Brasil

Prisões coíbem criminalidade quebrando leis, diz órgão federal

Mecanismo Nacional de Combate à Tortura alertou 11  estados, DF e União sobre violações de direitos em prisões antes de rebeliões no Norte e Nordeste

Presos gesticulam para agentes de segurança no presídio de Alcaçuz, em Natal (Nacho Doce/Reuters)

Presos gesticulam para agentes de segurança no presídio de Alcaçuz, em Natal (Nacho Doce/Reuters)

Bárbara Ferreira Santos

Bárbara Ferreira Santos

Publicado em 31 de janeiro de 2017 às 07h00.

Última atualização em 31 de janeiro de 2017 às 07h00.

São Paulo -- Ironicamente, sob o pretexto de combater a criminalidade, as penitenciárias do país desrespeitam a legislação. De acordo com o Mecanismo Nacional de Combate à Tortura, órgão do governo federal que investiga práticas de tortura e violações de direitos humanos em prisões brasileiras, isso é feito das mais diversas formas possíveis.

Segundo os peritos do órgão, o Brasil não fecha os olhos para o que acontece no sistema prisional. Pelo contrário, o país sabe e permite que essas violações aconteçam. “Ao produzir encarceramento massivo, ao submeter as pessoas presas a condições de insalubridade, ao agredi-las sistematicamente, o Estado não está ausente, mas escolhendo uma maneira de se fazer presente que é violadora”, diz José de Ribamar Silva, responsável pelo departamento que monitora o sistema prisional da região Norte e Nordeste.

Uma das provas de que o Estado sabe das condições dos presídios e continua na inércia são os relatórios produzidos pelo Mecanismo, subordinado à Secretaria Especial de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça.

Desde junho de 2015, o órgão visitou 54 unidades de privação de liberdade (incluem presídios, unidades socioeducativas, instituições psiquiátricas, entre outras modalidades de detenção) em 11 estados e no Distrito Federal e produziu relatórios divulgando as sucessivas práticas de torturas cometidas nesses locais. Todas as visitas foram encerradas com audiências com representantes do poder público estadual e federal, sejam do Executivo, do Judiciário, do Ministério Público ou da Defensoria Pública.

Nos relatórios e nas audiências, os peritos do órgão apontaram para esses governos o risco de uma escalada de violência nessas unidades prisionais, o que poderia levar à morte de presos, agentes penitenciários e familiares de presos caso as práticas de torturas e abusos continuassem. Os avisos foram ignorados e o cenário previsto pelo órgão se confirmou em prisões do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte.

Entre as unidades visitadas pelo Mecanismo, está o Complexo Prisional Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, justamente onde ocorreu o primeiro massacre em presídios neste ano, que culminou com a morte de 56 detentos. Só nesta prisão, foram relatados casos envolvendo abusos sexuais a presos LGBT, queimaduras, choques elétricos nos genitais, afogamento, sufocamento com saco plástico, perfuração abaixo das unhas com agulhas, prática conhecida como telefone (bater nas duas orelhas da pessoa simultaneamente), entre outros casos de tortura e humilhação.

Em Pedrinhas, no Maranhão, os peritos encontraram relatos de práticas de canibalismo entre os presos e da presença de ratos e baratas dentro das celas e dos refeitórios.

Em todas as unidades prisionais visitadas, além da superlotação, as celas são em geral ambientes fétidos, úmidos e insalubres, com chuveiros improvisados e água escassa.

Já as celas de castigo são verdadeiras salas de tortura sem entrada de luz, sem ventilação, sem condições de higiene e muitas com esgoto aberto. Além disso, frequentemente as pessoas ficam nestes locais por tempo indeterminado, o que causa intenso sofrimento psíquico.

Pior ainda é a falta de atendimento médico dentro dessas prisões após os abusos cometidos por agentes públicos. Há relatos de pessoas com balas alojadas ou que perderam a visão por causa de tiros de bala de borracha disparados por agentes de segurança simplesmente porque não receberam nenhum tipo de socorro.

