Bolívia: para a Procuradoria da República, a Inspetoria da Receita Federal de Corumbá (MS) funcionava como um verdadeiro "balcão de negócios" (foto/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 29 de novembro de 2016 às 15h33.
São Paulo - O Ministério Público Federal em Corumbá (MS) denunciou 32 pessoas por envolvimento em um grande esquema de fraudes em importações e exportações na fronteira com a Bolívia que teria gerado um prejuízo de mais de R$ 600 milhões em impostos sonegados.
Para a Procuradoria da República, a Inspetoria da Receita Federal de Corumbá (MS) funcionava como um verdadeiro "balcão de negócios", entre empresários e servidores corruptos que teriam atuado nas fraudes.
A denúncia foi aceita pela Justiça Federal, que levantou o sigilo dos autos nesta semana. As informações são da Procuradoria da República no Mato Grosso do Sul (MS).
Os réus respondem pelos crimes de descaminho, contrabando, falsidades documentais, corrupção ativa, corrupção passiva, facilitação de descaminho e formação de quadrilha.
Segundo a Procuradoria, o esquema funcionava nas cidades de Corumbá (MS) e de Cáceres (MT) e contou com a participação de empresários, despachantes aduaneiros, operadores financeiros e servidores da Receita Federal.
De acordo com as investigações, os envolvidos realizavam importações e exportações fraudulentas de produtos têxteis, pneus, cervejas, perfumes, aditivos químicos e maquinários diversos, e se organizavam em três grupos distintos: importadores que prestavam declarações falsas aos órgãos de controle; empresários que, por meio de fraudes, simulavam exportações a países vizinhos; e servidores públicos da Receita Federal corrompidos, que recebiam propina em troca de facilitar o funcionamento do esquema.
De acordo com a denúncia, o primeiro grupo importava grande quantidade de mercadorias sem pagar os impostos de forma correta.
Para tanto, emitia declarações falsas sobre a origem, valor ou quantidade dos produtos, de modo a se beneficiar dos incentivos tributários estabelecidos em acordos comerciais.
No Brasil, por exemplo, produtos têxteis oriundos de países sul-americanos têm tributação reduzida. Cientes disto, os denunciados declaravam que roupas compradas na China seriam de origem boliviana, pagando, assim, menos impostos do que deviam.
Além disso, em alguns casos, declaravam que importavam produtos em quantidades menores do que efetivamente traziam ao Brasil, para diminuir a base de cálculo dos tributos e pagar, também por essa via, menos impostos do que o devido.
E para não serem descobertos, aponta o MPF, os importadores utilizavam empresas "laranjas", para ocultar os nomes dos reais autores das importações, e ainda pagavam, regularmente, propina a servidores públicos com o intuito de evitar que sofressem fiscalização.
Já o segundo grupo, formado por empresários, além de também realizar importações fraudulentas de produtos têxteis, simulava exportações de cervejas, com o objetivo de se beneficiar da isenção de vários impostos.
Pela legislação brasileira, produtos nacionais destinados ao mercado externo não são tributados em IPI, PIS/Cofins e ICMS - uma forma de incentivar a exportação e contribuir para o superávit da balança comercial brasileira.
Para se beneficiar dessas isenções, o grupo, por meio de fraudes e do pagamento de propina a servidores públicos para não fiscalizarem essas operações, declarava que iria destinar bebidas ao mercado externo, mas, na verdade, as desviava para o mercado interno.
As mercadorias, na maioria das vezes, sequer saíam do território nacional e eram comercializadas com preços bem abaixo do que a média da concorrência.
Por fim, segundo o MPF, para que todo o esquema de operações aduaneiras fraudulentas funcionasse sem resistência dos órgãos de controle, um terceiro grupo, de servidores corruptos, exercia um papel fundamental.
Auditores fiscais e analistas tributários da Receita Federal solicitavam e recebiam vantagens indevidas para não realizarem a correta fiscalização de determinadas cargas.
Eles recebiam propina tanto para não coibir ilícitos, quanto para agilizar desembaraços de operações regulares, evitando, assim, que empresários arcassem com os custos da demora do fluxo de bens no comércio internacional.
Segundo o MPF, após anos atuando, este grupo de servidores públicos transformou parte da Inspetoria da Receita Federal de Corumbá (MS) em um verdadeiro "balcão de negócios", oferecendo a um grande número de pessoas físicas e jurídicas providências ilegais de facilitação de descaminho e de agilização de operações aduaneiras as mais diversas.
"O grau de profissionalismo desta prática ilícita era tal que o grupo atuava de maneira orquestrada e coordenada, com servidores que não apenas repartiam entre si a propina que cada um recebia, como também dividiam tarefas: um deles ficando responsável por receber os valores ilícitos, outro ficando responsável por avocar processos aduaneiros, outro, ainda, ficando responsável por facilitar a passagem de determinado veículo com mercadorias descaminhadas", esclarece o Ministério Público Federal em Corumbá/MS.
De acordo com as investigações, o esquema desvelado era tão rentável que este grupo cobrava, em média, de U$ 2 mil a U$ 7 mil por carga que liberava indevidamente.
Estima-se que os servidores receberam dezenas de milhares de dólares por mês, a título de propina, sendo que, na casa de vários deles, foram encontrados e apreendidos milhares de reais e de dólares em espécie, sem origem legal aparente.