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Covid-19: quando vai ter vacina privada no Brasil?

O debate sobre a disponibilidade da vacina contra a covid-19 no mercado privado ganhou um novo capítulo nesta semana, mas uma data ainda é incerta

 (skaman306/Getty Images)

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Gilson Garrett Jr

Publicado em 26 de fevereiro de 2021 às 08h00.

Última atualização em 26 de fevereiro de 2021 às 11h56.

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Parte dos brasileiros conseguiu se afastar das ineficiências do setor público do país ao longo dos anos apelando para os serviços privados. Quase um quarto dos brasileiros tem plano de saúde particular. Um em cada cinco estudantes está matriculado na rede privada de ensino. A vacinação contra a covid 19, porém, colocou todos os brasileiros numa longa fila de espera.

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Quase 6,4 milhões de brasileiros já receberam pelo menos a primeira dose de um dos dois imunizantes contra a covid-19 adotados no país, o que representa 3% da população. E, à medida que o tempo vai passando e a perspectiva de uma vacinação em massa se mostra mais distante, uma pergunta é cada vez mais repetida: haverá vacina privada no Brasil?

Sim, a dúvida é quando. Nos últimos dias, porém, novos caminhos para um imunizante disponível no mercado privado começaram a ser abertos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu, na última terça-feira, 23, o registro definitivo da vacina contra a covid-19 da Pfizer/BioNTech. O laboratório é o primeiro a conseguir a autorização para vender o imunizante contra o coronavírus no país, inclusive, para o mercado privado.

Apesar de o Ministério da Saúde dizer que quer comprar a vacina da Pfizer, há um empecilho ainda não resolvido sobre duas cláusulas do contrato, que por enquanto não foi assinado. De acordo com o governo, os dois pontos de conflito se referem a “garantias de pagamento e do laboratório se resguardar de eventuais efeitos graves que a vacina possa causar”. O setor privado diz que "tem interesse" no imunizante, caso o governo não queira.

Mais recentemente, o Congresso Nacional entrou na jogada. Na quarta-feira, 24, o Senado aprovou um projeto de lei que autoriza a descentralização da aquisição, permitindo que estados, municípios e o setor privado também comprem a vacina contra o coronavírus. O texto segue para a Câmara dos Deputados. A grande questão é se os laboratórios vão conseguir atender tanto o setor público quanto o privado. Afinal, vacina é um produto escasso no mundo todo.

Com mais de 10,4 milhões de casos confirmados e 251,6 mil óbitos, o debate sobre a disponibilidade da vacina contra a covid-19 no mercado privado brasileiro é amplo e controverso. Surgiu por aqui no fim de 2020, quando o Ministério da Saúde ainda não tinha um plano claro, com datas, e quais vacinas pretendia comprar.

Na avaliação de Gonzalo Vecina, um dos mais respeitados médicos sanitaristas do país e fundador da Anvisa, o governo federal deixou uma lacuna neste processo, e abriu espaço para o mercado privado de vacinas negociar diretamente com os laboratórios.

“O setor público deixou de negociar a compra dessas vacinas, então, em tese, as negociações do setor privado não atrapalham. Até porque o volume é pequeno ao que nós necessitamos para vacinar toda a população brasileira. Apesar de achar muito inadequada uma fila dupla de vacinação, eu não creio que isso possa trazer algum desajuste muito maior ao Sistema Único de Saúde [SUS]”, diz.

Vacinação na Índia: Maior fabricante de vacinas do mundo tem ordem para priorizar a Índia

Vacinação na Índia: Maior fabricante de vacinas do mundo tem ordem para priorizar a Índia (SAJJAD HUSSAIN/AFP/Getty Images)

No começo do ano, representantes da Associação Brasileira de Clínicas de Vacina (ABCVAC) foram até a Índia para negociar a compra de 5 milhões de doses da Covaxin, imunizante fabricado pela farmacêutica Bharat Biotech. A previsão é de que este lote chegue ao Brasil em meados de abril, mas o processo ainda depende do aval da Anvisa. Até o momento, o laboratório não fez o pedido de registro definitivo.