Não é raro, segundo os relatórios, abusos frequentes a mulheres, sejam elas detentas ou parentes de internos. Presas em trabalho de parto muitas vezes dão à luz algemadas e ficam com seus filhos recém nascidos em espaços sem nem mesmo as mínimas condições adequadas de higiene. Mulheres, adolescentes, idosas e até mesmo crianças passam por revistas vexatórias, invasivas e violadoras, muitas vezes realizadas por agentes homens.

Na maior parte das vezes, essas violações de direitos humanos não são investigadas. Quando há algum tipo de averiguação, não são seguidos os protocolos internacionais de investigação de tortura, o que impede a identificação e responsabilização dos agentes que cometeram os abusos, segundo Silva.

O cenário se torna ainda mais drástico porque quase metade desses presos são provisórios, o equivalente a 40% dos detentos do país. Ou seja, essas pessoas nunca foram julgadas por um juiz, nunca receberam uma sentença e muitas vezes nem sequer foram ouvidas por delegados.

“O modelo de gestão penitenciária vigente é fadado ao fracasso, pois é baseado em alguns vícios de origem. É voz corrente que no Brasil se investiga mal, condena mal e prende mal, de forma seletiva e indiscriminada”, afirmou Silva. “O sistema de investigação é sucateado, o sistema de perícia está estrangulado e a aplicação da pena não cumpre os princípios de punição com alternativas de ressocialização.”

Além de defenderem a criação de um Sistema Nacional de Segurança, os peritos pedem também maior cooperação judicial para combater a crise nos presídios, com medidas de desencarceramento, como as audiências de custódia, penas alternativas e programas de remição de pena por trabalho e estudo.

Eles também reivindicam que seja criado um  Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, com comitês (possuem representantes de órgãos públicos e membros da sociedade civil) e mecanismos (compostos por peritos, que podem entrar em qualquer presídio sem aviso prévio) em todos os estados do país. Atualmente, há comitês em 17 unidades da federação, mas os mecanismos só existem em dois estados: Rio de Janeiro e Pernambuco.

Entre os 11 estados visitados pelo Mecanismo Nacional desde junho de 2015, a maior parte enviou apenas uma resposta protocolar que aponta o recebimento do relatório. “Em poucos casos obtivemos uma visita do estado, ou entes estatais que vêm debater questões e apresentar dissoluções de problemas”, afirmou Silva.  Ele afirmou que o órgão monitora as recomendações feitas aos estados, mas que apenas mudanças pontuais foram registradas até agora.

Veja os relatórios produzidos em todos os 11 estados e no Distrito Federal:

AMAZONAS

Relatório de visita a unidades prisionais de Manaus

CEARÁ

Relatórios de visitas ao Sistema de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente do Ceará

DISTRITO FEDERAL

Relatório de visita a unidades de privação de liberdade e de assistência social no Distrito Federal

Unidade de Internação de Santa Maria

Unidade de Internação de Planaltina

Centro de Recuperação Leão de Judá

Penitenciária Feminina do Distrito Federal

2º Relatório de Visita à Penitenciária Feminina do Distrito Federal

MARANHÃO

Complexo Penitenciário de Pedrinhas

MATO GROSSO DO SUL

Relatório de visita às unidades de privação de liberdade do Mato Grosso do Sul

PARÁ

Relatório de visita às unidades de privação de liberdade do Pará

PARAÍBA

Relatório de visita às unidades de privação de liberdade da Paraíba

PERNAMBUCO

Relatório de visita às unidades de privação de liberdade de Pernambuco

RIO GRANDE DO SUL

Presídio Central de Porto Alegre

Instituto Psiquiátrico Forense

RONDÔNIA

Relatório de visita às unidades de privação de liberdade de Rondônia

SANTA CATARINA

Relatório de visitas realizadas em Santa Catarina

SÃO PAULO

Centro de Detenção de Sorocaba

Fundação Casa - Unidade Paulista

Fundação Casa - Unidade Taipas

Presídio Militar Romão Gomes

Penitenciária Feminina de Santana

Hospital de Custódia "Prof. André Teixeira Lima"

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