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Privatização dos Correios: fundos devem participar de consórcios

Empresas de entrega de encomendas e logísticas estariam entre os players interessados no negócio, assim como companhias de e-commerce como a Amazon; mercado se movimenta

Privatização dos Correios: leilão deve atrair empresas de logística e varejo (Correios/Divulgação)

Privatização dos Correios: leilão deve atrair empresas de logística e varejo (Correios/Divulgação)

CA

Carla Aranha

Publicado em 20 de julho de 2021 às 18h01.

Última atualização em 20 de julho de 2021 às 18h32.

Com data marcada, o leilão dos Correios, previsto para março do ano que vem, começa a atrair players globais do setor de logística e varejo, de olho na capilaridade da empresa. Em entrevista exclusiva à EXAME, Martha Seillier, secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), do Ministério da Economia, e Fabio Abrahão, diretor de concessões e privatizações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), encarregado dos estudos de modelagem econômica da privatização dos Correios, tratam sobre grupos econômicos interessados na compra da estatal e as mudanças no mercado de entregas de encomendas, baseadas no desenvolvimento de novas tecnologias e investimentos. Veja os principais trechos a seguir.

 O marco regulatório do setor postal deverá resolver a questão sobre o meandro jurídico da privatização dos Correios? Augusto Aras, ministro do STF, recentemente emitiu um parecer sobre a possível inconstitucionalidade da venda da estatal.

Martha Seillier (MS) - Esse é um ponto de atenção para a gente, mas sempre entendemos que temos segurança jurídica para avançar com o projeto. Com a legislação atual, não teríamos a segurança jurídica necessária porque só temos uma lei para endereçar o setor postal, que é a mesma lei que criou os Correios. Temos uma previsão na Constituição, no artigo 21, inciso dez, que diz que compete à União manter o serviço postal. E aí vem essa discussão do que significa “manter”.

Em outros trechos da Constituição, há menções sobre exploração de serviços públicos, se cabe à União manter ou explorar. No caso do serviço postal, há uma discussão jurídica em torno do que é “manter”. Isso implica em uma alteração legal, que é justamente o que estamos propondo e está avançando no Congresso.

Como o projeto de lei vai resolver essa questão?

(MS) - A lei vai dizer que manter o serviço postal é garantir que se tenha o olhar atento do governo na delegação do serviço obrigatório em todo o território nacional. A nova lei do setor postal vai garantir o mandamento constitucional, possibilitando atrair investimentos privados para o setor justamente porque a gente interpreta que sem esses aportes privados estaríamos colocando em risco o mandamento constitucional. Como mantemos o serviço postal em todo o país com qualidade e eficiência sem investimento, que é a realidade hoje dos Correios?

Qual será o futuro do serviço postal no Brasil e que papel os Correios poderão exercer em um novo cenário de entregas, com predomínio do e-commerce?

(MS) - À medida que os Correios perdem uma renda relevante com cartas, cuja demanda está caindo, e os concorrentes estão crescendo e investindo na entrega de encomendas, a estatal vê seu market share se reduzir na fatia lucrativa do serviço. Se não é tomada uma medida para tornar a empresa competitiva com as demais, que são privadas, vai haver uma redução cada vez maior da participação de mercado dos Correios até a estatal não conseguir mais se sustentar. Já estamos no limite da preocupação de atuar em relação a isso.

Hoje, os Correios ainda interessam o setor privado. A partir do momento em que as empresas concorrentes da estatal em entregas de encomendas vão se tornando gigantes e os Correios vêm se diminuindo, poderia não haver interesse em comprar os Correios. Temos um timing da privatização.

O projeto de lei da privatização dos Correios deve trazer um limite máximo de preços para o serviço de entrega de correspondências?

(MS) – O PL separa o que é entrega de encomendas, que tem preço livre no mercado, e o serviço de natureza mais pública, universalizado, como a entrega da carta. A Anatel ficará encarregada da regulação.

Será um modelo diferente de venda de uma estatal?

(MS) – Sim. Como estamos vendendo uma estatal que presta um serviço público, de entrega de cartas, vai ter um contrato assinado com o governo federal com regras claras sobre como manter a universalização do serviço. Estamos incluindo também a encomenda não expressa, para que as pessoas possam receber qualquer tipo de bem. Tudo isso estará estipulado no contrato de concessão.

O passivo bilionário dos Correios acende uma luz amarela em relação à capacidade da empresa de atrair investidores?

(MS) – O passivo está sendo levantado pelo BNDES, mas não há nada no sentido de acender uma luz amarela. O objetivo é ter o máximo de transparência em relação a esses valores.

Como vocês analisam o interesse dos investidores pela venda dos Correios? O maior atrativo é a capilaridade da empresa?

