Asfalto: denunciados na ação penal vão responder pela prática dos crimes de formação de quadrilha, falsidade ideológica e fraude em licitação. (FERNANDO MORAES)
Da Redação
Publicado em 17 de abril de 2013 às 14h41.
São Paulo - O Ministério Público Federal em Jales denunciou nesta terça-feira, 16, um grupo de 19 integrantes de uma organização criminosa que corrompia agentes públicos e fraudava licitações para a contratação de serviços, especialmente de pavimentação e recapeamento asfáltico, para a prefeitura de Auriflama, no noroeste do Estado. Essa é a primeira de uma série de denúncias a serem apresentadas ao longo dos próximos meses pelo Ministério Público Federal, a partir das provas obtidas ao longo das investigações da Operação Fratelli, deflagrada no último dia 9.
Fraudes semelhantes ocorreram em cerca de 80 municípios da região, e o valor dos desvios pode ter alcançado a cifra de R$ 1 bilhão. Os denunciados nesta ação penal vão responder pela prática dos crimes de formação de quadrilha, falsidade ideológica e fraude em licitação.
O núcleo empresarial Scamatti, liderado por Olívio Scamatti, dono da empreiteira Demop, de Votuporanga, se desdobrava em pelo menos 31 empresas distintas, algumas delas apenas de fachada, segundo a denúncia da Procuradoria. Os quadros societários variavam, mas eram compostos sempre por membros da família Scamatti.
A existência dessas diversas empresas foi um dos principais instrumentos utilizados para facilitar a prática dos crimes, segundo a denúncia da Procuradoria. Na verdade, tratava-se de um único grupo empresarial pertencente aos Scamatti, subdividido em várias empresas apenas com o objetivo de praticar crimes. As empresas participavam dos processos licitatórios, mas não havia uma concorrência real, já que pertenciam todas ao Grupo Scamatti. "Eram simulacros de licitações", define o procurador da República Thiago Lacerda Nobre, autor da denúncia.
Prefeito denunciado
As obras de recapeamento de vias eram realizadas com verbas federais dos Ministérios das Cidades e do Turismo. O dinheiro era destinado à região por meio de emendas de parlamentares ao Orçamento da União, o que era definido no Congresso.
As emendas em si não são alvo da investigação do Ministério Público Federal no momento, mas sim os processos licitatórios realizados para definir as empresas que receberiam essas verbas federais para tocar obras no noroeste do Estado.
Como as licitações eram direcionadas, as obras eram superfaturadas, e os lucros divididos entre os integrantes do esquema, segundo a denúncia, inclusive sendo utilizados para corromper agentes públicos.
Um dos 19 denunciados no caso da Máfia do Asfalto em Auriflama é o ex-prefeito José Jacinto Alves Filho, o Zé Prego. No dia da deflagração da Operação Fratelli, a Polícia Federal apreendeu R$ 160 mil na casa de Zé Prego.
Esquema
Embora o Grupo Scamatti esteja no centro do esquema, a Procuradoria avalia que não é possível ignorar a participação, na fraude, de outras pessoas estranhas ao núcleo familiar, como agentes públicos - o ex-prefeito Zé Prego e os servidores públicos municipais Vanessa Camacho Alves e José Voltair Marques, integrantes da Comissão de Licitação de Auriflama à época dos fatos.
Também contribuíam para o esquema contatos com outros empresários. Para além das empresas "familiares" os Scamatti contavam com o auxílio de empresas parceiras como a Miotto & Piovesan Engenharia e Construções Ltda.
A Miotto & Piovesan participava de diversos procedimentos licitatórios junto das empresas dos Scamatti, mas em muitos casos apenas para estampar um aspecto de legalidade e competição aos certames. A Procuradoria anota que chama a atenção o fato de que a empresa utiliza o mesmo telefone de uma das empresas dos Scamatti, a Mult Ambiental Engenharia Ltda.
Para a Procuradoria, esse fato, por si só, já demonstra que, em vez de concorrer com os Scamatti, a Miotto & Piovesan na verdade agia em conluio com o grupo. Os donos da Miotto & Piovesan, Valdir Miotto e Maria das Dores Piovesan Miotto, também foram denunciados.
Além de Olívio Scamatti, foram denunciados seus quatro irmãos, Dorival Remedi Scamatti, Mauro André Scamatti, Pedro Scamatti Filho e Edson Scamatti; a mulher de Olívio, Maria Augusta Seller Scamatti; e o irmão de Maria Augusta e cunhado de Olívio, Luiz Carlos Seller.
Todos eles figuravam no quadro societário de empresas do grupo e não só tinham conhecimento das fraudes como também atuavam diretamente para que elas pudessem ser efetuadas.
Fora do núcleo familiar, o Grupo Scamatti contava também com o auxílio de Humberto Tonanni Neto, funcionário dos Scamatti e responsável por contatos com prefeitos e assessores. Ele tinha pleno conhecimento, inclusive participação, em negociações para pagamentos de propina.
Outro funcionário do grupo cujo papel é considerado fundamental é Valdovir Gonçalves, o Nenê. Ele atuava diretamente no esquema de corrupção, seja na parte das licitações, entregando propostas e representando empresas ou efetuando pagamento de propina.
Irregularidades em licitações
Também tinha atuação semelhante à de Humberto e Valdoir o funcionário Jair Emerson Silva, o Miudinho ou Jairzão. Ele chegou inclusive a visitar prefeituras para contatos políticos. Por sua vez, outro funcionário dos Scamatti, Osvaldo Ferreira Filho, o Osvaldim, não só tinha conhecimento do esquema como também era bastante próximo de Olívio: sempre acompanhava o chefe em viagens e é extremamente articulado no âmbito político. Conseguiu emplacar o filho, Osvaldo Ferreira Neto, num cargo na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Outros personagens que merecem destaque por sua participação na fraude são Ilso Donizete Dominical, responsável pela contabilidade das empresas do grupo, uma espécie de braço direito e conselheiro contábil de Olívio Scamatti e que chegou a figurar no quadro societário de empresas do grupo, e Gilberto da Silva, o Zé Formiga. Espécie de lobista, ele atuava como um dos interlocutores políticos do grupo, articulando a liberação de verbas junto a políticos para diversos municípios do noroeste paulista.
Notícias de irregularidades em licitações na região já eram objeto de investigação do Ministério Público do Estado de São Paulo desde 2007. Em dezembro de 2012, ao identificar o possível envolvimento de verbas federais nas fraudes, o procurador da República Thiago Lacerda Nobre, lotado na Procuradoria da República no Município de Jales, determinou a instauração de inquérito policial, e as investigações passaram a ser feitas pela Polícia Federal.