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Muitos alunos não sabem contra o que protestam, diz chefe do Inep

Maria Inês Fini diz que governo não negociou com estudantes a tempo de evitar adiamento do Enem porque escolas "não estão na governabilidade" do MEC

Maria Inês Fini: presidente do Inep afirma que alunos com prova adiada terão perguntas com mesmo nível de dificuldade que os demais (Wilson Dias/Agência Brasil)

Maria Inês Fini: presidente do Inep afirma que alunos com prova adiada terão perguntas com mesmo nível de dificuldade que os demais (Wilson Dias/Agência Brasil)

Bárbara Ferreira Santos

Bárbara Ferreira Santos

Publicado em 4 de novembro de 2016 às 07h30.

Última atualização em 4 de novembro de 2016 às 10h36.

São Paulo — Com escolas ocupadas desde o último 3 de outubro contra a PEC do Teto, o Ministério da Educação (MEC) tomou uma medida drástica nesta semana: adiou a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para 191 mil estudantes, e foi alvo de uma série de críticas pela falta de habilidade para contornar o problema.

Em entrevista a EXAME.com,  Maria Inês Fini, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e criadora da primeira versão do Enem , afirmou que o governo federal não encabeçou as negociações com os manifestantes porque os espaços escolares “não estão na governabilidade” do Executivo federal, mas sob responsabilidade das secretarias de educação.

“Como vamos interferir em um espaço que não é nosso?”, disse. Ela fez ainda críticas ao propósito dos protestos: “Eles estão reivindicando o direito de manifestação contra algumas medidas que muitos deles nem sabem o que significa”.

Maria Inês conversou com EXAME.com na quinta-feira à noite, minutos após a liminar que pedia o cancelamento do exame ser negada na Justiça. Ela garantiu que a data da prova continua a mesma para a maior parte dos alunos: este sábado e domingo.

O ministério havia determinado o último dia 31 de outubro como o prazo máximo para os estudantes desocuparem as escolas a fim de que o Enem ocorresse sem alterações. Diante da negativa de mais de 300 ocupações de locais de prova, a aplicação do certame nesses espaços foi adiada. Nesta sexta-feira (4), o MEC vai divulgar a lista definitiva de locais que terão a prova adiada.

Os alunos que fariam o Enem nessas escolas ocupadas farão o exame nos dias 3 e 4 de dezembro. Segundo Maria Inês, não há a possibilidade de mudança de data, mesmo que haja conflito com outros vestibulares.

Veja a entrevista completa concedida a EXAME.com:

EXAME.com: Como vai ficar o Enem no fim de semana? O MEC vai divulgar uma nova lista de escolas em que a aplicação do exame será adiada?

Maria Inês Fini: A lista só será acertada se novas ocupações ocorrerem e nós formos informados oficialmente. E esse balanço nós estamos fazendo e, nesta sexta, às 11 horas, o ministro vai dar uma coletiva e vai anunciar então as novas ocupações. Mesmo que tenha havido já escolas desocupadas, por questão de segurança nós não conseguimos preparar os locais de prova ainda para poder fazer o exame neste final de semana. Então eu acredito que a grande maioria fará o exame agora e os demais farão em dezembro.

Novas ocupações foram detectadas e podem levar a mais adiamentos?

Por enquanto, o número é de 191 mil [alunos que terão o Enem adiado]. No entanto, não descarto, de jeito nenhum, que esse número possa aumentar. A gente tem recebido muitos avisos no 0800, muitos trotes, infelizmente, algumas indicações por e-mail. Nós estamos verificando tudo isso com os nossos coordenadores de local de prova para poder monitorar pelas forças de segurança para a gente poder ter um bom levantamento para poder divulgar. É tudo prematuro porque vem de todas as fontes possíveis que você possa imaginar. E ainda tem gente que quer brincar com o assunto e quer tumultuar mais ainda a organização. Mas estamos monitorando direitinho.

Essa é a prova anual mais importante do Brasil e a segunda mais importante do mundo, só perde para a da China. Por que o Inep não tomou antes medidas para aplicar a prova para todos já que o governo sabia das ocupações desde o dia 3 de outubro? Por que não foram encontrados locais alternativos de prova?

Esse movimento é extremamente dinâmico. Hoje nós tínhamos dez [ocupações] e desocuparam várias escolas. Você não pode substituir simplesmente a escola A por uma escola B, por exemplo. A escola B tem que ter o mesmo número de salas, o mesmo número de perspectiva de atendimento especializado para cadeirantes, para provas que tem mais uma hora de duração, provas em braile. Você não tira de um espaço físico e coloca no outro. Além do que todas as perspectivas de segurança têm que estar garantidas. Então não foi possível trocar uma coisa pela outra. Em algumas localidades nós não tínhamos nem outra opção. Além do que tínhamos sempre aviso ou de diretores ou até de prefeitos que estavam fazendo um esforço pela desocupação. Então ficou algo extremamente volátil para nós tomarmos essa decisão.

Os alunos afirmaram que iam desocupar se as pautas deles fossem atendidas, mas não houve negociação. O MEC não ouviu os estudantes?

