Nesta quinta-feira, ela sofreu três derrotas no Congresso, todas avalizadas pelo próprio Palácio do Planalto (Thiago Souza/MMA/Flickr)
Agência de notícias
Publicado em 25 de maio de 2023 às 07h26.
Escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sinalizar à comunidade internacional o compromisso com uma gestão sustentável e a defesa do clima, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) enfrenta uma série de embates com colegas de governo, personagens do Congresso e aliados de seu próprio partido, a Rede.
Nesta quinta-feira, ela sofreu três derrotas no Congresso, todas avalizadas pelo próprio Palácio do Planalto. Na mais simbólica delas, uma comissão aprovou relatório que esvazia a pasta da ambientalista.
A ministra reagiu afirmando que a medida vai “fechar portas” para a gestão Lula. Além disso, ela entrou em rota de colisão com Alexandre Silveira (titular de Minas e Energia), a Petrobras e parlamentares da Região Norte ao travar a exploração de petróleo na região da foz do Rio Amazonas.
Com a anuência do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, comissão de deputados e senadores aprovou relatório da medida provisória da reestruturação dos ministérios no qual algumas pastas foram enfraquecidas. A do Meio Ambiente, chefiada por Marina, perdeu a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Gestão, assim como a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para o do Desenvolvimento Regional.
A dos Povos Indígenas, comandado por Sonia Guajajara, deixa de gerir a demarcação das terras indígenas, a cargo da Justiça. O relatório ainda precisa ser votado pelos plenários da Câmara e do Senado.
Em outra frente, a Câmara rejeitou emendas propostas pelo Senado na MP que altera a Lei da Mata Atlântica. Com isso, volta a valer o texto que afrouxa as regras para desmatamento de áreas protegidas. O governo orientou a base a votar pela flexibilização. A matéria vai para a sanção do presidente da República. Além disso, o Planalto liberou os deputados na votação da urgência do projeto que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A urgência da proposta, que contraria Marina e a esquerda, foi aprovada.
Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, deixou claro nível de insatisfação ao falar em “certa frustração” com Lula.
— Não posso negar que há, sim, uma certa frustração. (...) Acho que o presidente Lula poderia ter entrado um pouquinho mais para impedir essa retirada do Ministério dos Povos Indígenas — disse Guajajara à GloboNews.
'Vai fechar todas as portas': Marina critica mudanças na estrutura dos ministérios
A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, também lamentou os movimentos que atingiram Marina e Guajajara: “Muito ruim que a comissão mista que analisa a MP da reestruturação do governo tenha aprovado relatório que esvazia Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas”, escreveu nas redes sociais.
O parecer do relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), que esvaziou os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, teve o endosso do governo. Como essa MP é válida só até 1º de junho, havia risco de que mais atrasos fizessem a norma perder o efeito, obrigando a retomada da estrutura deixada por Jair Bolsonaro.
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Alexandre Padilha e o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) se reuniram em momentos diferentes com Bulhões , antes da votação do relatório, e entraram em acordo sobre o texto. Na prática, cederam nos tópicos que atingiram Marina.
Para integrantes da base, o Planalto demorou para se organizar e pressionou pouco o relator para que o texto fosse conhecido com mais antecedência. O “abandono” de Marina acontece em meio a conflitos entre ela, Randolfe e lideranças do Congresso.
Em declaração que acirra ainda mais o clima com a bancada ruralista, Marina criticou, em audiência na Câmara, as práticas de desmatamento do que ela classificou de “ogronegócio”, num trocadilho com “agronegócio”:
— O governo vai apostar nessa transição (para agricultura de baixo carbono). Para que a gente tire o agronegócio brasileiro da condição de “ogronegócio”. Porque uma boa parte já está fazendo o dever de casa, e a parte que não faz, contamina todo resto.
