Brasil

Que país é este que Dilma vai governar?

Com o fim das eleições, passa a euforia, mas chega a necessidade de um balanço da situação do Brasil. Conheça em detalhes qual é o Brasil que Dilma vai governar

Palácio do Planalto: sede do Poder Executivo Federal (Roberto Stuckert Filho/PR/Reprodução)

Palácio do Planalto: sede do Poder Executivo Federal (Roberto Stuckert Filho/PR/Reprodução)

DR

Da Redação

Publicado em 26 de outubro de 2014 às 20h04.

Acabada a euforia das eleições, é hora de fazer um balanço da situação do país. Quais foram as principais conquistas dos últimos anos? O que deu errado? O que o próximo presidente precisa fazer para que a vida da população continue melhorando nos próximos anos? Veja aqui quais serão os principais desafios que a presidente eleita irá enfrentar nos próximos quatro anos.

Os Avanços Sociais Aconteceram. Mas Ainda Falta Muito

Neste ano, o Brasil conseguiu um marco. O país não está mais na lista da fome elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

O levantamento aponta que, nos últimos 10 anos, o Brasil reduziu pela metade a parcela da população que sofre com a fome. Segundo o organismo internacional, a taxa de desnutrição no Brasil caiu de 10,7%, em 2003, para menos de 5%, em 2012.

Com isso, o Brasil alcançou antecipadamente um dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que as Nações Unidas estabeleceram para ser realizados até 2015.

O sucesso deve ser comemorado, mas é preciso pensar no futuro. Para garantir aumentos de renda cada vez mais significativos para a população mais pobre, é preciso investir na qualificação das futuras gerações. Segundo a OCDE (organização que reúne os países mais ricos do mundo), os empregos que exigem ensino superior no Brasil pagam mais que o dobro do que os postos de trabalho que exigem apenas ensino secundário.

Hoje, o Brasil ainda está penando nesse quesito. Os trabalhadores brasileiros são considerados menos qualificados que os seus pares no Chile, na China e na Coreia do Sul. Uma das principais causas é a deficiência do nosso ensino médio. Para começar, a taxa de evasão é altíssima. Entre os nascidos em 1994, 52% abandonaram a escola. E, para piorar, os alunos não aprendem o que deveriam. No Pisa (exame internacional organizado pela OCDE para medir a qualidade do ensino básico), os brasileiros de 15 anos ocupam o 58º lugar entre os 65 países avaliados na prova de matemática. 

Enfrentamos Recorde de Mortes por Violência

A crescente violência, principalmente nos estados do Nordeste, é mais um problema a espera de ser enfrentado com vigor pelo presidente eleito. Em 2012, o Brasil alcançou o recorde de 56 000 mortes por violência. As políticas de segurança pública também precisam ser repensadas, para se concentrar mais em prevenção do que em punição. Outra iniciativa bem-vinda seria adotar penas alternativas para crimes brandos. Mas hoje o Brasil tem apenas 20 varas especializadas nessas penas. Dividida em corporações que não se entendem, a Civil e a Militar, a polícia no Brasil tem baixíssima eficiência. Hoje, só  10% dos homicídios no Brasil são solucionados. Nos Estados Unidos a taxa é de 64% e na Inglaterra, de 81%. Há muito por fazer para que o Brasil deixe de apresentar a cada ano estatísticas de perdas humanas comparáveis à de guerras.

ENTRE OS BRUTOS  
Proporcionalmente, o Brasil tem mais assassinatos que os países africanos.
Taxa de homicídio por 100 000 pessoas (dados de 2012)
 
Venezuela 54
Colômbia 31
Brasil 26
México 22
Nigéria 21
Namíbia 17
Haiti 10
Estados Unidos 4,7
Fontes: Instituto Sou da Paz, Ipea e Unodc  

Mais Estável na Política e na Economia

Desde o fim da ditadura militar e a promulgação da Constituição de 1988, os direitos da população brasileira se ampliaram. As instituições ficaram mais confiáveis. Os poderes Judiciário e Legislativo conquistaram independência e o Ministério Público ganhou poder. Os três poderes – incluindo aí o Executivo - ficaram mais equilibrados. O Brasil aperfeiçoou o que os especialistas chamam de sistema de freios e contrapesos, em que cada poder tem uma esfera de atuação clara e está apto para conter os abusos do outro. Com tudo isso, a democracia se tornou mais forte. “O legado de todos os presidentes brasileiros depois de 1984 é a consolidação do sistema democrático. Ainda há problemas e desvios, mas isso é um feito histórico até mais importante do que os resultados econômicos, que ainda não estão consolidados”, diz o historiador inglês Kenneth Maxwell.

