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Providências depois da tragédia são uma tradição brasileira

Cúmplices na inoperância, governos não têm como dizer que não sabiam do risco nas áreas devastadas

Áreas atingidas pelas chuvas, no município de Nova Friburgo, região serrana fluminense (Agência Brasil)

Áreas atingidas pelas chuvas, no município de Nova Friburgo, região serrana fluminense (Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 21 de janeiro de 2011 às 21h03.

Depois de lama, descem as promessas. A população brasileira aprendeu, à custa de alguns traumas, que prefeitos, governadores e presidentes só atentam para as áreas de risco quando as pedras já rolaram – ou, no caso da tragédia em curso, quando os corpos começam a aparecer. No Rio de Janeiro, onde há muito não se tem verão sem vítimas da chuva, passam de 700 os mortos na maior catástrofe natural do país – se é que morrer com chuva é algo que se pode aceitar com naturalidade em 2011. A lista dos desaparecidos pode fazer esse número chegar a mil.

Ainda assim, o refrão das explicações oficiais se apega à força da chuva e a uma condenação das “ocupações irregulares”, como se o clima do estado e as construções em encosta tivessem surgido na semana passada.

Estado, União e municípios são solidários: todos foram alertados para os riscos, mas pouco ou nada fizeram. E o que une as providências governamentais do período pós-catástrofe é o atraso. A rigor, quase todas as medidas anunciadas como reação à enxurrada em Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo são, na verdade, uma corrida contra o tempo em direção ao que é essencial – não são estruturas ou sistemas que a tragédia destruiu e precisam ser refeitos.

Uma das contribuições do governo federal para o atraso em nível nacional foi revelada na quinta-feira pelo agora ex-secretário de Polícias e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia, Luiz Antônio Barreto de Castro. Ele foi voto vencido na luta para tentar incluir no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) o investimento de 115 milhões de reais para criação de um plano de radares para prever chuvas com intensidade fora do normal, como a que caiu na serra do Rio na madrugada do dia 12. Um detalhe: só para limpar a lama e fazer as primeiras obras de emergência nas cidades afetadas a União está liberando 780 milhões de reais.

A rede de radares, ainda inexistente, integraria um sistema nacional de defesa civil que o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, prevê para entrar em funcionamento dentro de quatro anos – tempo necessário para, entre outras coisas, descobrir quem são e quantos são os milhares de brasileiros em áreas de risco – segundo um chute do próprio ministro seriam 5 milhões de pessoas nessa situação.

Os custos da criação de um sistema como esse para um país com as dimensões continentais do Brasil ainda não são sequer conhecidos, mas aos poucos revela-se o preço de não tê-lo em funcionamento: a Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertou o governo brasileiro e, principalmente, os governos da região Sudeste, para se prepararem para “eventos climáticos intensos” nos próximos anos, e que a chuva na região serrana “não foi um evento isolado”.

Tempestades cada vez mais fortes são, segundo a OMM, uma tendência mundial, que se encontra, agora, com uma tradição nacional: a de ignorar os avisos de que pode morrer muita gente quando o poder público deixa correr solta a construção de casas em áreas perigosas. O governador Sérgio Cabral chamou atenção para a necessidade de se trabalhar para socorrer vítimas, antes de procurar culpados.

Ninguém em sã consciência quer interromper o resgate para fuxicar gabinetes, mas não dá para ignorar que o governo do estado, réu junto com a prefeitura de Petrópolis em uma ação civil pública que cobra contenção de encostas e remoção de famílias, respingou-se de lama na tragédia. Cabral, reeleito, é sucessor dele mesmo no Palácio Guanabara, de onde assistiu, no ano passado, às tragédias do RIo e de Niterói, em abril, e de Angra dos Reis, no primeiro dia de 2010.

O Ministério Público (MP) do estado do Rio em Petrópolis, que atende seis municípios, entre eles Petrópolis e São José do Vale do Rio Preto, fez não um, mas pelo menos três alertas recentes sobre o risco de deslizamentos na região. No último deles, em abril de 2010, foram oficiados prefeito, governador e órgãos municipais e estaduais sobre o risco de mortes por queda de barreiras na cidade, com base em uma lista de 500 endereços informados pela própria Defesa Civil municipal.

“Em 2010, depois do que aconteceu em Angra dos Reis e na Ilha grande, pensei: não vou esperar até 2011. Instaurei, então, inquérito civil para sobre a necessidade de obras e a eventual remoção de moradores em áreas com risco de acidentes no período das chuvas. O curioso é que o levantamento de endereços em perigo, apesar de precário, veio do próprio município”, afirma o promotor Paulo Valim, de Petrópolis.


Como explica Valim, desde 2009, quando foi feita a primeira reunião com o prefeito Paulo Mustrangi e órgãos do município e do estado, houve pelo menos quatro deslizamentos de pedras gigantes na cidade. “Como não foram tomadas providências satisfatórias para tirar os moradores do perigo, tive que ajuizar ação civil pública. Obtivemos uma liminar, mas o poder público não cumpriu as decisões judiciais totalmente”, lembra Valim. As providências, nesse caso, eram obras de contenção, remoção temporária ou definitiva e um levantamento preciso dos locais mais críticos.

Em Teresópolis, há quatro anos um levantamento do Ministério Público estimou em 70 milhões de reais os custos para obras de contenção e reparos em todas as casas em situação de maior risco. Entre elas, os moradores de uma parte do bairro Santa Rita, uma das mais atingidas pelo temporal na cidade. “Em muitos casos, remover e construir casas populares sai mais barato que tentar consertar o que foi mal construído”, explicou a promotora da região de Teresópolis, Anaiza Helena Malhardes Miranda.

A situação é parecida com a de Nova Friburgo. Nos últimos anos, pelo menos 23 ações civis públicas foram movidas pelo Ministério Público para cobrar remoção de moradores de áreas de risco, levantamento da situação em bairros pendurados na encosta e a fiscalização de construções irregulares.

Só agora, depois da tragédia, veio a providência: prefeitura e governo do estado escolheram a região da Posse como destino das famílias que perderam casas ou que ainda vão perder – dado o risco de novos deslizamentos. Como a providência não veio antes de 12 de janeiro, vão para as novas casas populares que serão construídas quase 400 pessoas a menos - número aproximado de mortos e desaparecidos na cidade.

Para não jogar a culpa só sobre o homem, o promotor de Justiça Vinícios Cavalleiro, de Nova Friburgo, ressalta que a cidade foi atingida por uma chuva de força “abismal”. “Os fatos ocorridos no dia 12 de janeiro ultrapassam o limite razoável para qualquer sistema que o homem possa criar”, admite, para em seguida, demarcar o exato limite da responsabilidade do gestor público nessa e em outras catástrofes recebtes: “Um morro, quando desaba sem ninguém morando embaixo, é só um morro que desaba. Quando encontra casas no caminho, é uma catástrofe inaceitável”, lamenta.

Depois de uma série de tentativas em vão de remover a população de áreas de risco na cidade, Cavalleiro tenta, atualmente, tirar 52 famílias – ou cerca de 1.200 moradores – de áreas onde um novo deslizamento é questão de tempo em Friburgo. A esta luta por território soma-se, agora, outra causa em que está envolvido o MP: encontrar lugar para sepultar as centenas de mortos, em uma cidade que, com 367 vítimas identificadas, esgotou completamente a capacidade de seus cemitérios.
 

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