O perfil no Twitter do PT no Senado comemorou a aprovação do parecer de Bulhões. Após críticas, fez novas postagens afirmando que “a maioria do Congresso impediu que a extrema-direita derrubasse a MP” e que o desejo é que “toda a estrutura do governo Lula seja mantida tal qual foi planejada pelo presidente”.
A titular do Meio Ambiente criticou o iminente esvaziamento de sua pasta e disse que a credibilidade de Lula não será o suficiente para garantir a boa imagem ambiental do país no exterior:
— Isso vai fechar todas as nossas portas — disse Marina à Comissão de Meio Ambiente da Câmara.
Ela estava acompanhada do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. O órgão foi o responsável pelo veto à licença para a Petrobras perfurar um poço para estudar a viabilidade da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas.
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Em uma indireta a Marina, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) subiu o tom ao afirmar que o país não precisa de outra marca na área ambiental, além de Lula:
— O embaixador do meio ambiente do Brasil, reconhecido mundialmente, é o presidente Lula. E a gente não precisa de outro.
A ministra do Meio Ambiente também enfrenta crises em seu próprio partido. Na semana passada, Randolfe Rodrigues, único representante da Rede no Senado, anunciou sua saída da sigla em meio a desentendimentos com Marina. Fundadora da sigla, ela perdeu disputa em abril com a ex-senadora Heloísa Helena pelo comando da Rede.
Marina operou uma volta por cima na política no último ano, quando se reaproximou de Lula, após uma década e meia de cisão, para derrotar Jair Bolsonaro nas eleições. Mas agora reedita cabos de guerra que remetem aos episódios que a levaram a deixar a segunda gestão de Lula, em maio de 2008, deixar o PT posteriormente.
Naquele ano, a interferência do ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, na área de meio ambiente, com o aval de Lula, foi o estopim para a saída de Marina. Marina já havia sofrido desgaste ao negar licença para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte , em razão do risco para uma espécie de bagre.
Quinze anos depois, porém, houve mudanças significativas no cenário político. Com o intuito de se contrapor a Bolsonaro, a agenda ambiental teve um peso maior na campanha de Lula em 2022
Horas depois de o Congresso impor uma série de derrotas na seara ambiental ao Planalto — que, com articulação política incipiente, se viu obrigado a avalizar as medidas em uma tentativa de minimizar danos —, o Observatório do Clima, grupo que reúne dezenas de entidades civis do setor, teceu duras críticas ao governo federal. O texto publicado na noite desta quinta-feira no site do órgão afirma, já na primeira frase, que "Jair Bolsonaro passou, mas a boiada ficou, e com sócios inusitados". Trata-se de uma menção a uma declaração de Ricardo Salles, titular do Meio Ambiente na gestão passada, durante uma reunião ministerial na qual o hoje deputado federal sugeriu aproveitar as atenções da sociedade voltadas à pandemia da Covid-19 para afrouxar legislações ambientais.
A nota do Observatório pontua que, ao alterar a MP que definiu a estrutura administrativa do governo, o Congresso deu ao Ministério do Meio Ambiente "quase a mesma cara" que tinha sob Bolsonaro. Com a mudança, a pasta de Marina Silva perdeu o controle da Agência Nacional de Águas e o Cadastro Ambiental Rural, que passaram aos ministérios da Integração e da Gestão, respectivamente. Além disso, lembra o grupo, o Ministério dos Povos Indígenas perdeu aquela que é classificada pela entidade como "sua principal tarefa", que é a demarcação de terras, novamente submetida à Justiça.
"O movimento espanta pouco num Congresso dominado pelo combo ruralistas-extrema-direita, que desde o começo do ano vem tentando fazer passar todas as boiadas que o bolsonarismo não conseguiu. O que chama atenção é que o governo Lula sequer fingiu indignação ao descobrir que não manda nem na organização dos próprios ministérios", frisa o Observatório do Clima, em tom duro. "Ao rifar a agenda socioambiental no gabinete, o governo Lula emula seu antecessor, que iniciou o desmonte do MMA justamente por retirar-lhe atribuições", prossegue o texto.
