OCDE (Antoine Antoniol/Bloomberg)
Alessandra Azevedo
Publicado em 17 de abril de 2022 às 09h00.
Em janeiro deste ano, o governo brasileiro recebeu uma carta que esperava desde 2017: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) informou que abriu as portas para que o Brasil tente oficialmente entrar no grupo. Desde então, as negociações estão em andamento, mas o processo pode levar mais de cinco anos para terminar. O país ainda tem muito o que fazer para se adequar às exigências da OCDE.
Ainda conhecida como "clube dos países ricos", a OCDE é uma organização, hoje com 38 países membros, que debate e recomenda boas práticas em políticas públicas. Sem caráter financeiro, ela faz diversas pesquisas e estabelece padrões regulatórios em questões que envolvem economia, educação, tributação, trabalho, meio ambiente, entre outras.
A OCDE tem vários indicadores que são usados para que os países consigam tomar as melhores decisões em políticas públicas. Mas ela não é mais formada apenas pelas grandes economias mundiais. Hoje, países em desenvolvimento, como Chile, México, Turquia e Colômbia, também fazem parte do grupo.
Ter o "selo" de integrante da OCDE significa que o país está alinhado às boas práticas defendidas pela organização. Essa chancela aumenta a possibilidade de investimentos internacionais e de acordos com países desenvolvidos. O governo brasileiro espera que a entrada na organização facilite as exportações e melhore a confiança dos investidores.
O entendimento de quem defende o ingresso do Brasil na OCDE é de que essa movimentação criaria um ambiente favorável para o crescimento econômico e para o aumento da produtividade, explica Lia Valls, professora associada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
"Entende-se que daria um upgrade no Brasil em termos de ser um país comprometido com boas práticas de governança, o que seria um ponto a mais de atração de capital estrangeiro na área de investimento", diz.
Valls ressalta, porém, que pode haver pontos negativos em entrar na OCDE, como a limitação em certas políticas. "Há quem considere que é difícil dizer quais são as melhores práticas, e pode ser que isso seja adequado para determinados tipos de países e não para outros. Poderia limitar, de certa forma, o grau de autonomia das políticas do país", explica.
Mas o Brasil, desde 2017, entende que será positiva a entrada no grupo. Em nota conjunta assinada em janeiro, os ministérios das Relações Exteriores, Casa Civil e da Economia pontuaram que aderir à organização deve contribuir para promover a competitividade e o dinamismo da economia brasileira, além de atrair investimentos.
A expectativa é de mais geração de emprego, renda e oportunidades empresariais, "bem como aprofundar a integração internacional do Brasil", diz o texto. "Permite, ainda, o aprimoramento contínuo dos processos de formulação de políticas públicas e das estatísticas econômicas e sociais do país", continua a nota.
"Além de melhorar a relação com investidores ou parceiros internacionais, o 'selo' da OCDE dará certa previsibilidade das regras e reduzirá assimetrias de informações e inseguranças jurídicas, porque o Brasil assumirá padrões que são de conhecimento em todos os países da OCDE", explica o coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec SP, Pietro Rodrigues.
Para entrar na OCDE, o Brasil precisa ajustar a legislação e fomentar políticas públicas que mostrem que o país está se adequando aos princípios da organização, que incluem defesa da democracia, preservação da liberdade individual e proteção dos direitos humanos. O grupo também está comprometido com economias de mercado abertas, comerciais, competitivas, sustentáveis e transparentes.
A OCDE busca promover o crescimento econômico sustentável, ao mesmo tempo que mantém o compromisso com o combate ao desmatamento e às mudanças climáticas, por exemplo. Todos esses princípios foram reforçados pela organização em um comunicado divulgado em janeiro sobre a abertura do processo de adesão do Brasil e de outros cinco países: Argentina, Peru, Romênia, Bulgária e Croácia.
Para ingressar na OCDE, o Brasil precisa se adequar a 253 instrumentos normativos, regras e práticas relacionadas a várias áreas, como educação, meio ambiente, saúde, energia, combate à corrupção, entre outras. Ao aderir aos instrumentos, o país se compromete com as recomendações feitas pela organização nessas áreas.
O Brasil, até agora, cumpriu 106 desses requisitos, de acordo com acompanhamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O país tem dificuldades muito claras. O meio-ambiente é uma delas: até agora, só aderiu a oito de 72 instrumentos na área.
Ainda há pendências em várias outras áreas, como a de governança, na qual o Brasil aderiu a 34 dos 70 instrumentos, e na de finanças e investimentos, 28 de 45. Também são avaliadas as políticas do país em temas como comércio, anticorrupção, desenvolvimento, energia, educação, agricultura, transporte, trabalho e questões sociais. Em nenhuma delas o Brasil aderiu a todos os instrumentos recomendados.
Na última terça-feira, 12, entidades da sociedade civil enviaram uma carta à OCDE alertando sobre os retrocessos do Brasil em temas como desmatamento, democracia e direitos humanos. O documento é assinado pela Anistia Internacional Brasil, pela WWF-Brasil, pela Human Rights Watch e pela Transparência Internacional do Brasil.
As entidades dizem que "a adoção de boas práticas em várias áreas de políticas públicas e de fortalecimento do estado de direito, como promovidas pela OCDE, poderia ajudar o Brasil a melhorar não apenas sua performance econômica, mas também a promoção de direitos humanos e boa governança ambiental e climática".
Mas ressaltam que os objetivos só serão alcançados se o país se comprometer com as práticas, o que, segundo elas, não tem acontecido. "Nos últimos anos, especialmente desde que o presidente Jair Bolsonaro chegou ao poder, temos visto um retrocesso no Brasil nas práticas e políticas que são cruciais para os direitos humanos, transparência, boa governança, redução de emissão de gases de efeito estufa, e o fortalecimento da democracia e do estado de direito", afirmam.