Os feitos econômicos, porém, representam uma parte importante desse legado. Com o Plano Real, os brasileiros começaram a se livrar da inflação, distorção que corroía o salário dos trabalhadores e aumentava o preço dos produtos e serviços num ritmo incessante. Com o aumento da responsabilidade fiscal nos anos seguintes, o Brasil passou a atrair mais investimento.

O desemprego diminuiu, a pobreza recuou e milhões de pessoas foram incorporadas à classe média. “A estabilidade da política e da economia é obviamente a conquista recente mais importante do passado recente brasileiro, mas há uma série de outras vitórias que passam despercebidas. Entre elas as mais notáveis são as leis de combate à corrupção, as leis que garantem transparência pública e as leis que punem a violência doméstica”, afirma o cientista político Matthew Taylor, professor da American University, sediada em Washington.

Com um novo ciclo presidencial à vista, espera-se que essa estabilidade venha a ser reforçada. A confiança da população na economia tem piorado. Segundo uma pesquisa divulgada recentemente pelo centro de pesquisas americano Pew Research Center, 59% dos brasileiros afirmaram no ano passado que a economia estava em boa forma. Neste ano, o número caiu para 32%. É a piora mais significativa entre os países emergentes pesquisados pelo instituto.

O estudo também aponta que a inflação – que tem ficado em média perto de 6% -- voltou a ser a principal preocupação dos brasileiros.  “A inflação é um fardo mais pesado para os indivíduos de renda baixa”, diz Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do banco Goldman Sachs. Os alimentos, por exemplo, já consomem 30% da renda dos mais pobres. O aluguel, que responde, em média, por 7% da renda dos mais ricos, abocanha 20% do salário das famílias que ganham menos. Os transportes absorvem mais 6% da remuneração dos trabalhadores. Quando esses custos se descontrolam, sobra cada vez menos dinheiro para as famílias de baixa renda.

Todo Cuidado com a Inflação é Pouco 

Nos últimos anos, o combate à inflação foi relaxado. O índice de preços pode terminar este ano ultrapassando o teto da meta fixada pelo Banco Central, de 6,5%. Veja aqui um gráfico que mostra o sobe e desce da inflação desde os anos 1980.

Até o governo Dilma, a autoridade monetária tinha uma boa reputação, mas nos últimos anos a autonomia do BC e de seu presidente Alexandre Tombini foi muitas vezes questionada. As estatísticas sobre as contas públicas também eram mais respeitadas até o governo atual passar a usar artifícios de ocultação de despesas e geração de receitas extraordinárias para fechar seu balanço – expedientes que foram apelidados de "contabilidade criativa”.

Além da inflação, outros indicadores têm piorado. Em setembro, o déficit do Brasil nas transações de bens e serviços com o exterior alcançou 3,7% do PIB, o pior patamar desde fevereiro de 2002. No mesmo mês, o saldo da balança comercial brasileiro (a diferença entre as exportações e as importações) fechou com um déficit de quase 8 bilhões de dólares – um recorde histórico. Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), o nível de confiança do consumidor registrou em outubro o nível mais baixo desde abril de 2009, ano em que o país viveu o auge da crise econômica e registrou contração de 0,3% na economia.

Para que o Brasil continue levando mais brasileiros à classe média e mantenha a qualidade de vida da população, é importante corrigir esses desvios. “Os indicadores que estão piorando agora podem indicar desemprego lá na frente”, diz o economista Emilio Garofalo, ex-diretor do Banco Central. Para ele, a sinalização de uma mudança na política econômica faria com que os investidores, em poucos meses, voltassem a confiar no Brasil. A mudança, diz Garofalo, deve incluir o aumento do controle dos gastos públicos e a redução do endividamento do governo.

CUIDADO COM AS DÍVIDAS  
O endividamento do governo corresponde a dois terços de tudo o que o Brasil produz em um ano.
Confira a dívida bruta do governo, em relação ao PIB
 
2000 67%
2001 71%
2002 79%
2003 75%
2004 71%
2005 69%
2006 67%
2007 65%
2008 63%
2009 67%
2010 65%
2011 65%
2012 68%
2013 66%
2014 68% (1)
(1) estimativa Fonte: FMI  

Fraqueza no Jogo Global

Já há um bom tempo, o Brasil está crescendo menos que a América Latina. E neste ano nossa economia deve se expandir apenas 0,3% ante 2% de média da região, segundo as estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil, a maior economia da região, é o grandalhão que puxa a média da turma para baixo: se o país não entrasse na conta, a América Latina teria um avanço de 2,4% em 2014.

A situação se repete na comparação com países de outras regiões do globo. A Índia deve crescer 5,6%, os Estados Unidos avançarão 2% e o Reino Unido registrará uma expansão de 3%.