(MS) – Sim. O fato de estar presente em mais de 5.000 munícipios, com uma infraestrutura montada, é um grande atrativo.

Vocês têm conversado com os investidores? Quais são as principais colocações das empresas interessadas no negócio?

(MS) – Giram em torno da segurança jurídica, sobre como vai ser a atuação da agência reguladora. Existe também uma preocupação no mercado que a gente acabe amarrando mais a prestação do serviço porque hoje não temos a Anatel atuando no setor. A transparência sobre os dados dos Correios também tem sido apontada. Por isso, vamos montar um grande banco de informações e a due diligence, que está sendo feita pelos consultores contratados pelo BNDES.

A ideia de vender integralmente a operação dos Correios partiu das conversas com investidores?

Fabio Abrahão (FA) – Está ocorrendo uma transformação no Brasil e no mundo todo sobre o aumento do papel da entrega de encomendas. Do ponto de vista do mercado, há uma convergência de dois setores. Temos de um lado o setor de varejo, como Magazine Luiza, Mercado Livre, Americanas.com, Amazon, que é uma turma que nasce da transação com o consumidor.

Ela busca entender a experiência de consumo e está indo para as atividades de logística. Do outro lado, há as companhias de logística, que têm o conhecimento da operação: quem comprou que tipo de produto e quando. Essas empresas de varejo conhecem a operação no canal delas. O operador de logística conhece a operação de vários canais.

Esses dois setores, de logística e varejo, estão convergindo?

(FA) – Sim. Essa convergência acontece em meio a uma corrida tecnológica. O mercado de varejo busca fazer aquisições de companhias de logística. É o mundo do varejo caminhando para a operação de entrega.

Para as empresas de varejo então interessa muito comprar companhias de logística?

(FA) – Certamente. E o parceiro de logística trabalha com diversos canais, então ele tem um conjunto de informações diferenciado. O combustível dessa convergência é a corrida tecnológica. Uma operação logística eficiente até a última década era ter instalações no lugar certo e entregar na data prometida.

E como é hoje?

(FA) -- É quanto o consumidor gasta, qual a periodicidade de compra, o que essa pessoa gasta entre a quinta e a sexta-feira. O pano de fundo da privatização dos Correios é a diminuição da parte de correspondência. Temos de um lado o setor de varejo online, que nasce da transação com o consumido e, portanto, busca entender a experiência de consumo, e está indo para atividades de logística. E de outro lado, temos as empresas de logística, que têm o conhecimento da operação, do que alguém comprou, por qual motivo e quando.

Deverá haver então uma convergência do mercado de logística para o de entregas de e-commerce?

(FA) – Sim.

Inclusive no sentido de comprar parceiros de logística, como os Correios?

(FA) – Sim. Hoje, nos Estados Unidos há um autosserviço de entregas de produtos da Amazon em postos distribuídos no país. É uma lojinha em que, com um código, o consumidor coloca no escaninho o produto e o devolve, caso não tenha ficado satisfeito com a compra. E isso é só um exemplo. E aí eu pergunto, uma estatal será capaz de entrar na corrida tecnológica por inovação?

Como isso impacta a atratividade da venda dos Correios? Que tipo de empresa está mais interessada na compra da estatal?

(MS) – Temos tido um retorno do mercado, que o timing da venda é ótimo, mas temos que concretizar a operação agora.

(FA) – O varejo e logística são setores que se interessam. Para fazer parte da corrida tecnológica, precisa também saber operar, como a Martha está dizendo. Se você analisar o Mercado Livre, o nível de dependência dos Correios há alguns anos estava em determinado patamar, hoje é outro. Isso está acontecendo com todos os players. Esse timing da venda dos Correios é percebido pelo mercado.

Que tipo de empresa de tecnologia poderia se interessar pela venda dos Correios?

(FA) – Qualquer empresa que tenha algum interesse em consumo.

E há várias, não?

(FA) – Justamente, por isso que é interessante.

Até uma empresa como o Google poderia se interessar?

(FA) --- Por que não? Todos os ventos apontam para termos uma boa diversidade de interessados.

(MS) – Há várias empresas interessadas conversando conosco.

Fundos de investimento também estão interessados?

(FA) – É muito possível termos consórcios no leilão de venda dos Correios, com fundos estrangeiros e nacionais, como tem acontecido no setor de saneamento.

(MA) – O fluxo de receitas crescente será essencial para manter a universalização do serviço.

(FA) – Os Correios investem hoje ao redor de 300 milhões de reais por ano. Empresas globais similares investem na casa de 1,5 bilhão de dólares, mas elas já estão na curva tecnológica há muito tempo. Onde estão os investimentos dos Correios em fronteiras da tecnologia? Não tem. Por quê? É outro jogo.

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