Depois de o mercado privado anunciar este acordo, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, disse que o governo também estava negociando com o mesmo laboratório, mas com volume de 20 milhões de doses. O contrato foi assinado nesta quinta-feira, 25, e a previsão é de que o primeiro lote, com 8 milhões, chegue em março.

No meio deste turbilhão, um grupo de empresas brasileiras anunciou que estava negociando a compra de 33 milhões de doses da vacina da AstraZeneca, diretamente com a sede, no Reino Unido. A intenção era usar metade para vacinar funcionários e doar a outra metade ao SUS. O processo gerou mal-estar em vários setores da sociedade. Tanto o laboratório quanto o fundo de investimento, que faria a intermediação, negaram qualquer acordo.

Para o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, faltaram articulação e posicionamento do Ministério da Saúde diante da intenção do setor privado em adquirir essas doses . Criou-se assim uma competição entre o governo e o setor privado, com evidentes desvantagens para o último.

"O que aconteceu foi que o setor privado bolou um plano para comprar a mesma vacina que o governo já havia anunciado ter uma parceria, por um preço 3 vezes maior, para doar metade para o SUS e usar metade para os seus funcionários. O que o Ministério deveria dizer é que o setor privado pode comprar de um laboratório do qual o governo não pretende adquirir”, diz.

52% não pagariam por uma vacina

Mesmo com a campanha ainda lenta e incertezas sobre uma data de início da vacinação para pessoas fora do grupo prioritário, a maior parte dos brasileiros, 52%, não está disposta a comprar uma vacina contra a covid-19. Somente 31% pagariam por um imunizante. Outros 17% não sabem.

Os dados são da mais recente pesquisa EXAME/IDEIA, projeto que une Exame Invest Pro, braço de análise de investimentos da EXAME, e o IDEIA, instituto de pesquisa especializado em opinião pública. O levantamento ouviu 1.200 pessoas entre os dias 22 e 24 de fevereiro. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.

“Um terço dos brasileiros pagaria por uma vacina se fosse oferecido no setor privado. É um percentual significativo, com tendência de crescer caso o governo não consiga aumentar a velocidade de vacinação”, diz Maurício Moura, fundador do IDEIA, instituto especializado em opinião pública.

A pesquisa também perguntou sobre quanto tempo as pessoas estão dispostas a esperar por uma vacina no SUS, para então buscar na rede privada. Até dois meses de espera é o período máximo para 23% dos entrevistados. Para 26%, a espera pode levar entre 2 e 6 meses. Já 20% concordam em aguardar mais de 6 meses para buscar um imunizante privado.

Ainda não há uma definição do valor que a vacina contra a covid-19 custará no mercado privado. Há uma estimativa de fontes ouvidas por EXAME de que ela fique em torno de 300 a 400 reais, por dose. Entre os entrevistados na pesquisa EXAME/IDEIA, 49% estão dispostos a pagar até 100 reais, 27% pagariam até 250 reais, 9% estão dispostos a comprar um imunizante que custe até 500 reais, e apenas 3% comprariam por até 1.000 reais.

Mercado privado aplica 7 milhões de doses por ano

As clínicas privadas de vacina no Brasil têm tradição e experiência em oferecer o serviço a empresas, que imunizam os funcionários, como também a população em geral, que busca comodidade e uma cobertura vacinal mais ampla.

Somente em 2020 foram aplicadas pelas clínicas privadas 7 milhões de doses da vacina contra a influenza, enquanto o Ministério da Saúde aplicou um total de 80 milhões de doses. Geraldo Barbosa, presidente da ABCVAC, explica que este trabalho é complementar ao que o setor público faz, tanto pela quantidade, quanto pela não concorrência.

No caso da vacinação contra a influenza, todas as doses do Ministério da Saúde vêm do Instituto Butantan, que é o maior fornecedor do governo brasileiro. Já o mercado privado é abastecido por laboratórios da Europa e dos Estados Unidos.

