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Queda de braço transatlântica

Sérgio Teixeira Jr., de Nova York  A determinação da União Europeia (UE) de que a Irlanda cobre da Apple 14,5 bilhões de dólares, mais juros, referentes a dez anos de impostos atrasados não é exatamente um problema financeiro para a empresa. Com mais de 230 bilhões de dólares no caixa, a dívida não vai fazer […]

TIM COOK: “Não significa que você seja mais patriota quanto mais pagar” / Justin Sullivan/ Getty Images

TIM COOK: “Não significa que você seja mais patriota quanto mais pagar” / Justin Sullivan/ Getty Images

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Da Redação

Publicado em 1 de setembro de 2016 às 12h36.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.

Sérgio Teixeira Jr., de Nova York 

A determinação da União Europeia (UE) de que a Irlanda cobre da Apple 14,5 bilhões de dólares, mais juros, referentes a dez anos de impostos atrasados não é exatamente um problema financeiro para a empresa. Com mais de 230 bilhões de dólares no caixa, a dívida não vai fazer muita diferença no dia-a-dia da companhia de maior valor de mercado do mundo. Mas a cobrança anunciada na terça-feira abre um novo capítulo de uma tumultuada relação entre as autoridades europeias e americanas no que diz respeito a questões fiscais. O Tesouro americano considera decisões deste tipo uma interferência indevida e um abuso de poder por parte dos burocratas de Bruxelas – mas, na realidade, tem um enorme problema interno para resolver, uma questão conhecida pelo eufemismo de “fuga dos impostos”.

O valor devido pela Apple tem origem em uma prática considerada ilegal pela UE. A empresa teria reconhecido a maior parte de seus lucros fora dos Estados Unidos por meio de uma subsidiária localizada na Irlanda. “Uma sede que não tem funcionários, não tem escritórios, não tem atividades reais”, disse em entrevista à CNN Margrethe Vestager, a comissária europeia para assuntos de competição. Segundo Vestager, a Irlanda concedeu benefícios fiscais à empresa em desacordo com as regras da União Europeia – na prática, uma ajuda estatal que violaria as regras de competição do bloco. “É injusto com todas as outras empresas que pagam impostos e competem com seus próprios méritos e com a qualidade de seus produtos e serviços. Elas veem empresas que pagam, neste caso, [alíquotas de apenas] 0,005%.” A comissária afirmou que não se trata de uma multa, mas sim da mera cobrança de impostos atrasados. A investigação durou três anos.

Em uma carta aberta endereçada aos clientes europeus da Apple, o CEO Tim Cook afirma: “Nunca pedimos ou recebemos nenhum tipo de acordo especial. Agora nos encontramos na posição rara de sermos obrigados a pagar retroativamente impostos a um governo que diz que não devemos nada além do que já pagamos”. Cook também diz que Steve Jobs abriu a primeira fábrica da Apple em Cork, na Irlanda, em outubro de 1980, “muito antes de apresentar o iPhone, o iPod e até mesmo o Mac”. “Hoje empregamos quase 6.000 pessoas na Irlanda. A grande maioria ainda está em Cork – incluindo alguns daqueles primeiros funcionários.” Tanto a Apple como o governo irlandês devem recorrer da decisão nas cortes europeias, e uma decisão final pode levar anos.

Na semana passada, o Departamento do Tesouro americano publicou um documento sobre as investigações da UE, que também envolvem Amazon, Starbucks e Fiat Chrysler. Segundo o texto, publicado antes do anúncio da cobrança retroativa de impostos da Apple, “as ações da [Comissão Europeia, o órgão executivo da UE] colocam em xeque a capacidade dos estados-membros de honrar seus tratados fiscais bilaterais com os Estados Unidos”. Para o governo americano, esse tipo de medida cria um ambiente de incertezas para novos investimentos no continente e coloca em risco o “espírito de parceria econômica” transatlântica.

Mas o problema vai muito além da queda de braço entre Washington e Bruxelas. O que está em jogo é o direito de taxar trilhões de dólares que empresas americanas têm no exterior. Segundo as leis americanas, as empresas do país podem deixar para pagar impostos por lá somente no momento da repatriação dos lucros. A tentativa de estabelecer uma alíquota reduzida para a repatriação está paralisada por um impasse há anos. O governo Barack Obama defende 14%, enquanto o Partido Republicano, que controla o Congresso, defende 8,75%. Enquanto não há resolução, uma montanha de dinheiro – 2 trilhões de dólares, segundo uma estimativa da entidade Citizens for Tax Justice – está guardada fora dos Estados Unidos.

A discussão sobre essa “fuga dos impostos” já era um dos temas quentes da campanha presidencial. Tanto Donald Trump como Hillary Clinton prometem tapar os buracos da legislação que permitem que grandes multinacionais americanas, por meio de complicadíssimas estruturas legais, evitem pagar os impostos devidos no país. Mas foi necessário o anúncio da cobrança da Apple para que os dois partidos falassem com uma mesma voz. “A decisão é terrível”, disse Pau Ryan, republicano e presidente da Câmara. “A União Europeia vai pegar esse dinheiro, em vez dos Estados Unidos. Precisamos nos mexer”, concordou Charles Schumer, um dos líderes democratas no Senado.

A garfada da UE pode ser o empurrão que faltava para um acordo que viabiliza a repatriação dos lucros das múltis americanas. Enquanto isso não acontecer, elas não terão pressa – nem incentivos – para trazer o dinheiro para casa. Em uma entrevista concedida há duas semanas ao jornal The Washington Post, Tim Cook afirmou sobre os lucros da Apple no exterior: “Não vamos trazê-los de volta enquanto não houver uma alíquota justa. Não há discussão. É legal ou ilegal? É legal. É a lei fiscal atual. Não se trata de ser patriota ou não-patriota. Não significa que você seja mais patriota quanto mais pagar”.

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