A nota lembra que, na mesma noite, a Câmara dos Deputados também incluiu na MP 1.150 um item que, segundo o órgão, "enfraquece a proteção à Mata Atlântica, como sonhara Ricardo Salles". O Observatório do Clima apela, então, para que o presidente não chancele a mudança: "Só resta a Lula vetá-los".
O texto também faz crítica a Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados. "Lira e seus homens da motosserra tocam a boiada, mas quem abriu a porteira desta vez foi o Palácio do Planalto", conclui a entidade — leia a íntegra ao fim da reportagem.
O esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente, na contramão da proposta desenhada por Lula assim que assumiu, foi levado adiante após um acordo costurado pela liderança do governo no Congresso. Já a criação do marco temporal para as terras indígenas, que também afronta posicionamentos históricos do presidente e aliados, foi aprovado na Câmara sem que governistas marcassem posição contra.
Na mesma toada, deputados flexibilizaram o Código Florestal, criando regras que podem contribuir para o desmatamento de áreas protegidas. O governo orientou a bancada a votar a favor das regras mais brandas — ou seja, fez um gesto à frente ruralista e isolou a ala ambientalista.
Como a Medida Provisória é válida só até 1º de junho, havia risco de que mais atrasos fizessem a norma perder o efeito, obrigando a retomada de toda a estrutura deixada por Bolsonaro. O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), se reuniram em momentos diferentes com o relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), e entraram em acordo sobre o texto. Na prática, cederam nos tópicos que atingiram Marina. Randolfe classificou o resultado como uma “vitória expressiva”.
"Jair Bolsonaro passou, mas a boiada ficou, e com sócios inusitados. Nesta quarta-feira (24), uma comissão mista do Congresso aprovou por 15 votos a 3 o relatório do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL) que desidrata os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. O texto altera a Medida Provisória 1.154, que definiu a estrutura administrativa do governo, dando ao MMA quase a mesma cara que tinha na gestão Bolsonaro: a pasta de Marina Silva volta a ficar sem a Agência Nacional de Águas e sem o Cadastro Ambiental Rural, que passam aos ministérios da Integração e da Gestão, respectivamente. Já o Ministério dos Povos Indígenas perde sua principal tarefa, a demarcação de terras, que volta para a Justiça.
O movimento espanta pouco num Congresso dominado pelo combo ruralistas-extrema-direita, que desde o começo do ano vem tentando fazer passar todas as boiadas que o bolsonarismo não conseguiu. O que chama atenção é que o governo Lula sequer fingiu indignação ao descobrir que não manda nem na organização dos próprios ministérios. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, elogiou a MP na terça-feira; o PT no Senado comemorou nas redes sociais a “vitória” da aprovação na comissão, que deve ser referendada pelo plenário da Câmara já nesta quinta-feira (25).
Ao rifar a agenda socioambiental no gabinete, o governo Lula emula seu antecessor, que iniciou o desmonte do MMA justamente por retirar-lhe atribuições. E contradiz o discurso ambiental do presidente, que jurou proteger os indígenas e fortalecer o combate ao desmatamento e às mudanças do clima.
De brinde, a Câmara também votou nesta noite a MP 1.150, que ganhou dos deputados uma emenda que enfraquece a proteção à Mata Atlântica, como sonhara Ricardo Salles. Os jabutis retirados no Senado, voltaram à medida provisória. Só resta a Lula vetá-los.
Como não falta emoção em Brasília, os deputados ainda aprovaram a urgência do PL 490, que dificulta demarcações de terras indígenas e libera a exploração econômica dos territórios. O PL estabelece o infame “marco temporal”, segundo o qual indígenas que não estivessem produzindo em suas terras em 1988 perderiam direito a elas.
Arthur Lira e seus homens da motosserra tocam a boiada, mas quem abriu a porteira desta vez foi o Palácio do Planalto