta, Marcelo Queiroga, deixou claro nesta quinta-feira, 6, que a decisão final sobre as políticas adotadas é do presidente Jair Bolsonaro. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, ele evitou falar se discorda do presidente sobre temas como cloroquina e lockdown.
“Estou trabalhando no ministério. Fui nomeado pelo presidente e estou trabalhando conforme as orientações técnicas dia e noite”, afirmou, ao ser perguntado se a política do ministério é a dele, como médico, baseada na ciência, ou a externada por Bolsonaro, que defende uso de medicamentos sem eficácia comprovada e critica medidas de isolamento social.
Pouco antes de assumir o ministério, em 16 de março, Queiroga disse a jornalistas que “a política é do governo Bolsonaro, não é do ministro da Saúde”. Naquela ocasião, perguntado sobre possíveis mudanças relativas à vacinação, ele afirmou que “a Saúde executa a política do governo”. Nesta quinta, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) perguntou se esse entendimento é um fato.
“Claro”, respondeu Queiroga. “Dentro do regime presidencialista, a política é a do governo federal, e eu sou o ministro da Saúde. Não existe um Ministério da Saúde dissociado da Presidência da República”, argumentou. Segundo ele, a política adotada pelo governo inclui foco na vacinação, apoio a estados e municípios e ampliação de testagem rápida.
Vieira apontou que o ministro relatou “um mundo ideal”, que não corresponde à política real do governo -- em particular, do presidente Bolsonaro. “Objetivamente, qual é a política que o Ministério da Saúde adota: é a do ministro, doutor, médico Queiroga ou a do presidente Bolsonaro?”, perguntou o senador. “Repito e reitero o que falei: se o presidente pensar de forma diversa, ele é o presidente da República”, frisou Queiroga.
Para parte dos senadores, ficou claro que a “autonomia” que Queiroga diz ter é questionável. O ministro afirmou que sequer foi comunicado sobre o decreto que Bolsonaro falou que vai assinar para impedir medidas de isolamento social, com o lockdown, política que, na visão de integrantes da CPI, deveria passar pelo Ministério da Saúde. E, ao ser perguntado sobre o que pensa do assunto, o ministro alegou que não faria "juízo de valor" sobre políticas do governo.
Queiroga disse que o decreto não partiu do ministério e que o presidente nem mesmo pediu a opinião dele sobre o assunto. "É uma demonstração de que, talvez, a sua autonomia seja uma coisa que esteja mais na sua cabeça do que na do Presidente", comentou o senador Humberto Costa (PT-PE), que perguntou se ele era contra a tentativa de coibir isolamento social decretado por estados e municípios.
Mais uma vez, Queiroga foi evasivo. "O meu papel, como ministro, não é ser um crítico das ações seja do presidente da República ou de outros integrantes do governo", respondeu. "Eu tenho, sim, que usar a minha capacidade de convencimento para persuadir todos os brasileiros a se associarem a nós e tomar medidas que sejam eficientes e capazes de vencer a pandemia", disse.
O ministro disse que não discutiu com Bolsonaro sobre protocolos de tratamento ou medicamentos. “Não houve nenhuma conversa dessa natureza, e o presidente me deu autonomia para que eu constituísse uma equipe técnica”, garantiu. Todos os secretários, segundo ele, foram escolhidos por critérios técnicos. "Tenho autonomia para tirá-los a qualquer momento, desde que seja o interesse público e o interesse do direcionamento da nossa gestão", afirmou.
Segundo Queiroga, Bolsonaro não interfere no ministério. “Recebi uma única recomendação do presidente da República: para que todos os recursos públicos que chegassem ao Ministério da Saúde fossem revertidos em políticas públicas para atender nossa sociedade”, afirmou.
O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), lembrou que Queiroga tem "bom relacionamento pessoal" com familiares do presidente e perguntou até que ponto isso pode interferir nas ações à frente do ministério. "Em nenhum ponto. A nossa gestão é uma gestão autônoma", reforçou o ministro.
O ex-ministro Nelson Teich, ouvido na quarta-feira, 5, pela CPI, afirmou que pediu demissão porque não tinha autonomia para conduzir o ministério. No mesmo sentido, Luiz Henrique Mandetta, que ocupou o cargo antes de Teich, foi mandado embora por divergir do presidente sobre medidas de isolamento social e prescrição de cloroquina.
Queiroga, entretanto, diz que não falta autonomia e que não sofre pressão relacionada ao protocolo de tratamento da covid-19. Mas, ao mesmo tempo, foge de questionamentos relacionados à política defendida por Bolsonaro e se recusa a responder perguntas simples, como se concorda com o presidente sobre a prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada.