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Principal desafio de Dilma é mostrar liderança política, diz FHC

Ex-presidente da República afirma que "estilo de governar do PT lembra os militares", sem debate público

FHC: "Não podemos aceitar sermos provedores de matérias-primas para a China" (Germano Luders/EXAME)

FHC: "Não podemos aceitar sermos provedores de matérias-primas para a China" (Germano Luders/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 4 de agosto de 2012 às 18h08.

São Paulo - Dilma Rousseff, a pessoa que dentro de dez dia irá comandar o país, tem como seu principal desafio ser capaz de mostrar liderança. É o que diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em entrevista a EXAME.

Com a experiência de quem esteve no Palácio do Planalto por oito anos, Fernando Henrique diz ser ilusão acreditar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, maior responsável pela eleição da nova presidente, poderá substituí-la no desafio da liderança. "O poder se exerce no dia a dia. O resto é conversa", diz. Aponta ainda os maiores desafios à frente do Brasil nos próximos anos -- e também os dilemas de seu partido, o PSDB, novamente alijado do poder central. Por fim, especula sobre o futuro de Lula. "É pouco plausível que volte. A menos que o Brasil padeça de uma grande saudade."

EXAME - Há quem diga que o seu partido, o PSDB, está envelhecido. O senhor concorda?

Fernando Henrique Cardoso - Todos os partidos estão envelhecendo. No caso do PSDB, pelo menos há uma camada de substituição. José Serra, Tasso Jereissati e eu estamos na vida pública há muitos anos. Mas temos agora um grupo formado por Geraldo Alckmin, Aécio Neves, Beto Richa, Antonio Anastásia, dentre outros, que são de outra geração. Poucos partidos têm tantas caras novas. No PT, são os mesmos nomes há muito tempo. Concordo que é hora de mudar a guarda. Mas há um aspecto do envelhecimento que não é pessoal, é de agenda. A agenda do país está esgotada. Infelizmente, campanhas eleitorais, com o sistema de marketing que temos, impedem uma discussão mais profunda. Nós paramos de pensar grande. O crescimento da economia é algo relativamente assegurado. O que não está é a boa sociedade. Precisamos de segurança, educação, um Judiciário mais efetivo e democracia no sentido mais profundo. O que nos separa de um país desenvolvido são questões que nem foram colocadas. O que define a sociedade são os valores. Há quem diga que valores não contam mais. Acho que a eleição mostrou o contrário.

EXAME - E na economia, quais são os desafios à frente?

FHC - Vamos olhar para a infraestrutura, um enorme gargalo que todos vemos. Como resolver? É da forma como se encaminhou a usina do Rio Madeira, com predomínio estatal? Se fizermos a conta de tudo o que o governo tem empenhado - trem-bala, hidrelétrica, rearmamento, capitalização da Petrobras -, fica a pergunta: com que dinheiro? Não estamos questionando o próprio modelo. Como vamos aumentar as taxas de poupança e investimento? Outra questão para o futuro é o pré-sal, com o qual estamos tão entusiasmados. O petróleo vai ser o motor da economia? Precisamos capitalizar tanto a Petrobras para explorar o pré-sal se ainda temos óleo em áreas tradicionais? Na verdade, o PT não se submete ao debate público para saber o que é melhor, prefere estigmatizar quem pensa diferente. É a técnica deles. Um estilo de governar, aliás, que lembra os militares. À época, os militares falavam que iam fazer a Transamazônica, a ponte Rio-Niterói, a Ferrovia do Aço. Ninguém discutia se era a melhor aplicação do recurso.

EXAME - PT e PDSB ainda são diferentes?

FHC - Sim. Precisamos marcar as diferenças e defender o que fizemos. No segundo mandato, Lula abraçou um lado burocrático, corporativista, estatizante. Claro que o Estado é vital em algumas áreas, mas é preciso discutir. Isso é papel da oposição, que foi omissa. Note que muitas questões não precisam necessariamente surgir dentro dos partidos. Há uma interação com a sociedade, com os meios universitários, com os empresários. Infelizmente, os meios sindicais não querem discutir nada, só querem apoiar o governo. Aliás, boa parte da universidade também. Mas temos intelectuais públicos. A mídia também tem um papel importante. É por aí que a coisa precisa andar.


EXAME - O PSDB corre o risco de desaparecer?

FHC - Acho que não. O PSDB tem interesses enraizados, tem oito governos, tem bancadas no Congresso. Mas é preciso absorver idéias novas e interagir com o mundo político, econômico, cultural e social. Algumas das questões importantes para o Brasil vão ficar expostas, pois a situação econômica dos anos Dilma será mais complexa. Com China e Índia como motores do crescimento, corremos o risco de virar provedores de matérias-primas e alimentos. Não podemos aceitar. Temos de investir em educação e em inovação. E precisamos de reformas de todos os tipos - mesmo que não sejam as grandes reformas. Uma delas, a tributária, é central. O governo está mostrando que dá para reduzir impostos, pois, dada a quantidade de dinheiro sendo emprestada a alguns setores, ele parece estar sobrando. Há também a questão do gargalo externo, que reapareceu. Nos últimos anos, por causa da bonança mundial, tudo ficou adormecido, até a corrupção. Não sei se vai continuar assim.

EXAME - O senhor pretende ter um papel mais contundente?

FHC - Nos últimos anos, tomei a decisão de me retrair. Talvez volte a ser mais ativo, até porque não há uma liderança indiscutível na oposição.

EXAME - Qual a sua expectativa sobre o governo Dilma?

FHC - Por enquanto é de reserva. Há quatro anos, ninguém imaginaria que a Dilma seria candidata. Há poucos meses, ninguém diria que ela venceria. Alguma qualidade ela tem. A minha dúvida é sobre sua liderança política - não de dar ordem, mas de convencer. Ela tem mais experiência administrativa. Mas isso não basta.

EXAME - As declarações iniciais dela foram positivas, não?

FHC - Sim, até por necessidade política. Dilma não tem a capacidade de liderança do Lula. Ela terá de atrair apoios de outra maneira. Abrir espaço, ser mais sensata, mais razoável. Não deixa de ser mostra da força da sociedade brasileira. Lula, para ganhar, escreveu a Carta aos Brasileiros, defendendo a economia de mercado. Dilma faz questão de mostrar que respeitará a democracia.

EXAME - O presidente Lula pode ajudar no papel de líder que Dilma precisa desempenhar?

FHC - Não. Ela terá de buscar no fundo da alma suas melhores qualidades. O poder se exerce no dia a dia. O resto é conversa. Lula terá influência. Mas influência eu também tenho, em grau diferente. Influência e poder são coisas distintas. Mas não tenho uma visão catastrofista. O próprio Estado tem capacidade de impedir grandes erros - no Banco Central, no Ministério da Fazenda e em outras áreas. Não existem sociedade e capitalismo modernos sem Estado de boa qualidade. Tivemos um avanço grande do Estado. Quando o governo tem visão, ele ajuda muito. Quando ele não tem, atrapalha, mas o Estado impede grandes desastres.

EXAME - Quais são as prioridades numa nova agenda de desenvolvimento?

FHC - Temos várias frentes. Na política, temos de mudar o sistema de voto. Precisamos distritalizar o voto. Os distritos seriam áreas geográficas nas quais cada partido teria um ou alguns candidatos. É uma forma de dar cara aos partidos para o povo começar a ter maior relação com os políticos. Sugiro começar a experiência pela câmara de vereadores. Veja o exemplo do Tiririca. Ele elegeu outros deputados, que não tiveram votos suficientes. Ou seja, o povo votou em um e elegeu outros. O sistema distrital teria outra vantagem - baratear as eleições. Também acho importante deixar mais claro o que pode ou não fazer nas eleições. Veja o caso de Lula e Dilma. Um prefeito que fizesse o que Lula fez teria sido cassado. Precisamos de regras mais restritas.

EXAME - E na economia, quais os desafios?

FHC - Temos uma questão central - como vamos continuar competitivos, e não só em matéria-prima? Isto implica inovação, tecnologia e, portanto, educação. Outro tema é a transformação do BNDES, de novo, num grande instrumento de escolha de vencedores. Vamos lembrar que o preço dessa escolha é paga pelo Tesouro Nacional, ou seja, por nós todos. E a concentração de renda que isso produz é enorme. Também não está clara a relação entre o público e o privado na infraestrutura. Não vamos ter um salto de qualidade sem concessões privadas. É um debate que precisa ser racional, mas infelizmente tem prevalecido a ideologia.


EXAME - Mas a campanha contra as privatizações parece ter resultado eleitoral, não?

FHC - Sim, mas o sucesso eleitoral depende da politização. Eu fui reeleito presidente depois da privatização. Naquela época, o povo era a favor. Se aceitarmos a idéia de que a participação do setor privado é traição à nação, estamos perdidos. Tanto o Geraldo Alckmin quanto o José Serra fugiram do tema. Não é que a privatização seja sempre a resposta, depende de como for feita. Na Argentina, foi desastrosa. No México, é a estatização que está atrapalhando. Na Venezuela, é uma tragédia. Aqui, temos um modelo que sempre foi misto. As estatais brasileiras têm ação na bolsa desde sempre. O problema da ideologização é que se perde o senso de medida. A oposição, evidentemente, não cumpriu seu papel neste debate.

Também me pergunto como vamos crescer sem poupança. O setor financeiro avançou muito, podemos agora pensar no financiamento de longo prazo. Temos crescido, mas ainda pouco. Vale olhar os números. Segundo o FMI, a média de crescimento de 2000 até hoje foi 4.2%. Até 2000, a média era próxima de 3%. Ou seja, melhoramos, mas nada tão extraordinária. E aí entra outra questão que não é econômica, é social. Nós avançamos bastante na metodologia das políticas de mitigar a pobreza. Mas mitigar a pobreza não é sinônimo de reduzi-la. Os números de criação de empregos - as tais 15 milhões de vagas - incorporam um pedaço grande de formalização. Ou seja, os empregos novos foram bem menos. O dinamismo da economia, embora tenha existido, não foi o suficiente para incorporar. Se o Brasil quiser ser um país desenvolvido num prazo de trinta anos, ele vai ter de ter uma política ao lado do Bolsa Família. E temos de lembrar que a janela de oportunidade não vai durar para sempre.

EXAME - Como assim?

FHC - A demografia está jogando a favor. Vai jogar a favor por mais 20 ou 30 anos. Depois, seremos um país velho. Como vamos financiar a previdência? E como vamos educar bem as pessoas que hoje são jovens? Alguns estados, como São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, dentre outros, têm experiências boas na educação fundamental. Mas a qualidade do ensino ainda é muito ruim e a duração do tempo de aula é baixíssima. Sei que é uma agenda difícil, não estou cobrando isso do governo Lula. Mas agora precisamos de um salto. Ao contrário do senso comum, acho que a saúde avançou mais do que a educação. Claro que temos filas e outros problemas, mas olhando objetivamente nota-se uma expansão do sistema de saúde. Sabe do que os usuários do SUS mais se queixam? Do modo pouco pessoal com que são tratados.

EXAME - Além da saúde, tivemos avanços em quais outras áreas?

FHC - Nunca mais ouvimos falar de seca. Mas a seca no Nordeste não deixou de existir. Graças a políticas sociais, o efeito dela sobre as pessoas foi amortecido. E mantivemos o processo de migração do campo para as cidades. E aí me pergunto: fazer a transposição do rio São Francisco agora? Tivemos um crescimento muito forte da agricultura, que historicamente sempre foi marcada por endividamento pesado de grandes proprietários. Lembro de um momento em que a dívida de produtores rurais com o Banco do Brasil era de 22 bilhões de dólares. A dívida externa era de 35 bilhões. Criamos a cédula do produtor rural, demos força à Embrapa, e tanto o agronegócio como a agricultura familiar floresceram. Precisamos agora começar a avaliar melhor os programas do governo. A reforma agrária está funcionando? E o apoio ao pequeno produtor rural? Nossa agenda é imensa. Mas, dado o excesso de propaganda oficial, infelizmente muitos acreditam que o Brasil já chegou lá.

EXAME - O senhor citou a propaganda. Mas muitos cientistas políticos vêem algo mais no sucesso do governo. Até cunharam uma expressão - o “lulismo” - para designar o fenômeno.

FHC - A certa altura eu alertei para o risco de um “sub-peronismo” no país – é “sub” porque jamais seria tão forte quanto o peronismo. Tanto o ex-presidente argentino Juan Domingo Perón quanto Getúlio Vargas incorporaram trabalhadores, criaram sindicatos e a estrutura de uma sociedade moderna. Agora, temos a incorporação de pessoas pobres. É outra categoria social. Não sei se essa categoria dá base para a sustentação de um “ismo” dessa natureza. A popularidade de Lula não está assentada em uma categoria estável da sociedade, é uma coisa mais difusa e baseada em políticas de assistencialismo. O peronismo sobrevive na Argentina até hoje. Alguma influência o Lula vai ter sempre, na memória, sem dúvida. Mas como grande fenômeno, duvido que o lulismo perdure. Nem o Lula e nem o PT têm a força do peronismo.

EXAME - E qual deve ser o futuro de Lula?

FHC - Pessoalmente, é uma figura de muito carisma. Ele tem uma linguagem muito direta com o povo. E é muito simpático. Como gosta de campanha, ele vai continuar presente. Fora do poder, será uma presença melhor.

EXAME - Como presidente, é plausível que volte?

FHC - É pouco provável. A menos que o Brasil padeça de uma grande saudade.

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