Congresso Nacional (Antonio Scorza/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 3 de junho de 2018 às 11h44.
São Paulo - O Congresso tem se movimentado para abordar o fenômeno das notícias falsas. Nada menos que 210 deputados e 11 senadores se reuniram na chamada Frente Parlamentar de Combate às Fake News, lançada no último dia 23. Além disso, segundo levantamento do Estado, pelo menos 16 projetos de lei sobre o tema já foram apresentados na Câmara e no Senado. Os textos, no entanto, são genéricos e, de acordo com especialistas, chegam a dar abertura para o cerceamento à liberdade de expressão, além de buscar soluções controversas para o problema.
A fim de transformar em crime a produção ou o compartilhamento de notícias falsas, a maioria dos projetos sugere mudanças no Código Penal. Mas há quem proponha alterações no Código Eleitoral e até na Lei de Segurança Nacional. O projeto de lei 9533/2018, do deputado Francisco Floriano (DEM-RJ), prevê pena de um a quatro anos de detenção para quem "participar nas tarefas de produção e divulgação de fake news, seja no formato de texto ou vídeo, com a finalidade de disseminar (...) notícias falsas capazes de provocar atos de hostilidade e violência contra o governo".
Para Floriano, o fator internet requer um "aperfeiçoamento" da Lei de Segurança Nacional "por causa da velocidade com que se espalha uma mentira". Segundo ele, a Justiça seria a encarregada de apontar se uma informação compartilhada é mal-intencionada ou não.
O PL 7.604/2017, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), responsabiliza provedores pelo compartilhamento de informações "ilegais ou prejudicialmente incompletas". Uma vez notificadas, teriam de retirar o conteúdo do ar em até 24 horas - caso contrário, a multa seria de R$ 50 milhões. "Eu já tinha o projeto de responsabilização de fake news e da reprodução e resolvi copiar o projeto que a (premiê alemã) Angela Merkel enviou ao Parlamento no ano passado", disse ele.
De acordo com o sociólogo Sérgio Amadeu, da Universidade Federal do ABC, o projeto contraria o Marco Civil da Internet ao multar provedores de conteúdo. É impossível, afirma, apurar cada coisa que está sendo dita na internet. "O grande temor não é só a desinformação nas eleições, que é uma preocupação, mas também a censura e a perseguição política."
O PL 9.931/2018, de Erika Kokay (PT-DF), pretende punir com até um ano de detenção quem publicar "notícias ou informações falsas com o intuito de influenciar a opinião pública". A justificativa acrescenta que os meios de comunicação de massa "têm sido utilizados como instrumentos de manipulação da opinião pública, servindo a interesses escusos de todos os tipos, ou mesmo a futilidades".
Já o PL 7.072/2017, de Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), acusa a imprensa de divulgar determinados assuntos "com base em dados infundados". E diz que, apesar de as redes sociais serem uma plataforma moderna e de alta influência, os grandes veículos também "passam notícias mentirosas".
O diretor executivo da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, disse que acompanha a tramitação desses projetos com preocupação. "Muitos são potencialmente prejudiciais à liberdade de expressão. A melhor forma de combater a informação falsa é com mais e mais jornalismo. Quem se opõe ao trabalho do jornalismo profissional quer a distorção das informações."
Segundo Erika Kokay, que alega ter sido alvo de mentiras, a liberdade de expressão não pode ser sinônimo de incitação ao crime. "É isso (a desinformação) que fere a democracia."
O presidente da Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às Fake News, deputado Márcio Marinho (PRB-BA), diz que o intuito é debater os projetos já existentes e agilizar sua aprovação. Segundo ele, haverá equilíbrio para "evitar extremos".
Diretor do Instituto de Tecnologia e Equidade, Márcio Vasconcelos diz que os projetos mostram que não há nenhum preparo por trás da elaboração. A começar pela presença constante do termo fake news, que começa a ser colocado em xeque por quem estuda o assunto - se é notícia, não pode ser falsa. A expressão, comenta, passou a ser banalizada e usada por políticos para qualificar informações que veem como negativas.
Polêmica internacional
Veio da Malásia a primeira lei "anti-fake news" do mundo. A medida foi aprovada no início de abril e, já no fim do mês, tinha seu primeiro condenado: um cidadão dinamarquês que teve de passar uma semana na prisão e a pagar multa de 10 mil ringgit (cerca de R$ 8,8 mil). A pena máxima é de seis anos de encarceramento e a multa pode chegar ao equivalente de R$ 385 mil.
A legislação, no entanto, é controversa. Críticos afirmam que o país quer conter uma dissidência e a liberdade de expressão antes das eleições gerais. Em outros lugares do mundo, a situação é parecida. Na Índia, o governo anunciou um decreto que revogaria credenciais de jornalistas que divulgassem notícias consideradas falsas - sem definir como seriam verificadas as publicações. A reação contrária foi tão grande que a proposta foi suspensa no dia seguinte à divulgação inicial.
Segundo o jornal inglês The Guardian, países da União Europeia como Suécia, Irlanda e República Checa também estudam aplicar leis contra as notícias falsas. Na França, o presidente Emmanuel Macron prometeu legislação sobre o tema para as campanhas eleitorais. Na Ásia, Cingapura e Filipinas já acenaram com possíveis medidas para controlar o fenômeno.
Em outras nações existem normas mais gerais que também endereçam o problema da desinformação - como a lei contra discurso de ódio online da Alemanha e a lei de cibersegurança da Tailândia. No país europeu, as plataformas digitais com mais de 2 milhões de usuários têm 24 horas para remover conteúdo ilegal que divulgue racismo, terrorismo ou notícias falsas, sob risco de pagar pena de 50 milhões. Já a regra tailandesa penaliza com prisão de até sete anos os divulgadores de mentiras online.
Segundo especialistas, essas legislações têm problemas similares aos projetos de lei brasileiros: não são efetivos e podem ferir a liberdade de expressão. "Nenhum dos países conseguiu resolver o problema. Não existe uma bala de prata", disse Virgilio Almeida, professor associado do Departamento de Ciência da Computação de Harvard.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.