Brasil

Por que o Uber está demorando tanto? Perguntamos aos motoristas

Alta nos combustíveis e defasagem na tarifa paga pelos passageiros faz com que muitas viagens não se paguem; com isso, motoristas são obrigados a "garimpar" corridas para ter algum lucro

 (David Paul Morris/Getty Images)

(David Paul Morris/Getty Images)

G

GabrielJusto

Publicado em 28 de agosto de 2021 às 14h14.

Última atualização em 31 de agosto de 2021 às 16h03.

Ainda que você não seja um usuário frequente da Uber, certamente já deve ter notado: de uns tempos para cá, conseguir um carro pelo aplicativo está mais difícil. Leva-se cada vez mais tempo para se conseguir um motorista e, quando finalmente acontece, o profissional cancela a corrida. Seja nos horários de pico ou fora deles, o tempo entre abrir o aplicativo e embarcar no carro é cada vez maior. Afinal, o que está acontecendo com a Uber?

Para entender a situação e responder a essa pergunta, a EXAME conversou com motoristas do aplicativo, que apontam diversas razões para a queda na qualidade do serviço. Ao contrário do que se imagina, não há uma falta de motoristas. Eles continuam disponíveis aos montes. Mas o cenário de deterioração econômica do país e a política de preços da Uber tem obrigado eles a "garimpar" corridas para conseguir obter algum lucro ao fim de um dia de trabalho - que, em média, supera as 12 horas de labuta.

"Não é que não tem motorista na praça. Pelo contrário, tem muitos. Mas eles estão garimpando corridas. Pegam aquelas que eles sabem que vão fazer algum dinheiro", explica o motorista Walter, que dirige na Uber há seis anos e pediu para não ter o sobrenome publicado. Ele explica que, quando oferece uma promoção ao passageiro, a Uber repassa esse custo aos motoristas, que já pagam uma comissão de 25% a 40% do valor total das viagens à empresa. Com isso, algumas corridas acabam não se pagando.

"Eu gasto cerca de 120 reais por dia de combustível, mais a locação do carro [já que não tem veículo próprio, como muitos motoristas]. Todos esses custos subiram ultimamente, mas a tarifa da Uber, não", explica Walter, cuja "taxa de aceitação" das corridas recentemente caiu de 90% para 76% nos últimos meses. "Antigamente compensava fazer qualquer tipo de corrida, tanto longa como curta. Mas hoje não mais. Quem cancela muito ou aceita pouco acaba sendo banido, mas nós precisamos fazer essa "garimpagem" para conseguir ganhar alguma coisa no final do dia."

Segundo o IPCA, índice que mede a inflação no Brasil, o preço da gasolina subiu 27,51% apenas no acumulado de janeiro a julho deste ano, chegando a ultrapassar dos R$7 em algumas cidades. A escalada dos preços tem sido registrada também no varejo, que em junho viu seu faturamento aumentar 1,5% mesmo com uma queda de 1,47% no volume de vendas em comparação com maio - o que indica uma diminuição do poder de compra do consumidor, que gasta o mesmo, mas leva menos.

Em um cenário de inflação galopante, que corrói o pouco dinheiro que os motoristas conseguem fazer, muitos deles acabam desistindo do ofício. Segundo a Associação de Motoristas de Aplicativos de São Paulo, que diz representar cerca de 62 mil motoristas, 25% dos profissionais acabaram optando por deixar os aplicativos desde o início de 2020 - quando a base de dados da prefeitura da capital paulista tinha 120 mil motoristas cadastrados; hoje são 90 mil. A categoria afirma ainda que as tarifas não sofrem reajustes pelo menos desde 2015.

A culpa sempre cai nos motoristas, que estão 'escolhendo trabalho'. Mas o problema são essas tarifas. Antes, eu trabalhava das 6h às 13h e conseguia fazer entre R$150 e R$170. Hoje, para fazer R$200, eu trabalho das 6h às 21h. Mas a Uber não está nem aí. Continua oferecendo promoções e nunca vê o lado do motorista, que tem que arcar com todos os custos.

Sidney Martins, motorista na Uber desde 2017

A solução? Ir para a concorrência

Segundo Walter, a solução encontrada pelos motoristas que ainda seguem na profissão é dar prioridade ao aplicativo onde eles conseguem faturar um pouco melhor. Como na 99 onde, explica ele, as promoções são oferecidas também aos motoristas. Em determinados dias e horários, por exemplo, a empresa garante um ganho mínimo ao motorista caso ele rode durante um período de tempo apenas com o seu aplicativo.

"Na 99, muitas vezes as taxas são melhores e tem mais promoções também. Daí eu só rodo com eles quando rolam essas promoções", conta o motorista. "Mas, mesmo assim, o orçamento continua apertado."

Com a palavra, a Uber

Procurada pela EXAME, a Uber informou que acompanha a questão do aumento do preço dos combustíveis no país e que tem intensificado esforços para ajudar os motoristas parceiros a reduzirem seus gastos, como em parcerias com postos para dar cashback aos profissionais. A empresa afirma que também notou uma alta na demanda, superior à oferta de motoristas, e atribui o desequilíbrio à vacinação e a consequente retomada da economia.

"Os ganhos dos motoristas parceiros foram maiores na última semana que em todo o restante do ano. Isso ilustra bem o desequilíbrio entre oferta e demanda", disse a Uber em nota. "Os motoristas parceiros têm liberdade para cancelar qualquer corrida, afinal, são profissionais independentes. Mas a Uber tem algumas ações para punir cancelamentos constantes e injustificados."

(Colaborou Gabriel Aguiar)

ERRAMOS: A versão original deste texto dizia que, procurada pela EXAME, "a Uber informou que não tem controle sobre o aumento do preço dos combustíveis no país", o que não reflete um posicionamento oficial da empresa. O texto foi corrigido.

Acompanhe tudo sobre:99taxisCombustíveisEXAME-no-InstagramInflaçãoTransporte públicoTransportesUber

Mais de Brasil

Banco Central comunica vazamento de dados de 150 chaves Pix cadastradas na Shopee

Poluição do ar em Brasília cresceu 350 vezes durante incêndio

Bruno Reis tem 63,3% e Geraldo Júnior, 10,7%, em Salvador, aponta pesquisa Futura

Em meio a concessões e de olho em receita, CPTM vai oferecer serviços para empresas