Brasil

Não há espaço para linchamento em um país civilizado

Morte da dona de casa espancada no litoral de SP acendeu a luz amarela na sociedade sobre fazer justiça com as próprias mãos. Veja 4 razões pelas quais isso é inaceitável


	Mulher é carregada por seus agressores: Fabiane Maria de Jesus foi confundida com uma sequestradora de crianças e espancada no litoral de São Paulo
 (Reprodução/ Youtube)

Mulher é carregada por seus agressores: Fabiane Maria de Jesus foi confundida com uma sequestradora de crianças e espancada no litoral de São Paulo (Reprodução/ Youtube)

DR

Da Redação

Publicado em 22 de maio de 2014 às 11h33.

São Paulo - No último sábado, Fabiane Maria de Jesus, 33 anos, foi espancada até a morte após ser confundida com uma mulher que teria sequestrado crianças para realizar trabalhos de magia negra. As pessoas que a amarraram e a agrediram não eram membros das forças policiais e de justiça, mas moradores da região. 

A dona de casa era casada, tinha duas filhas e morava com a família no Guarujá, no litoral de São Paulo.

Isso ocorreu mesmo não havendo nem mesmo queixa na polícia sobre desaparecimento de crianças. Mesmo assim, ela  foi punida pelos agressores com a morte.

Hoje, um suspeito de ter participado da ação foi preso pela Polícia Civil.

O caso está longe de ser o primeiro a chamar atenção da sociedade. Em fevereiro, no Rio de Janeiro, outro caso de espancamento e humilhação pública ganhou espaço na imprensa nacional.

Um grupo tirou a roupa de um adolescente e o prendeu a um poste preso por uma tranca de bicicleta. A justificativa era que o menino praticaria roubos e furtos na região. 

Na avaliação do advogado e coordenador da ONG Conectas, Rafael Custódio, apesar da sensação de que os casos de justiceiros estão acontecendo com mais frequência, eles estão apenas ganhando mais repercussão por causa das redes sociais

Mas apesar do apoio de uma parte (não estimada) da população, a justiça pelas próprias mãos não melhora o país – pior, o faz retroceder em nome da falsa sensação da população em ocupar o lugar do Estado.

"Pouco importa se ela era culpada ou inocente do crime que era acusada. É inaceitável de qualquer modo", diz Custódio.

Veja abaixo 4 razões pelas quais atos como esse não fazem sentido no Brasil de hoje.

1. DIferenciar culpados de inocentes? Melhor deixar com o judiciário

Se Fabiane fosse levada à polícia e, em última instância, mesmo a um tribunal - onde provas teriam que ser apresentadas, com defesa e acusação - a dona de casa ainda estaria viva. Tudo não teria passado de um mal entendido. 

Na verdade, seu caso nem chegaria à polícia, porque não existiam queixas de sequestro de crianças na cidade. 

Embora linchamentos sejam errados em qualquer circunstância, eles causam ainda mais indignação quando envolvem inocentes. E esse é um dos maiores perigos quando a população resolve agir por conta própria.

Recentemente, o programa CQC, da TV Band, mostrou a facilidade com que situações do tipo podem fugir de controle.

Em um dos quadros do programa, a produção contratou atores que simularam a ação de justiceiros diante de um roubo simulado de celular.

Cidadãos comuns, provocados pela equipe de atores, acabaram querendo agredir o falso ladrão, confiando na informação que haviam acabado de receber da boca de desconhecidos. 

2. A violência é monopólio do Estado

Assim como em qualquer país civilizado, o uso da força e da violência no Brasil é monopólio do Estado. Isto quer dizer que só a polícia pode usar da violência em suas atividades, quando necessário (os vários erros neste processo são outra história). 

Na prática, isto significa que, quando há a eleição de representantes que irão tomar as decisões pela população, passa-se ao poder público o dever de resolver os problemas da sociedade.

De acordo com a Constituição Federal, a segurança pública é um dever do Estado e um direito dos cidadãos.

A polícia e a justiça são as únicas com poder para coibir, investigar e julgar os crimes, de forma a garantir a ampla defesa, a apresentação de provas e que as penas aplicadas simplesmente não saiam da cabeça de cada um (ou de qualquer massa enfurecida de pessoas).

3. Existem meios legais de se exigir mais segurança

Não é novidade para ninguém que há uma descrença generalizada na polícia e na justiça brasileira por parte dos cidadãos. 

O descontentamento, é verdade, não é gratuito: apenas 8% dos homicídios registrados no Brasil são solucionados. 

Isso em um país que é o 16º colocado entre os países com maior taxa de homicídios, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). 

Se há uma insatisfação em relação à segurança pública, não há dúvidas de que é direito da população reclamar e buscar mudanças pelos meios legais. Apesar deles serem, comumente, mais longos e demorados.

Além de protestos, pode-se também ir atrás dos representantes nas Câmaras e nas Assembleias, procurar os órgãos competentes do governo municipal ou estadual, prestar queixa na própria polícia. Há diversos meios para isso.

Eles estão longe da perfeição, claro - mas os linchamentos, além de mais falhos ainda na busca de inocentes e culpados, implicam, em última instância, a um retorno a um estado primitivo em que cada um faz o que quer, quando quer.

Ninguém, nem mesmo os mais radicais, iriam gostar de viver em um país assim, se esse conceito fosse levado ao pé da letra.  

4. Não existe pena de morte no Brasil

Mesmo se fosse de alguma forma aceitável que cidadãos agissem no lugar da justiça, a pena imposta em vários casos é absurda diante do Código Penal brasileiro.

A pena máxima permitida no Brasil são 30 anos de prisão - não existe nem mesmo prisão perpétua.

Ou seja, é realmente justo que crimes das mais diversas nuances e graus de gravidade acabem em morte ou danos severos aos supostos culpados?

Acompanhe tudo sobre:Baixada SantistaJustiçaLegislaçãoPena de morteSegurança públicaViolência urbana

Mais de Brasil

Bolsonaro nega participação em trama golpista e admite possibilidade de ser preso a qualquer momento

Haddad: pacote de medidas de corte de gastos está pronto e será divulgado nesta semana

Dino determina que cemitérios cobrem valores anteriores à privatização

STF forma maioria para permitir símbolos religiosos em prédios públicos