Bolsonaro: “Todos nós iremos morrer um dia”, disse o presidente recentemente (Ueslei Marcelino/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 31 de março de 2020 às 10h32.
Última atualização em 31 de março de 2020 às 10h35.
Durante a crise de coronavírus, que já matou 35 mil pessoas no mundo todo, Jair Bolsonaro tem realizado reuniões presenciais e pressionado brasileiros a voltar ao trabalho.
Não é um cálculo político. O presidente de fato acredita que a maior ameaça ao Brasil são as consequências econômicas, e não o próprio vírus, segundo duas autoridades próximas a ele. No domingo, Bolsonaro circulou por Brasília, onde conversou com grandes grupos de pessoas enquanto visitava lojas, restaurantes e mercados de rua.
“Bolsonaro é um homem muito intuitivo e essa intuição o levou à presidência”, disse o senador Major Olímpio, que conhece Bolsonaro há anos e teve papel importante na eleição de 2018. “Ele não se preocupa com divergências porque ele sempre viveu da divergência.”
Uma das razões que sustentam a teoria de Bolsonaro: ele está no centro de um foco de covid-19 há três semanas e ainda se sente bem.
“Depois da facada, não é uma gripezinha que vai me derrubar”, disse Bolsonaro dias atrás ao encerrar uma coletiva de imprensa. No domingo, em seu passeio por Brasília, disse a repórteres: “Essa é uma realidade, o vírus tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida.”
“Todos nós iremos morrer um dia”, acrescentou.
Embora o coronavírus tenha demorado a avançar no Brasil, os casos aumentam e especialistas em saúde alertam que o presidente pode ter perdido um tempo precioso para preparar o país. Muitos profissionais da área médica - e até o próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta - concordam que o sistema público de saúde sofreria um colapso se as infecções acompanharem a explosão em outras partes do mundo.
“Defender que as escolas continuem funcionando num país em que é muito difícil isolar crianças de idosos representa um grande risco”, disse Vivian Avelino-Silva, infectologista e pesquisadora do Hospital Albert Einstein. “Não compreender isso, após semanas de crise, é preocupante.”
Bolsonaro e ministro da Economia, Paulo Guedes, acham que o Brasil estaria melhor se o vírus pudesse circular entre a população saudável, de acordo com uma pessoa com conhecimento direto do assunto. Bolsonaro e Guedes defendem quarentenas direcionadas para isolar grupos de alto risco. A assessoria de imprensa de Bolsonaro não retornou pedido de comentário.
Guedes, de 70 anos, passou as últimas semanas em seu apartamento no Rio de Janeiro, antes de retornar a Brasília para despachar na Granja do Torto, casa de campo da Presidência da República, já que o hotel onde morava em Brasília está fechado.
“Se as empresas não produzem, não pagam salários”, tuitou Bolsonaro na semana passada. “Se a economia entrar em colapso, os trabalhadores dos setores de serviços também não serão pagos. Precisamos reabrir o comércio e fazer todo o possível para proteger a saúde dos idosos e doentes.”
Bolsonaro disse que consultou vários integrantes do governo infectados, como o general Augusto Heleno, de 74 anos. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) está praticamente isolado desde que testou positivo, exceto por uma reunião de três horas no Palácio do Planalto na quinta-feira da semana passada.
“Perguntei: ‘General, o que você está sentindo?’”, disse Bolsonaro em live nas redes sociais. “E ele disse: ‘Nada. Inclusive acabei de fazer 50 minutos de bicicleta’.”
Bolsonaro não é o único chefe de Estado que pressiona para que as pessoas voltem ao trabalho. E ainda pode reverter sua postura como outros líderes o fizeram. No fim de semana, o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador disse que os cidadãos deveriam fazer compras em mercados públicos para apoiar pequenas empresas.
O presidente dos EUA, Donald Trump, também está ansioso para reabrir a economia, embora tenha recuado em tomar a medida até a Páscoa, atendendo aos conselhos dos principais médicos do governo dos EUA.
Bolsonaro também tomou medidas para liberar fundos para combater a crise e reforçar o sistema público de saúde. A pandemia foi declarada estado de calamidade, o que permite ao governo gastar além do estipulado no orçamento federal, além de transferir verbas para os estados, ajudar companhias aéreas e oferecer vales a trabalhadores informais.
Mas, ao desafiar o conselho do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e de outros especialistas para buscar o distanciamento social, Bolsonaro faz uma aposta arriscada, que pode ser o momento decisivo de seu mandato. Segundo pesquisas recentes, na avaliação dos brasileiros o ministro da Saúde está lidando com a crise melhor do que o presidente.
Bolsonaro também entrou em conflito com governadores que ordenaram o fechamento de lojas e escolas para conter a pandemia e não sobrecarregar o sistema de saúde. O estado de São Paulo, epicentro do surto no país, implementou algumas das medidas mais rigorosas.
“O presidente Bolsonaro não tem identidade com a classe política no Brasil”, disse o deputado Marco Feliciano, vice-líder do governo no Congresso. “É daí que surgem os conflitos.”