Esse retrato ameaça a já baixa capacidade de concorrer internacionalmente do Brasil. Segundo o Centro Mundial de Competitividade do instituto IMD, da Suíça, que elabora um ranking com 60 países, o Brasil caiu da 51ª posição, em 2013, para a 54ª na disputa mundial, em 2014.

DE MAL A PIOR  
O Brasil piora no ranking mundial dos países mais competitivos do mundo (com 60 países)  
2005 42º
2006 44º
2007 49º
2008 43º
2009 40º
2010 38º
2011 44º
2012 46º
2013 51º
2014 54º
RENTABILIDADE DAS EMPRESAS EM BAIXA  
Piora a rentabilidade média do patrimônio das 500 maiores empresas do Brasil  
2004 11,3%
2005 11,8%
2006 11,7%
2007 12,0%
2008 8,1%
2009 9,7%
2010 10,7%
2011 8,2%
2012 4,1%
2013 5,3%
Fontes: IMD e Melhores e Maiores 2014  

Um dos passos mais importantes para aumentar a competitividade do Brasil é ampliar os acordos comerciais, hoje restritos ao Mercosul e a países pequenos, como Israel. Isso porque a política protecionista brasileira teve um efeito perverso: a de isolar o país das grandes cadeias globais de produção. Cada vez mais, a produção é fragmentada em etapas e distribuída pelo mundo. Um estudo da Organização das Nações Unidas mostrou que companhias inseridas nas cadeias globais têm produtividade 55% maior do que as que vendem e compram apenas no mercado interno. É uma forma incontestável de aumentar a riqueza das nações – e o salário dos seus trabalhadores.

Nossa Alta Carga Tributária

A condução de reformas estruturais também ajudaria a destravar o crescimento e a melhorar a produtividade. A simplificação do sistema tributário, por exemplo, ajudaria as empresas a produzir com menor custo. Hoje, a carga tributária no Brasil equivale a 68% do lucro das empresas – nos Estados Unidos, a mordida é de 46%. Mais do que isso: as companhias se tornariam mais produtivas. De acordo com o Banco Mundial, as empresas brasileiras gastam em média 2 600 horas por ano com a burocracia tributária. As reformas são especialmente importantes porque os países que concorrem conosco estão realizando transformações históricas. O México, neste ano, rompeu com um monopólio de oito décadas na produção de petróleo e gás. A comunista China prometeu diminuir o peso do Estado na economia e ampliar a presença dos grupos estrangeiros no país.

Veja aqui por que o Brasil precisa de reformas.

A Economia Não Cresce

As mudanças também preparariam o Brasil para enfrentar um momento mais difícil que se prevê que esteja por vir no mundo. “O Brasil conseguiu avanços importantes na última década. A boa administração da economia, o equilíbrio macroeconômico, a forte demanda da China por commodities e as políticas sociais direcionadas aos mais pobres garantiram um crescimento robusto nos anos 2000. A situação atual, porém, é muito menos brilhante. A economia não cresce e as previsões para o Brasil são revisadas cada vez mais para baixo”, diz a economista Barbara Kotschwar, pesquisadora do Peter Peterson Institute, com sede em Washington.

Desses quatro fatores citados pela economista, três perderam força. O Brasil não consegue mais manter as contas públicas em dia, os chamados fundamentos macroeconômicos (câmbio flutuante, meta de inflação e manutenção de superávits primários) foram enfraquecidos e a China, que está em desaceleração, já não amplia suas compras de matérias-primas tanto quanto antes.

Os desafios futuros não param por aí. Os Estados Unidos, que adotaram uma política de juro zero para estimular as atividades durante a crise econômica, vêm retirando aos poucos os incentivos. “Com os títulos do Tesouro americano oferecendo um retorno maior com risco zero, os investidores retirariam recursos de mercados emergentes para investir nos Estados Unidos, causando uma depreciação nas moedas dos países em desenvolvimento”, afirma Marcos Casarin, economista da Oxford Economics. É o que já se vê por aqui – e a tendência provável é a desvalorização do real prosseguir.

Com um horizonte tão desafiador pela frente, o novo ciclo presidencial parece a oportunidade perfeita para anunciar mudanças que poderão transformar o Brasil em um país melhor. Nada é mais urgente para os brasileiros.

Acompanhe tudo sobre:América LatinaÁsiaChileChinaCoreia do SulEleiçõesEleições 2014EmpresasEnsino médioFGV - Fundação Getúlio VargasFMIFomeGoverno DilmaONUPolítica no BrasilViolência urbana

Mais de Brasil

Inmet prevê chuvas intensas em 12 estados e emite alerta amerelo para "perigo potencial" nesta sexta

'Tentativa de qualquer atentado contra Estado de Direito já é crime consumado', diz Gilmar Mendes

Entenda o que é indiciamento, como o feito contra Bolsonaro e aliados

Moraes decide manter delação de Mauro Cid após depoimento no STF