Veja bem, a gestão desses espaços escolares é da secretaria de educação, dos diretores, etc e tal. Eu não posso entrar lá para negociar algo que não está na nossa governabilidade. Eles estão reivindicando o direito de manifestação contra algumas medidas que muitos deles nem sabem o que significa. Alguns jornalistas foram entrevistar os jovens para perguntar se eles sabem o que é a reforma do ensino médio e eles dizem que eles querem uma escola melhor, mas que eles não sabiam nem mesmo da PEC 241.

Como nós vamos interferir em um espaço que não é nosso, que não está na nossa governabilidade? Então, nós conversamos com os diretores, professores, e eles tentaram de fato mostrar para esses alunos a importância de que outros fizessem provas ali. Os que conseguiram desocuparam até o dia 31 [de outubro]. Os demais infelizmente vamos ter que dividir esse ônus com as pessoas que causaram essa questão. Não tem como não fazer isso.

A alegação do procurador Oscar Costa Filho, que pediu o cancelamento no Enem, era de que esse adiamento fere a isonomia da prova, especialmente no que se refere à redação. A senhora acha que os alunos que não fizerem a prova agora serão prejudicados?

Não acho. Não é o tema da redação que garante a isonomia, mas as categorias linguísticas que permitem que a correção da prova seja absolutamente equivalente. Senão nós não poderíamos comparar o tema do ano passado com o desse ano, o do PPL [Enem para pessoas que estão na prisão] com os alunos que não são privados de liberdade. Enfim, há toda uma metodologia que vem sendo desenvolvida desde 1998, quando nós fizemos o primeiro Enem, e que garante essa isonomia.

O procurador chegou a propor que apenas a nota da redação fosse desconsiderada. É possível que isso seja feito?

Não tenho essa informação. E isso não é possível porque, veja bem, no dia 19 de janeiro, todas as análises da teoria de resposta ao item, todas as provas têm que estar absolutamente corrigidas, e o cálculo das notas pronto para a gente poder entregar para que o Sisu [Sistema de Seleção Unificado] faça a sua listagem classificatória para os alunos poderem escolher as vagas e os outros que vão se beneficiar com programas de bolsa, seja Fies ou ProUni, possam fazer isso nesse tempo com matrícula na universidade para começar em março.

Não há possibilidade de nós esperarmos mais tempo para fazer o exame. O limite máximo que nós tínhamos era até o dia 3 e 4 de dezembro, até para preparar a logística da outra prova a partir do número exato que nós teremos depois desse domingo. Não seria possível esperar o resultado da redação, deixar para depois, porque ela também entra no cômputo da nota do aluno.

Mas e o psicológico dessas crianças? São estudantes que estão disputando o ingresso no ensino superior, o que determina o futuro deles.

Isso é terrível. Infelizmente, esse custo emocional vai ficar por conta dos alunos, dos jovens. O que nós podíamos fazer era garantir que eles tenham direito igual e garantido. Mas é lamentável, porque eles não têm culpa de terem sido destinados a esses locais de prova e acabam assumindo um efeito de uma medida que não foram eles que tomaram. Então, eu acho lamentável. O nível de ansiedade é muito grande, esperar mais um pouco. É lamentável. Eu lamento profundamente isso.

A data do próximo Enem vai coincidir com a de outros vestibulares. Como o MEC vai garantir que esses estudantes não serão prejudicados?

Eu não tenho outra data possível para fazer o exame. Eu lamento profundamente, mas não fomos nós que provocamos essa situação. Lamento muito, mas não tenho como fazer em outra data. Nem antes é possível nem depois em função de processar os resultados.

Por que o MEC não cancela para todos?

Por quê? Para quê? Toda a operação logística está montada. Todas as rotas do correio garantidas, faltando apenas a última milha. Todos os coordenadores estão absolutamente mobilizados. Para processar os resultados, em torno de 200 mil até o cálculo dos resultados finais, eu posso. Dos 8 milhões, eu não consigo processar todos os resultados e as análises a tempo de não comprometer o Sisu.

O governo já fechou a conta de quanto ficará fazer dias adicionais de prova?

Não fechamos porque não temos o número exato de alunos. Enquanto estávamos com 191 mil, era em torno de 12 milhões de reais. Mas o que eu tenho explicado é que essa última milha dos Correios que nós ainda precisamos fazer para o lugar que vai ter prova neste fim de semana será substituída para uma compensação de gastos para a gente poder apurar o gasto final ainda. Então pode ser que [o gasto] seja menos ou mais.

Diante dessa dimensão que o Enem tomou ao longo dos anos, virando um vestibular e não apenas uma avaliação do ensino médio, ele vai passar a ter um novo formato no ano que vem, com a reforma do ensino médio? Ele vai deixar de ser vestibular?

Essa é a pergunta que vale um milhão de dólares. Nós só vamos falar disso depois do Enem de 2016. Eu estou pedindo aos jornalistas, por favor, que aguardem, para a gente não tumultuar mais ainda.

Mas há possibilidade de reforma?

Falaremos disso oportunamente.

Neste ano, pelo menos, será o formato normal da prova?

Sim, normal. Eu, pessoalmente, como educadora, mãe, avó, não gostaria que nenhum dos nossos jovens dessa geração perdessem qualquer vantagem que eles adquiriram com o Enem, que  foi o exame que eu criei, com extremo carinho e muito profissionalismo. Então, não gostaria que qualquer modificação no Enem pudesse impedir a vantagem que ele trouxe para esses jovens.

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