Para a campanha de vacinação contra a covid-19, o presidente da entidade argumenta que por mais que o setor privado negocie com um laboratório, a prioridade de entrega será sempre para o setor público.

“As pessoas falam que a vacinação privada é fura-fila, mas como as pessoas que o setor privado quer vacinar são justamente aquelas que são obrigadas a sair de casa para trabalhar? Acho que o governo tem de ter a vacina e o setor privado também porque aí vamos atingir uma cobertura vacinal mais rápido”, diz Barbosa, presidente da associação que representa as clínicas de vacinação.

Fora do Brasil há debate sobre vacina privada

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), há 182 vacinas em desenvolvimento pré-clínico, outras 73 na fase final de testes, além de quase dez aprovadas para o uso em larga escala. Este número total de imunizantes no mundo não deve mudar muito porque para testar a eficácia é necessário que o local analisado tenha a livre circulação do vírus, o que deve diminuir com a imunidade de rebanho.

Ainda que neste momento não haja vacinas suficientes para imunizar toda a população mundial em campanhas públicas, e os laboratórios voltem sua fabricação para este fim, em alguns países há o debate se o setor privado pode também oferecer de maneira complementar.

Na Índia, que é um dos maiores fabricantes de vacinas do mundo, a maior rede de saúde do país, a Apollo Hospitals, espera que ainda em março o mercado privado tenha o produto disponível.

Um clube de super ricos do Reino Unido, o Knightsbridge Circle, oferece uma viagem aos Emirados Árabes Unidos para se vacinar contra a covid-19. O pacote custa por volta de 55 mil dólares - quase 300 mil reais - e inclui voo em jato privado e hospedagem de até um mês, para esperar a aplicação da segunda dose.

Por ora, o Brasil enfrenta o pior dos mundos: não há vacina privada e tampouco a vacina do SUS para imunizar a todos.

 

Entrevista: "A vacina privada vai ajudar a retomar o desenvolvimento econômico", diz Trad

Foi aprovado nesta semana um projeto de lei, elaborado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que facilita a aquisição de vacinas contra a covid-19. Segundo a proposta, estados e municípios podem assumir a responsabilidade civil por possíveis eventos adversos decorrentes da imunização contra a covid-19 durante a emergência em saúde pública.

O texto, que segue agora para a Câmara, beneficia justamente a vacina da Pfizer, a única com registro no Brasil, e resolve a questão, apontada como empecilho pelo Ministério da Saúde para comprar o imunizante.

Na discussão, foram incluídos trechos que permitem que o setor privado participe desta aquisição, mas enquanto estiver acontecendo a imunização dos grupos prioritários - o que deve levar até o fim do ano - a totalidade deve ser dada ao SUS. Após a finalização da campanha dos grupos mais vulneráveis, o setor privado precisa doar 50% do que comprar ao governo. A outra metade deve ser aplica gratuitamente.

O trecho, que permite a compra por parte do setor privado, era justamente tema de um outro projeto apresentado pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS). Na avaliação dele, o assunto ficou contemplado neste único projeto e dá mais segurança jurídica à imunização contra o coronavírus.

Como foi a articulação com o setor privado para criar o projeto que permite a compra de vacinas contra a covid-19?

Há a imunização do grupo de risco, claro, mas também é preciso vacinar a massa laborativa, para retomar o desenvolvimento econômico. Com isso entrei em contato com alguns representantes da indústria e perguntei o que eles achavam sobre a questão. Eles acham que a questão é importante para fazer a fila da vacinação andar. Todas as emendas que foram aprovadas ontem [quarta-feira, 24] dentro da proposta do senador Pacheco foram do nosso projeto.

Por que o senhor acha que o tema da vacina privada ficou tão polarizado?

Há uma discriminação na minha avaliação neste momento. O SUS vai receber doses do setor privado, que era algo que não estava no script. Vai promover a retomada do desenvolvimento econômico. Com esse projeto, após o grupo de risco ser imunizado, a aplicação começa a ganhar um corpo para gerar uma imunização em massa. E todo o processo está vinculado às regras da Anvisa.

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