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Presidente não demonstra capacidade de articulação, diz Sérgio Abranches

Para o cientista político "não faz sentido" Rodrigo Maia ser articulador político de qualquer agenda do governo

Jair Bolsonaro: para o cientista político Sérgio Abranches, "quem tem de fazer articulação é o presidente e suas lideranças, e elas não estão dando demonstração de ter capacidade para essa articulação" (Esteban Garay/Reuters)

Jair Bolsonaro: para o cientista político Sérgio Abranches, "quem tem de fazer articulação é o presidente e suas lideranças, e elas não estão dando demonstração de ter capacidade para essa articulação" (Esteban Garay/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 24 de março de 2019 às 09h37.

Última atualização em 24 de março de 2019 às 09h39.

São Paulo - Passados quase três meses desde sua posse, o presidente Jair Bolsonaro não mostra forças para fazer uma "aglutinação" no Congresso, agravando a tensão entre Executivo e Legislativo, avalia o cientista político Sérgio Abranches.

"Existe uma percepção de que coalizão é igual corrupção. Não é. O que está posto agora é ver como formar uma nova coalizão. Isso implica um projeto de governo bem articulado, um presidente que assuma a liderança disso e que queira formar maioria em torno de ideias que unam e não desunam", disse.

Autor do termo "presidencialismo de coalizão" nos anos 1980, Abranches afirma que "não faz sentido" o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ser articulador político de qualquer agenda do governo.

"Quem tem de fazer articulação é o presidente e suas lideranças, e elas não estão dando demonstração de ter capacidade para essa articulação."

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o sr. vê o cenário político?

A eleição de 2018 encerrou o primeiro ciclo do presidencialismo de coalizão, que organizou governo e oposição de 1994 a 2014. Em 2018, houve a substituição de um sistema partidário por outro, um realinhamento. Todos perderam com a eleição de 2018, com exceção do PSL.

Esse ciclo caracterizado pelo duopólio na disputa pela presidência entre PT e PSDB, que também organizava tanto governo quanto oposição, começou a dar problema em 2014, teve o auge da crise com o impeachment em 2016 e se confirmou em 2018 quando esse sistema que estava em exaustão se encerrou.

O que vemos agora são os resultados disso.

Quais as consequências disso?

Do ponto de vista de organização de governo no Congresso, uma das principais dificuldades é a pulverização. Em 2002, as cinco maiores bancadas representavam 67% do Congresso.

Em 2018, os cinco maiores partidos têm 41% das cadeiras. O maior partido é de oposição, o PT, vivendo uma crise interna, e o segundo é o PSL, um partido invertebrado, que tem dado demonstrações de que não tem capacidade de ser pivô de uma coalizão em torno da qual os outros se aglutinam.

Por que falta essa capacidade ao PSL?

Desde o início, Bolsonaro disse que não ia fazer coalizão e não fez o menor esforço para montar maioria no Congresso. Segundo, porque o partido não tem vertebração, ainda precisa se demonstrar como uma organização partidária com ideias.

Em terceiro, porque a liderança do Bolsonaro não é suficientemente forte para fazer uma aglutinação no Congresso. Nenhum dos requisitos de estabilidade de governabilidade está amparado: um presidente minoritário, um partido inorgânico, a falta de uma coalizão articulada, relações tensas entre Poderes.

Como sair do impasse?

Existe uma percepção de que coalizão é igual corrupção. Não é. O que está posto agora é ver como formar uma nova coalizão. Isso implica um projeto de governo bem articulado, um presidente que assuma a liderança disso e que queira formar maioria em torno de ideias que unam e não desunam.

A crise política tem a ver com o fato que o primeiro ciclo se esgotou e não houve nenhum esforço por parte da liderança vitoriosa de levar adiante um novo ciclo, de estabelecer novas bases para o relacionamento entre Legislativo e Executivo.

Como a prisão do ex-presidente Temer impacta esse contexto?

Ela acontece num momento de acirramento do conflito entre o Legislativo e um clima de tensão dentro do MPF, do STF e de juízes de primeira instância. Vejo que a magnitude política da prisão de Temer se torna mais um ingrediente da crise política.

Dá mais munição para os partidos, sobretudo o MDB, fazerem pressão no Congresso, para criar mais impasses e obter mais concessões do Executivo. O MDB, que hoje tem 34 eleitos, pode fazer muita pressão, exatamente por não haver nenhum partido grande e pelo PSL não ter força nem experiência.

Todo mundo perdeu poder e o próprio presidente, ao não ser capaz de exercer uma liderança unificadora e perdendo popularidade, também fica sem espaço para dar solução a essa pulverização do poder.

Os três Poderes estão dominados por um processo conflituoso que tem a ver com questões políticas fundamentais associadas a essa maneira pela qual se esgotou esse ciclo.

O que a perda de popularidade representa para o governo?

Quanto menor a popularidade, menos capacidade tem de atrair apoio no Congresso. O que atrai é popularidade, carisma. Bolsonaro foi eleito por um conjunto muito heterogêneo de eleitores.

É difícil atender expectativas tão diferentes. Até agora, não atendeu nenhuma delas, a não ser a questão das armas (facilitou a posse), que é controvertida.

Como fica, por exemplo, o projeto da reforma da Previdência?

Vai sofrer muito mais por conta da perda de popularidade. Se não surgir uma forma nova de ativar as decisões no Congresso, acho que a reforma terá muita dificuldade.

Não faz sentido o presidente da Câmara ser articulador político de qualquer agenda do governo, mesmo que seja do interesse dele. Quem tem de fazer articulação é o presidente e suas lideranças, e elas não estão dando demonstração de ter capacidade para essa articulação. Então, acredito que essa reforma está no limbo, à deriva.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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